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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2003 Christine Rimmer

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

A doce espera, n.º 1132 - Fevereiro 2014

Título original: Prince and Future... Dad?

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2008

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Julia e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em queaparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5041-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

A primeira coisa que a princesa Liv Thorson viu ao abrir os olhos foi uma ovelha. Kavarik, pensou Liv aturdida. As ovelhas na Gullandria chamavam-se kavarik...

Desde que chegara ao país do seu pai, há quase uma semana, Liv fizera obedientemente várias visitas turísticas, e como tal vira um grande número de kavariks, embora sempre de longe.

A ovelha kavarik disse o que teria dito qualquer ovelha americana.

– Mééé...

Tinha o nariz húmido.

– Ai! – Liv afastou-se bruscamente.

As suas costas nuas chocaram com outras costas nuas, e com o pé tocou numa perna peluda.

A ovelha, assustada, foi-se embora. Era gorda e lãzuda. Liv ficou a observá-la até desaparecer na neblina matinal e nas árvores verdes e enormes.

Sentia a boca seca. Estava deitada do lado esquerdo sobre a erva macia e fresca. A mera ideia de se endireitar ou de levantar a cabeça, que tanto lhe doía, deu-lhe náuseas. Tremeu. O lugar onde se encontrava ficava, de alguma forma, protegido pelo grupo de árvores espessas que a rodeavam. E embora estivesse totalmente nua, não tinha frio nenhum. Disse para si que se deveria vestir.

Contudo para fazer isso teria de se endireitar, e não tinha vontade nenhuma de o fazer naquele momento.

Semicerrou os olhos para olhar entre as fibras brilhantes e verdes de erva, e começou a pensar como se metera naquela confusão.

Tudo começara na noite anterior. No dia anterior, além de ser a véspera do solstício de Verão, uma festividade importante na ilha da Gullandria, a sua irmã Elli casara-se com Hauk Wyborn.

Liv passou a língua pelos lábios ressequidos enquanto implorava para aquela dor de cabeça terrível desaparecesse... Porém, voltando à noite anterior, a Elli e a Hauk.

Liv não tinha a certeza de estar de acordo com aquele casamento. Sim, era verdade que ambos se adoravam, contudo o que poderiam ter em comum uma professora de jardim-de-infância de Sacramento e um guerreiro enorme e musculado da Gullandria?

Liv retirou uma erva que lhe estava a fazer cócegas no nariz com impaciência. Ela não se deixava enganar pelos homens da Gullandria. Os guias turísticos assinalaram com orgulho as suas igrejas e diziam-se luteranos, contudo toda a gente sabia que não era assim. Tinham passado oitocentos ou novecentos anos desde que o último invasor da Gullandria se despedira da sua esposa e embarcara no seu navio viking para levar a cabo violações e pilhagens pelas costas de Inglaterra e França. Contudo todos os habitantes da Gullandria conheciam os mitos nórdicos e permaneciam fiéis a eles. Eram vikings de alma e coração.

Todos os anos na véspera do solstício de Verão davam uma festa magnífica.

Liv gemeu entre dentes.

A maior parte dos acontecimentos da noite anterior surgiam na sua mente de forma confusa. Beberam-se litros e litros daquela cerveja deliciosa que lhe parecera ligeiramente doce.

Recordava gargalhadas... Sim, muitas gargalhadas e uma série de brincadeiras de mau gosto quando enviaram o casal recém-casado para a cama. Era também uma tradição viking.

Hauk cansara-se de eles, de todos os jovens solteiros, e pedira-lhes que saíssem da suíte. Assim Liv e os restantes desceram as escadas a correr e foram para os jardins e para o parque onde, em honra da ocasião, o pai de Liv, o rei Osrik, ordenara que se queimasse um navio viking.

Então parecera-lhe recordar que dançara. Sim, claro que dançara. Bêbada como todos os outros, rindo-se e cantando enquanto faziam cambalhotas em redor do navio em chamas.

Contudo, depois daquilo... Bom, não se lembrava bem do que acontecera.

Liv reparou que estava a tiritar de frio e abraçou-se num tentativa em vão de se aquecer.

