Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
© 2007 Susan Macias Redmond. Todos os direitos reservados.
O XEQUE E A NOIVA DE NATAL, N.º 1301 - Novembro 2011
Título original: The Sheik and the Christmas Bride
Publicado originalmente por Silhouette® Books.
Publicado em portugués em 2011
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-9000-974-1
Editor responsável: Luis Pugni
ePub: Publidisa
– É uma situação impossível – anunciou o rei Mujtar de El Deharia.
A princesa Lina olhou para o seu irmão, que andava de um lado para o outro e pensou que por muito que andasse não conseguiria percorrer a divisão. Era tão grande que se perderiam de vista.
Vantagens de ser rei.
Mujtar virou-se de repente e dirigiu-se para ela.
– Vejo que sorris. Parece-te divertido? – perguntou. – Tenho três filhos em idade de se casar. Três! E algum deles mostrou interesse por procurar noiva e dar-me herdeiros? Não. Estão demasiado ocupados com os seus trabalhos. Como é possível que tenham saído tão laboriosos? Porque não andam por aí a perseguir mulheres e a deixá-las grávidas? Ainda que, se pensar bem, possamos obrigá-los a casar-se.
Lina riu-se.
– Estás a queixar-te por os teus filhos serem muito trabalhadores e não serem playboys? O que se passa, maninho? Tens demasiado dinheiro nos cofres? As pessoas adoram-te demasiado? Ou será que a coroa real te pesa em excesso?
– Gozas comigo – protestou.
– Como tua irmã que sou, gozar não é só um privilégio, como também a minha obrigação. Alguém tem de gozar contigo.
– É um assunto sério – disse ele, com severidade. – O que vou fazer? Preciso de herdeiros. A estas alturas já devia ter dúzias de netos e não tenho nenhum. Qadir passa a vida a viajar pelo mundo, a representar o nosso país. Asad encarrega-se dos assuntos nacionais para que o povo desfrute de uma economia excelente e Kateb vive no deserto ao estilo antigo... Ao estilo antigo. Meu Deus, em que estará a pensar?
– Bom, já sabes que Kateb sempre foi parecido com a ovelha negra da família – recordou-lhe Lina.
– Nenhum filho meu é uma ovelha, nem branca nem negra. Kateb é poderoso e ardiloso como um leão do deserto ou, pelo menos, como um chacal.
– Então, é o chacal negro da família.
– Pára de te comportar desse modo, mulher! – exclamou Mujtar, com uma imitação bastante decente do rugido de um leão.
Lina continuou tão tranquila como antes.
– Vês-me a acovardar-me, maninho? Alguma vez o viste?
– Não e isso torna-te pior.
Lina tapou a boca com uma mão e fingiu que bocejava.
O rei olhou para ela com os olhos semicerrados.
– É evidente que só queres divertir-te às minhas custas – disse. – Não tencionas dar-me nenhum conselho?
– Tenho um conselho para te dar, mas não sei se gostarás.
Ele cruzou os braços.
– Ouço-te.
– Entrei em contacto com o rei Hassan da Bahania – declarou ela.
– Porquê?
Lina suspirou.
– Iremos mais depressa se não me interromperes a cada trinta segundos.
Mujtar arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada. Lina reconheceu imediatamente a sua expressão. Mujtar gostava de pensar que era um irmão protector e preocupado com o seu bem-estar, que a mantinha a salvo da maldade do mundo. Mas era bastante duvidoso que o atraente rei da Bahania tivesse intenção de violar uma mulher que tinha quarenta e três anos.
Apesar disso, Lina pensou que não se importaria nada se esse homem a seduzisse. Estava sozinha há vários anos, desde a morte do seu marido e, embora quisesse casar-se outra vez e ter uma família, não surgira a oportunidade. Nunca tinha tempo para nada e muito menos para homens. Mas, então, aparecera Hassan. Era viúvo e um pouco mais velho do que ela, mas tão encantador e cheio de energia que gostara imediatamente dele. Só faltava saber se o sentimento era recíproco.
– Do onde conheces Hassan, Lina? – perguntou ele, com impaciência.
– Encontrámo-nos há alguns anos num simpósio sobre educação – explicou. – Também tem filhos e conseguiu que todos se casassem.
Na verdade, Lina vira o rei da Bahania dúzias de vezes, mas sempre em actos oficiais e durante pouco mais de cinco minutos. Aquela fora a primeira vez que tinham tido oportunidade de conversar um pouco.
– E qual é o seu truque? – perguntou, interessado.
– Intrometer-se.
– Estás a insinuar que...?
– Envolveu-se nas suas vidas e criou as circunstâncias adequadas para que os seus filhos conhecessem as mulheres que ele escolhera previamente. Às vezes, fingia opor-se e às vezes facilitava a relação... Mas correu tudo bem.
Mujtar baixou os braços.
– Sou o rei de El Deharia, Lina.
– Eu sei.
– Seria altamente inapropriado se me comportasse dessa forma.
– Claro que sim, maninho.
– No entanto, tu não estás submetida às restrições do meu cargo e poder...
– Muito certo. Que circunstância feliz, não é? – ironizou.
– Poderias intrometer-te. Conheces perfeitamente os meus filhos – afirmou, olhando para ela com intensidade. – Mas de certeza que planeavas há muito tempo...
– Bom, tenho ideias sobre algumas mulheres que poderiam interessar aos os meus sobrinhos.
Mujtar sorriu lentamente.
– Está bem. Conta-me tudo.
O príncipe Asad de El Deharia esperava que o mundo não tivesse problemas. Contratava os seus empregados com essa expectativa e a maioria estava à altura. Gostava do seu trabalho no palácio e das suas responsabilidades. O país estava a crescer, a melhorar, e ele fiscalizava todas as infra-estruturas. Era uma vocação absorvente que levava muito a sério.
Alguns dos seus amigos da universidade pensavam que devia aproveitar a sua posição de príncipe e xeque para desfrutar da vida, mas Asad não estava de acordo. Não tinha tempo para frivolidades. A sua única fraqueza era o afecto que sentia pela sua tia Lina. Fora por isso que aceitara vê-la quando ela entrara sem marcação prévia e a correr no seu escritório. Uma decisão que, como pensaria semanas mais tarde, só lhe ia causar problemas.
– Asad... – disse ela, ao entrar no seu escritório. – Tens de vir comigo.
Antes de falar, Asad guardou o documento que tinha no computador.
– O que se passa?
A sua tia, normalmente uma mulher tranquila, tremia um pouco e estava ofegante.
– Tudo – respondeu. – Temos problemas na escola. Um chefe das tribos quer levar três meninas. Elas não querem ir-se embora, os professores começam a tomar partido e uma das freiras ameaçou atirar-se do telhado se não fores ajudar.
Asad levantou-se da cadeira.
– Eu? Porquê eu?
– Porque és um líder sábio e razoável – respondeu, sem olhar para ele nos olhos. – Tens fama de ser justo e é normal que tenham pensado em ti.
Asad olhou para a sua tia, que sempre fora uma mãe para ele, e questionou-se se não estaria a manipulá-lo de algum modo. Lina gostava de levar a sua avante e não era estranho que usasse o drama para o conseguir. Mas não tinha forma de saber. E, é claro, não conseguia imaginar porque precisava da sua ajuda na escola.
– É um problema muito grave, Asad. Por favor, rogo-to.
Asad poderia ter resistido aos seus exageros teatrais, mas não a um pedido directo e aparentemente urgente. Dirigiu-se para ela, deu-lhe o braço e saíram do escritório.
– Iremos no meu carro – disse.
Quinze minutos mais tarde, Asad lamentou ter estado no escritório quando Lina fora vê-lo. A escola estava em guerra.
Cerca de quinze estudantes dedicavam-se a gritar enquanto vários professores tentavam contê-los. Um velho chefe do deserto e os seus homens estavam a discutir acaloradamente junto de uma janela. E uma mulher pequena, de cabelo ruivo, tentava tranquilizar três jovens.
– Parece que não há ninguém no telhado – disse Asad.
– As coisas tranquilizaram-se um pouco – comentou a sua tia. – Mas, apesar desse detalhe, já deves ter percebido que, efectivamente, temos problemas.
Asad olhou para a mulher que estava com as três raparigas, observou o seu cabelo cor de fogo e a sua expressão obstinada e murmurou:
– Não me parece uma freira.
– Kayleen é professora da escola – disse Lina. – Isso é quase como ser uma freira.
– Portanto, mentiste...
– Só exagerei um pouco.
– Tens sorte por não nos regermos pelas leis antigas – disse à sua tia. – Sabes, as que definiam a conduta apropriada numa mulher.
Lina sorriu.
– Amas-me demasiado para permitir que eu sofra algum mal, Asad...