A uns dois metros de onde estava deitada, viu um pedaço de seda azul-escura. O seu sutiã. Mais à frente do sutiã, junto às árvores, estava a saia do vestido de duas peças de veludo azul brilhante. Contudo onde estava o resto da roupa?

Meu Deus! Como pudera descontrolar-se daquela forma? Que loucura teria cometido?

Além de muita cerveja, a resposta para aquelas perguntas estava mesmo atrás dela. Tremendo de frio, Liv voltou-se e viu-o. Ali, deitado ao seu lado, estava o príncipe Finn Danelaw.

Ai, meu Deus. Então, lembrou-se.

Beijaram-se entre as sombras das árvores. E ele conduzira-a até ali, àquele canto tão íntimo e mágico. Recordou o brilho dourado da erva à luz ténue do crepúsculo da véspera do solstício de Verão. Ele despira-a, e ela a ele e...

Liv voltou-se para o outro lado e fechou os olhos enquanto abafava um suspiro longo e sentido.

Aquilo era tão pouco habitual nela. Estava no segundo ano de Direito na Universidade de Stanford, e era primeira da turma. Era obstinada, controlada e sempre consciente dos seus actos.

Como correspondia a uma princesa? Bom, talvez fosse uma princesa por nascimento, contudo Liv Thorson sentia-se americana até à medula. E tinha planos que queria levar a cabo. Grandes planos.

Aos quarenta anos seria senadora, pelo menos. Ou talvez acabasse ocupando um lugar no Tribunal Supremo. Nunca poderia ser presidente porque não nascera nos Estados Unidos. Porém, ninguém chegava a lado nenhum sem ambição. As suas perspectivas de futuro eram melhores do que as da maioria.

Foi por isso que a sua situação actual lhe parecera tão... decepcionante.

Uma mulher que sonhara chegar ao Tribunal Supremo não praticava sexo no meio de um prado, com um homem que conhecia há menos de uma semana. E, é claro, não tinha sexo com Finn, que era um galã encantador, cuja fama com as mulheres era lendária.

Muito devagar, tentando esquecer-se das náuseas e da dor de cabeça, Liv apoiou os braços no chão e voltou-se outra vez para olhar para ele.

Ele estava de costas. Tinha as costas lindas e musculadas esticadas e as pernas longas e fortes encolhidas para se proteger do frio do amanhecer. Continuava, ou pelo menos assim lhe pareceu, a dormir profundamente. O cabelo, de um tom castanho intenso com mechas douradas, frisava suavemente na nuca.

E embora tivesse o estômago às voltas e se sentisse um pouco sufocada, Liv teve de dominar a vontade de se aproximar novamente dele. Desejava acariciar aquele cabelo sedoso, tocar nas colinas vulneráveis das suas vértebras. Finn Danelaw era, sem dúvida, um homem impressionante. E a noite anterior, ou o que recordava dela, fora absolutamente esplêndida.

Apoiou outra vez a cabeça sobre a erva e aguentou um gemido enquanto fechava os olhos. Mas como pudera fazê-lo?

Não era casada. Nem sequer estava comprometida. Embora ela e Simon Graves, um colega de turma na Califórnia, formassem, mais ou menos, um casal estável. E mesmo no caso de não ter nenhum compromisso de qualquer espécie, o príncipe Finn era um mulherengo, pelo amor de Deus. Não podia negar que era um homem extremamente encantador. Todas as mulheres da corte do seu pai o adoravam. Discutiam para que ele lhes dedicasse um baile. Ele escolhia as que lhe agradavam e fazia todos os possíveis para satisfazê-las todas.

Nunca, nunca, teria imaginado que acordaria uma manhã para descobrir que se transformara em apenas mais uma na cama de um galã como o príncipe Danelaw. Liv estava muito, muito decepcionada consigo mesma. Aquele pensamento impulsionou-a a levantar-se e sair dali imediatamente.

Com uma determinação cega, Liv apoiou as mãos no chão e endireitou-se. O seu estômago revolveu-se novamente, e pensou que iria vomitar mesmo ali, na erva coberta de orvalho, e ainda por cima do homem que dormia nu sobre a erva aos seus pés.

Felizmente conseguiu conter a náusea.