Asad pensou que tinha razão e dirigiu-se para o chefe alto e idoso, não fazendo caso das crianças e das mulheres.
– Tahir... – disse, inclinando a cabeça em gesto de respeito. – Não costumas deixar o deserto para vir para a cidade. Ver-te por aqui é uma honra... Tencionas ficar muito tempo?
Tahir estava furioso, mas sabia qual era o seu lugar e cumprimentou-o com uma reverência.
– Príncipe Asad... Finalmente chega a voz da razão. Esperava que a minha estadia na cidade fosse breve, mas esta mulher empenha-se em interferir – afirmou, apontando para a ruiva. – Vim porque era a minha obrigação. Estou aqui com a hospitalidade do deserto. Mas ela não entende nada e desafia-me constantemente.
A voz de Tahir tremia de raiva e de indignação. Não estava habituado a ser contrariado e muito menos por uma simples mulher. Asad conteve um bocejo. A única coisa que sabia daquele assunto era que a sua solução não ia ser fácil.
– Eu desafiá-lo-ia até ao fim da vida se fosse necessário – disse a professora em questão, olhando para Asad. – O que pretende é desumano e cruel e não vou permiti-lo. E também não vai conseguir que eu mude de opinião.
As três raparigas apinharam-se ao pé da ruiva. Os seus traços parecidos e o seu cabelo loiro denunciavam-nas como irmãs. Asad pensou que eram bonitas e que se transformariam em jovens tão belas que causariam muitas preocupações ao seu pai se o tivessem. Mas não tinham. Afinal de contas, aquela escola era um orfanato.
– Com quem tenho o prazer de falar?
Asad perguntou-o num tom deliberadamente firme e seco. O mais importante naquele momento era impor a sua autoridade e conseguir o controlo.
– Kayleen James. Sou professora da escola e...
A mulher abriu a boca para continuar a falar, mas Asad abanou a cabeça e disse:
– Eu faço as perguntas e a menina responde.
– Mas...
Asad voltou a abanar a cabeça.
– Menina James, sou o príncipe Asad. Diz-lhe alguma coisa?
A professora olhou para Asad, olhou para a sua tia e respondeu:
– Sim. Gere o país ou algo parecido...
– Exactamente. E diga-me, tem um visto de trabalho?
– Sim.
– Esse visto procede do meu escritório. Se quer continuar neste país, não me obrigue a repensar a sua situação.
Kayleen James tinha dúzias de sardas no nariz e nas faces que se tornaram mais visíveis do que nunca à medida que empalidecia.
– Está a ameaçar deportar-me? Quer tirar-me do país por não deixar que esse homem faça uma coisa tão terrível com estas meninas? Sabe o que quer fazer?
Asad pensou que lhe ocorriam mil formas mais interessantes de perder o tempo. Virou-se para Tahir e perguntou:
– Meu amigo, o que te traz a este lugar? Tahir apontou para as raparigas.
– Elas. O seu pai era da minha tribo. Foi-se embora para estudar na cidade e não voltou, mas de todas as formas era um dos nossos. A notícia da sua morte chegou recentemente e, como a sua esposa também faleceu, as meninas não têm ninguém. Vim para as levar.
Kayleen deu um passo para o idoso.
– Quer separá-las e torná-las criadas.
Tahir encolheu os ombros.
– São meninas, não têm muito valor. Mas, apesar disso, algumas famílias estão dispostas albergá-las nas suas casas. Devemos honrar a memória do seu pai – declarou o chefe, olhando para Asad. – Tratá-las-ão bem. Dou-lhe a minha palavra.
– Nunca! Não as levará da escola! Não é justo! Só se têm umas às outras. Devem continuar juntas. Merecem uma vida a sério.
Asad começou a sentir saudades do seu escritório tranquilo e bem organizado e dos problemas simples do dia-a-dia, como os projectos para construir alguma ponte.
– Lina, fica com as meninas – disse à sua tia. – Quanto a si, Kayleen... Venha comigo.
Kayleen não sabia se queria ir a algum lado. Estava muito nervosa e a sua respiração acelerou, mas isso não importava. Era capaz de dar a sua vida pelo bem-estar das suas alunas. Já estava prestes a dizer ao príncipe Asad que não queria manter uma conversa em privado, quando a princesa Lina se dirigiu para ela e sorriu carinhosamente.