Viu que tanto a sua roupa como a dele estavam espalhadas na relva. Engoliu em seco algumas vezes para se garantir de que não vomitava, e logo se dispôs a reunir todas as suas peças de roupa.

Recuperou tudo excepto os sapatos e as cuecas. Então recordou que tirara os sapatos antes de Finn a levar até ao local onde estavam naquele momento, que os deixara precisamente junto ao navio em chamas. Quanto às cuecas, não queria nem pensar onde poderiam estar.

Vestiu-se como pôde. A roupa estava húmida e teve dificuldade em arranjar-se. Para cúmulo, o enjoo da ressaca de cerveja limitava os seus movimentos. Decidiu não se incomodar em vestir o sutiã nem a combinação que lhe ficava pela barriga da perna e que ficava debaixo da saia. Apenas vestiu o vestido molhado, alisou-o com a mão o melhor que pôde e fez um monte com o resto da roupa. Quando começou a andar em direcção às árvores, não quis voltar-se para olhar.

Ao contrário da sua roupa interior, encontrou rapidamente o palácio do seu pai. Isenhalla, uma maravilha em ardósia brilhante, erguia-se majestosamente perante ela, com uma série de torres e miradouros nos terraços, por cima dos prados verdes e dos bosques onde as festividades da noite anterior se celebraram, com uma bandeira vermelha e preta da Gullandria a ondear com orgulho no topo do mastro.

Liv caminhou depressa entre as árvores que rodeavam o prado e saiu para uma pradaria ampla de erva ondulada, onde ainda ardiam os rescaldos do navio queimado. Com a cabeça baixa e sem parar de andar conseguiu evitar o contacto, verbal ou de outra natureza, com os poucos festeiros que continuavam deitados na erva.

Depois da pradaria ficavam as sebes altas, podadas em formas decorativas especiais, e onde se abriam várias entradas para aceder aos jardins de palácio. Com a cabeça a latejar e o estômago às voltas, Liv atravessou os jardins, ignorando o cascalho do caminho que lhe magoava os pés.

Por mera coincidência, acabou na mesma entrada traseira do palácio por onde saíra o cortejo nupcial na tarde anterior. Milagrosamente, a porta não estava fechada à chave. Entrou e percorreu um corredor mal iluminado, ao final do qual havia umas escadas estreitas.

Ao chegar ao terceiro andar, acedeu ao patamar por uma porta. Liv continuou por um corredor até outra porta. Do outro lado havia o corredor principal, mais largo com um arco, tectos belamente talhados e um chão de mármore lindíssimo. Um tapete persa no corredor dividia-se em duas direcções distintas.

Liv virou para a esquerda. Já não estava longe, talvez a uns trinta metros, as portas altas de madeira esculpida da suíte que partilhava com Brit, a sua irmã «mais nova», pois Brit, Elli e ela eram trigémeas. Liv era a mais velha das três, e Brit a mais nova.

As portas, como de costume, estavam vigiadas por dois guardas do rei.

Liv esperara que os dois soldados da Gullandria, com os seus belos uniformes de guarda do palácio, tivessem tirado, por uma vez, a manhã livre. Contudo ali estavam, deslumbrantes e impassíveis, como sempre. Liv tentou adoptar uma expressão digna à medida que se ia aproximando deles, porém o esforço ficou diminuído pelo vestido encharcado, os pés sujos e molhados e o monte de roupa interior que levava na mão.

Não receava o comentário dos guardas, que nunca comentavam nada, nem naquele momento. Como sempre, os guardas continuaram com o olhar fixo em frente, com aqueles rostos nórdicos arrumados e quadrados, tão impenetráveis como runas. Em uníssono, bateram no peito com as mãos enluvadas. Como se fossem apenas um homem, os dois deram um passo para o meio das portas, que se abriram com suavidade.

Liv atravessou as portas com os ombros direitos e a cabeça erguida. Só quando ouviu as portas fecharem-se é que se deu ao luxo de relaxar um pouco.

A suíte era enorme. O hall de chão de mármore dava para uma sala enorme, decorada em seda e damasco, com uma série de mesas de madeira trabalhada e uma lareira de ferro forjado, belamente forjado, que escondia um mecanismo para ligar uma lareira a gás.