– Vai com ele – disse-lhe a sua amiga. – Eu ficarei com as meninas e certificar-me-ei de que não acontecerá nada... Asad é um homem justo, Kayleen. Ouvirá o que tiveres para dizer. E na verdade... Fala com total franqueza, as coisas correm sempre melhor quando és apaixonada.
Kayleen não entendeu o que Lina quisera dizer com aquela última afirmação, mas Asad afastou-se do grupo e ela não teve outro remédio senão segui-lo.
Avançaram pelo corredor e entraram numa sala de aula vazia. Ele fechou a porta, cruzou os braços e olhou para ela com intensidade.
– Comece pelo princípio – disse. – O que se passou aqui?
Ela pestanejou. Até então não reparara bem em Asad e nem sequer percebera que tinha de deitar a cabeça para trás para poder olhar para os seus olhos. Era um homem alto, atraente, de ombros largos e cabelo preto que a deixou ainda mais nervosa.
– Estava a dar aulas quando Pepper, que é a mais nova das três, entrou na sala de aula para me dizer que um homem mau queria levá-las. Saí para o corredor e vi que o chefe da tribo já tinha agarrado Dana e Nadine... Quando reparou em Pepper, deixou Dana com um dos seus homens e agarrou a pequena pelo pulso. As raparigas não paravam de chorar e de lutar. Depois, puxou-as e gritou que ia levá-las para o deserto.
Kayleen parou um momento para respirar.
– Eu também comecei a gritar. Interpus-me entre ele e as escadas e suponho que o ataquei... – confessou.
Estava realmente envergonhada pelo seu comportamento. Dia após dia repetia-se que devia aceitar a vida tal como era e que só as orações e a paciência podiam mudá-la. Repetia-o constantemente e tentava acreditar nisso, mas realmente pensava que um pontapé a tempo era mais útil.
Asad sorriu.
– Está a dizer-me que bateu a Tahir?
– Dei-lhe um pontapé.
– E o que se passou depois?
– Os seus homens vieram e agarraram-me. Eu não gostei, mas pelo menos serviu para que soltassem as meninas e fugissem aos gritos... Depois, apareceram mais professores e armou-se uma boa confusão.
– Compreendo.
– Não pode permitir que as leve. Não está bem. Perderam aos seus pais e precisam umas das outras. Precisam de mim – declarou.
– É apenas a sua professora – recordou-lhe.
– Formalmente, sim. Mas vivo na escola, estou com elas, leio-lhes histórias todas as noites e temos uma relação tão estreita que agora são parte da minha família. Além disso, são tão jovens... Dana, a mais velha, só tem doze anos. É brilhante e divertida e quer ser médica. Nadine tem sete e é uma menina afectuosa com muito talento para a dança. E quanto a Pepper, é tão nova que quase não se lembra da sua mãe. Precisa das suas irmãs. Precisam umas das outras.
– Mas viveriam na mesma vila... – comentou Asad.
– Mas não na mesma casa. Além disso, ouviu Tahir... Disse que as famílias da sua tribo estão dispostas a acolhê-las. Só dispostas. Não lhes darão o amor nem os cuidados de que precisam, crescerão sem amigos, afastadas... E quem sabe o que esse homem é capaz de lhes fazer.
– Absolutamente nada – afirmou o príncipe. – Deu-me a sua palavra. Protegê-las-á. Isso significa que qualquer pessoa que tentar alguma coisa contra elas, pagará com a vida.
Kayleen sentiu-se um pouco melhor ao ouvir aquelas palavras, mas não era suficiente.
– E a sua educação? No deserto não terão nenhuma oportunidade... Além disso, nem sequer são daqui. A sua mãe era dos Estados Unidos.
– E o seu pai era de El Deharia. Ele também era órfão e também foi criado com a tribo de Tahir. O chefe é sincero quando afirma que as leva porque quer honrar a sua memória.
– Claro. E transformar-se-ão em criadas.
– Receio que seja o mais provável – admitiu Asad.
– Então, não deixarei que as leve.
– Não pode decidir isso.
Kayleen teve de se conter para não lhe dar um pontapé. Amava El Deharia. Era um país lindo e adorava o azul quase impossível do seu céu, a beleza do deserto e o carácter e a amabilidade da sua gente. Mas no referente às relações entre homens e mulheres, deixava muito a desejar.
– Em tal caso, intervenha a seu favor – rogou ela. – Tem filhos, príncipe Asad?
– Não.
– E irmãs?
– Cinco irmãos.
– Se tivesse uma irmã, gostaria que a levassem e a tornassem criada? Permitiria que o afastassem de algum dos seus irmãos?
– Recordo-lhe que essas meninas não são suas irmãs.
– Eu sei. São quase minhas filhas... A sua mãe morreu há um ano e o seu pai trouxe-as para a escola para que recebessem uma educação. Quando ele morreu num acidente de viação, entraram no orfanato. E desde então, sou eu que me sento com elas todas as noites, que faço com que superem a sua dor, que as abraço quando têm pesadelos, que as obrigo a comer e que lhes prometo que correrá tudo melhor.
A professora ergueu-se o máximo que podia, deitou os ombros para trás e continuou:
– Tahir deu a sua palavra. Eu dei a minha palavra ao pai das meninas e garanti que teriam uma vida decente. Se permitir que as leve, a minha palavra não valerá nada... Não significará nada. Tenho a certeza de que não pode ser tão cruel ao ponto de permitir que três crianças que já perderam os seus pais, percam também todas as suas esperanças e todos os seus sonhos.
Asad pensou que aquele assunto ia dar-lhe uma boa enxaqueca.
– Tahir é um chefe poderoso. Ofendê-lo com um assunto tão corriqueiro seria francamente estúpido – disse.
– Um assunto corriqueiro? Porquê? Porque são meninas? É isso? Insinua que as coisas seriam diferentes se fossem meninos?
– O sexo das crianças é irrelevante para o caso. Tahir deu a sua palavra no que ele considera um assunto de honra. Rejeitar o seu pedido poderia ter consequências políticas graves – respondeu.
– Mas estamos a falar da vida de três meninas... O que é a política comparada com isso?
A porta da sala de aula abriu-se nesse momento. Era Lina.
– Levou as raparigas? – perguntou a professora.
– É claro que não. Voltaram para os seus quartos enquanto Tahir e os seus homens bebem um chá com o director – explicou a princesa, olhando para Asad. – O que decidiste?
– Que não voltarei a permitir que entres no meu escritório sem marcação prévia.
Lina sorriu.
– Tu não te recusarias a receber-me, sobrinho. Nem eu a ti.
Asad conteve um gemido. Era evidente que a sua tia já escolhera o seu lado, mas não o surpreendeu. Sempre fora uma mulher encantadora e de bom coração, coisa que ele agradecera depois da morte da sua mãe, mas agora era um inconveniente.
– Tahir é poderoso – alegou. – Seria absurdo ofendê-lo por uma coisa assim.
Lina surpreendeu-o ao dizer:
– Estou de acordo contigo.
– Não, princesa Lina! – exclamou Kayleen. – Conhece essas meninas. Merecem melhor...
Lina tocou-lhe no braço.
– Merecem-no e tê-lo-ão – declarou. – Mas é verdade, Tahir não deve ir-se embora com a sensação de que rejeitámos a sua oferta generosa. Kayleen, embora não esteja de acordo com o que tenta fazer, os seus motivos são puros. Acredite.
Kayleen não parecia nada convencida, mas assentiu lentamente. Lina virou-se para Asad.
– A única maneira de Tahir sair sem o ego ferido neste assunto é que as meninas fiquem aos cuidados de alguém mais poderoso do que ele e que honre a memória do seu pai.
– É verdade – disse Asad. – Mas quem...?
– Tu.
Asad olhou para a sua tia com espanto.
– Pretendes que cuide de três meninas órfãs?
– O palácio tem centenas de quartos. O que importa que três meninas ocupem uma das suítes? Nem sequer terias de te ocupar delas... Simplesmente estariam sob a tua protecção. E no pior dos casos, distrairiam um pouco o rei.
Asad pensou que não era má ideia. O seu pai estava obcecado com casá-lo e aos seus irmãos e a situação começava a ser insuportável, com idas e vindas constantes de jovens casadoiras. As meninas mantê-lo-iam ocupado.
O príncipe sabia que casar-se e dar herdeiros era uma das obrigações do seu cargo, mas resistia ao compromisso. Talvez porque pensava que as emoções tornavam os homens fracos: fora o que o seu pai dissera quando a rainha morrera. Asad perguntara porque o rei não chorava e ele explicara que mostrar os sentimentos não era próprio dos homens. Asad seguira o conselho. E como não queria aceitar um casamento, não tinha outro remédio senão enfrentar o mau humor de um monarca empenhado em ter herdeiros.
– E quem cuidaria das meninas? – perguntou. – Não podem criar-se sozinhas.