Liv continuou em frente. Atravessou o hall de entrada e a sala e passou pelo seu quarto para ir directamente ao de Brit. A porta estava fechada, porém quando agarrou na maçaneta brilhante viu, que não estava fechada à chave.

No preciso momento em que empurrava a porta para entrar, Liv apercebeu-se de um movimento à sua direita... Era a empregada. Durante a sua estadia na Gullandria, Liv e Brit partilhavam uma empregada que se certificava de que os seus quartos e a sua roupa estavam sempre limpos, e um cozinheiro que ocupava uma pequena cozinha à qual se acedia através da sala privada. A empregada era jovem, com dezoito ou dezanove anos no máximo, e demasiado magra. Tinha os olhos grandes e um pouco salientes, e um rosto pálido e estreito. Trazia sapatos de sola de borracha que não faziam barulho, por isso não a ouvira a aproximar-se. Liv tinha a sensação que ela surgia sempre de repente, e assustava sempre a sua irmã e ela quando pensavam estar sozinhas. Naquele momento, a rapariga hesitou à porta do quarto de Liv.

– O que foi? – perguntou Liv num tom claramente irritado.

A cara pálida e séria pareceu, de repente, ainda mais pálida e mais séria.

– Alteza, desculpe. Estava apenas a arrumar... encontra-se bem, Alteza?

– Nunca estive melhor – mentiu Liv num tom brincalhão.

A empregada fez uma breve reverência e saiu a correr para a sala. Liv observou a sua saída apressada. Assim que teve a certeza de que a rapariga se fora embora, cambaleou até à ombreira da porta. Permaneceu ali uns instantes, apoiada, decepcionada com tudo, sobretudo consigo mesma.

Precisava de se deitar. Deitar-se, dormir e só acordar quando a cabeça deixasse de lhe doer e o estômago assentasse um pouco.

Contudo, em vez de se voltar para ir ao seu quarto, empurrou a porta de Brit e entrou em bicos dos e pés. Depois da confusão em que se metera na noite anterior, queria garantir-se de que Brit não tivera a mesma sorte.

O quarto estava às escuras, pois as cortinas pesadas continuavam fechadas. O tapete com vários séculos, de um tom vermelho e com um desenho em dourado no centro, deu um alívio enorme aos seus pés descalços. A magnífica cama de mogno, com os seus quatro postes tão largos como troncos de árvores e ricamente esculpidos com figuras de dragões, vinhas e damas com cabelos compridos com aspecto de fadas, dominava o centro da divisão.

A roupa de cama estava um pouco remexida, e Liv viu uma mão e um braço pendurado de um lado da cama.

Aproximou-se sem fazer barulho. Ao aproximar-se, sorriu ao ver que a sua irmã estava sem dúvida profundamente adormecida na cama. Brit sempre fora muito preguiçosa. Quando eram pequenas e, por uma ou outra razão, tinham de partilhar a cama, Liv e Elli costumavam choramingar e queixar-se de que não conseguiam dormir com Brit. Brit andava sempre às voltas na cama e, às vezes, até falava em sonhos.

Naquele momento, Brit estava deitada no centro da cama, ocupando-a por inteiro. Liv observou a cadência suave das suas esbeltas costas ao respirar. Tinha a cara virada e coberta por pelo seu cabelo loiro despenteado e liso, muito parecido com o de Liv.

Parecia tão calma, tão despreocupada.

O sorriso terno de Liv desvaneceu-se enquanto observava a sua irmã. Brit era a mais «selvagem» das três, a mais propensa a fazer coisas como a que ela fizera na noite anterior.

Contudo, embora a sua irmã tivesse dançado com Finn Danelaw mais de uma vez, e embora o tivesse seduzido e divertido, acabara por não fazer nada. Nalgum momento da noite, Brit tivera o bom-senso de ir para a cama, onde naquele momento descansava calmamente. Quando acordasse, não sentiria arrependida por nada. Beberia duas ou três chávenas de café preto como sempre e mostrar-se-ia disposta a enfrentar o novo dia.

Pela primeira vez na sua vida, Liv desejou ter seguido o exemplo da sua irmã mais nova. Disse para si que ela deveria estar no seu quarto, na sua cama, e não vestida com a mesma roupa enrugada e húmida da noite anterior, com o estômago às voltas e uma dor de cabeça terrível.

E por falar em estômago...

Liv deixou cair a roupa interior no tapete grosso e levou a mão à boca, dirigindo-se rapidamente à casa de banho de Brit.

Chegou mesmo a tempo à sanita.

Passou um bom momento ali, ajoelhada, até que conseguiu deitar fora tudo o que tinha dentro e não ficou nada... No entanto parecia que continuava mal disposta.

Nalgum momento, durante aqueles minutos tão desagradáveis, os pés descalços da sua irmã apareceram ao pé dela, no tapete suave da casa de banho.

– Oh, Livvy. O que te aconteceu? – perguntou Brit num tom compreensivo.

Brit abriu a torneira do duche e ajoelhou-se ao lado de Liv, segurando-a com delicadeza enquanto ela acabava de vomitar.

– Vamos – insistiu suavemente quando começou a ceder. – Toma um duche... Vais sentir-te melhor.

Depois do duche, Brit ofereceu-lhe um copo de água onde desfizera um comprimido efervescente. Liv obrigou-se a beber tudo. Então, com a mesma ternura que uma mamã carinhosa, Brit levou Liv para a cama.

 

 

No prado onde Finn Danelaw estava, a bruma da manhã dissipava-se lentamente. O dia tornava-se cada vez mais ensolarado. Uma águia imperial sobrevoava o céu com as suas asas largas e suficientemente fortes para o levar para longe, para norte, para um ninho de águias entre os picos nevados das Black Mountains.

Finn despertou com o grasnido longo e oco da águia. Abriu os olhos e apenas viu erva verde. Também viu a sua camisa e um sapato. Um pouco mais à frente, uns carvalhos de troncos grossos apinhavam-se com os seus ramos tão enredados, que era impossível saber onde começava um e onde acabava o outro.

A cabeça de Finn latejava, embora tivesse passado uma noite, pela qual sem dúvida merecia pagar o preço de uma pequena dor de cabeça. Sorriu e virou-se para abraçar a estudante de Direito, a princesa Liv, a filha do rei.

Contudo ela já não estava ali.

Finn endireitou-se e passou a mão pela cabeça para tirar o cabelo dos olhos. Então passeou o olhar pelo prado e viu o resto da sua roupa, porém não a dela. A única prova de que passara a noite nos seus braços era o cheiro na sua pele, um cheiro doce, um cheiro que logo se desvaneceria...

Deitou-se novamente enquanto suspirava e sentiu que tocava com os dedos num tecido suave. As suas cuecas... adormecera em cima delas sem se aperceber. Prendeu-as com um dedo e deu-lhes voltas enquanto as contemplava. Bom. Uma prova de que ela estivera ali, sem ser aquele seu perfume provocador, de que ele beijara as suas partes mais íntimas, de que a deitara na erva fresca e se afundara no seu corpo.

Não estava nada surpreendido que ela o tivesse deixado ali, a dormir na erva e tivesse desaparecido. Finn entendia bem as mulheres. Liv Thorson não era o tipo de mulher que pudesse acabar numa encontro amoroso apaixonado à luz da lua com um homem que mal conhecia.

Apertou as cuecas na mão. Ao acordar, teria ficado horrorizada com o que fizera na noite anterior. A resposta mais natural fora fugir antes de ele acordar e tentasse novamente fazer amor com ela.

Uma pena. Teria adorado fazê-lo outra vez. Mesmo naquele momento excitava-se só de pensar em ter o rosto de Liv Thorson debaixo dele, suavemente iluminado pela luz da aurora, enquanto ambos se deleitavam com o prazer dos seus corpos.

Finn deixou cair as cuecas de seda na erva. Tristemente, aquele momento não se proporcionaria. Sabia que na noite anterior tivera demasiadas liberdades. Se fosse um homem assustadiço, estaria aterrorizado naquele momento. Sentia-se mais descansado por se tratar da noite antes da véspera do solstício de Verão, e a tradição da Gullandria sustentava que nenhum homem nem mulher seriam chamados para declarar as indiscrições amorosas que se passassem naquela noite.