– Contrata uma ama. Contrata Kayleen – disse Lina, encolhendo os ombros. – Já mantém uma boa relação com elas. Amam-se muito.
– Um momento... – interveio Kayleen. – Eu já tenho um trabalho. Sou professora na escola.
Lina olhou para ela.
– É ou não é verdade que lhes deste a tua palavra quando lhes disseste que as coisas melhorariam? Vais quebrá-la agora? Além disso, continuarias a ser professora, embora só tivesses três alunas. Até é possível que tivesses tempo livre para dar algumas aulas aqui.
Asad não queria adoptar três meninas de que não sabia nada. Tinha pensado muitas vezes em ter uma família, mas como um projecto de futuro, a longo prazo e com filhos em vez de filhas. No entanto, a proposta de Lina era plausível. Tahir não se oporia a deixar que um príncipe se encarregasse delas. E como insinuara a sua tia, as pequenas manteriam o seu pai ocupado e ele deixaria de o incomodar com o casamento.
– A responsabilidade será exclusivamente tua – disse o príncipe, olhando para Kayleen. – Terás à tua disposição tudo o que precisares, mas quero deixar bem claro que não tenho o menor interesse no dia-a-dia das meninas.
– Ainda não disse que estou de acordo...
– Não foi a menina que se empenhou em que permaneçam juntas? – perguntou o príncipe.
– É a solução perfeita – interveio Lina. – Pensa nisso. As meninas cresceriam num palácio e descobririam um mundo novo... Dana poderia estudar na melhor das universidades. Nadine teria os professores de dança mais competentes e a pequena Pepper não estaria condenada a chorar sozinha todas as noites.
Kayleen mordeu o lábio inferior.
– Parece-me bem – disse, virando-se para Asad. – Mas quero que me dê a sua palavra de que não se tornarão criadas nem as casarão por motivos políticos.
– A sua desconfiança ofende-me – avisou-a.
– Não o conheço – defendeu-se ela.
– Sou o príncipe Asad de El Deharia. É só isso que precisa de saber.
Lina olhou para ela.
– Asad é um bom homem, Kayleen.
Asad não gostou que a sua tia se sentisse na obrigação de defender o seu carácter e pensou que as mulheres eram apenas um incómodo.
– Tens de dar a tua palavra de que serás um bom pai, de que cuidarás delas, de que as amarás e de que não as casarás com ninguém por quem não estejam apaixonadas – continuou a sua tia.
– Serei um bom pai – disse ele. – Cuidarei delas e farei com que as criem com todos os privilégios que merecem as filhas de um príncipe.
Kayleen franziu o sobrolho.
– Não pedi isso – afirmou.
– Mas é o que ofereço.
Kayleen hesitou.
– Deve prometer que não as condenará a um casamento por conveniência.
Ele assentiu, incomodado.
– Está bem. Poderão escolher os seus maridos.
– E irão para a universidade e não serão criadas.
– Já disse que serão minhas filhas, menina James. Está a pôr a minha paciência à prova.
Kayleen olhou para ele e declarou:
– Não tenho medo.
– Já me tinha apercebido. Em qualquer caso, recorde que será a única responsável pelo bem-estar das meninas – disse, antes de se virar para a sua tia. – Já acabámos aqui, Lina?
Lina sorriu e os seus olhos brilharam de um modo tão misterioso que Asad pensou que tinha alguma coisa em mente.
– Não tenho a certeza, sobrinho. De certa forma, penso que este assunto acabou de começar.
Kayleen nunca teria acreditado que a sua vida podia mudar tanto e tão depressa. De manhã, acordara no seu quarto minúsculo da escola, que tinha uma janela igualmente pequena e vista para um muro de tijolo, mas agora, seguia a princesa Lina para o interior de uma suíte enorme de um palácio que dava para o Mar Arábico.
– Devo estar a sonhar. Os quartos são lindos...
Virou-se lentamente sobre si própria e observou os três sofás, a mesa da sala de jantar, a decoração elegante, as varandas que davam para o terraço e o mar ao fundo.
Lina sorriu.
– É um palácio, querida. Pensavas que vivíamos em cubículos?
– Não, obviamente não – respondeu, olhando para as três meninas. – Mas é muito mais bonito do que esperava... Só receio que as meninas possam partir algum móvel.
– Garanto-te que esses móveis levaram mais golpes do que consegues imaginar. Sobreviverão a isto – declarou. – Mas agora, segue-me. Tenho uma surpresa maravilhosa para ti...