Contudo, tradição à parte, se o rei descobrisse não ficaria muito contente. E quando um homem zangava o seu rei, era lógico que começassem a acontecer coisas desagradáveis. E mais importante que o possível perigo inerente ao facto de zangar a sua majestade, Finn não queria irritar Osrik Thorson. Além de ser seu rei, era também alguém que Finn admirava e respeitava.

Levantou-se de um salto e começou a apanhar a sua roupa.

Enquanto se vestia, censurou-se por ter sido tão idiota. Deveria ter-lhe roubado alguns beijos e ter ficado por ali. Ficou imóvel durante alguns minutos, e levantou o olhar para o céu de Verão, perguntando-se porque Liv Thorson lhe parecera tão irresistível.

A resposta surgiu imediatamente: a sua inteligência. Sentou-se na erva para calçar os sapatos. Finn admirava uma mente esperta numa mulher. A inteligência numa mulher mantinha um homem alerta e afugentava o aborrecimento.

E além da inteligência, havia aquele excesso de ambição e aquele controlo. Naturalmente, a tentação de conseguir que se descontrolasse fora demasiado grande.

Arranjou a camisa, esticou o colarinho da mesma e pôs os óculos que guardara num bolso. Fora uma indiscrição, uma indiscrição que ele tinha suficiente consciência para saber que, dada a mínima oportunidade, repetiria sem dúvida alguma.

Contudo sabia que aquela oportunidade não se proporcionaria. Liv partiria no dia seguinte para a América. Até então, tinha a certeza de que faria todos os possíveis para o evitar.

O pequeno pedaço de seda brilhou meio escondido entre a erva. Finn inclinou-se e guardou-o. Por norma, não era um homem que costumasse coleccionar troféus. Contudo pareceu-lhe, de certa maneira, irreflectido, até insensível, da sua parte deixá-lo ali para que algum jardineiro o encontrasse.

Ah... conseguia antecipar o momento íntimo delicioso no qual tivesse a oportunidade de lhe devolver as cuecas. Contudo não iria ser assim. Não voltaria a ver aquela mulher.

A não ser que...

As possibilidades eram mínimas.

Contudo continuava a ter sido um acto perigoso, indiscreto. Não fora tão cuidadoso como sempre. Sim, confessá-lo-ia, embora apenas para si: seria possível que se tivesse sentido como se uma força o empurrasse.

Contudo a possibilidade de que, previsivelmente, teria de pagar um preço por cometer um acto tão louco, deveria ser bastante remota. Afinal de contas, fora apenas uma noite.

Sem dúvida que não haveria motivo para se preocupar, nem necessidade de voltar a pensar naquilo.

Estalou os dedos com um sorriso nos lábios. Não voltaria a pensar nela.

No entanto, continuava a ter as cuecas da sua alteza na mão. Sorriu ainda mais ao pensar naquele pedaço de seda azul e em algumas memórias doces e ardentes.

Poderia ter sido pior.

Muito em breve, sabia, chegaria o momento de fazer um bom casamento. O patriarca de uma das famílias mais importantes do reino aproximara-se dele. Todos aqueles pais, que adoravam as suas filhas, mantinham as suas jovens donzelas bem afastadas dele, é claro. Não quereriam que o famoso príncipe Finn exercesse os seus poderes de sedução sobre as suas lindas filhas até se terem casado.

Estava disposto a fazer o que se esperava dele. Um homem não podia saltar eternamente de uma cama para a outra. Nalgum momento, teria de encontrar comodidade com uma mulher, plantaria a sua semente, educaria os seus filhos e mimaria as suas filhas.

Eram esses os seus planos.

E a noite anterior?

Finn sorriu ao inspirar o ar puro da manhã. Quando estivesse velho, curvado e lento, quando a morte estivesse perto e os gigantes do gelo o perseguissem nos seus pesadelos, poderia recordar a sua noite gloriosa com a princesa da América. Ajudá-lo-ia a refrear o frio.

Finn guardou as cuecas no bolso e voltou-se para o palácio de ardósia que resplandecia sobre os últimos retalhos da bruma.