Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
© 2004 Christine Rimmer. Todos os direitos reservados.
O ÚLTIMO VERÃO, N.º 1348 - Outubro 2012
Título original: Fifty Ways to Say I’m Pregnant
Publicado originalmente por Silhouette® Books.
Este título foi publicado originalmente em português em 2006.
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer seme-lhan a com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-687-1289-5
Editor responsável: Luis Pugni
Conversão ebook: MT Color & Diseño
www.mtcolor.es
Starr Bravo, que tinha voltado para casa para passar o verão depois de acabar o primeiro ano na universidade, estava a cortar cenouras para o guisado que já fervia no fogão.
– Estrelinha brilhará... – cantarolava uma vozinha junto aos seus pés.
Na noite anterior, Starr tinha tentado ensinar uma canção infantil a Ethan, o seu meio-irmão de quase dois anos. Sentiu algo com rodas a mexer-se na sua perna.
– Eh! – exclamou com uma cenoura na mão, enquanto voltava a cabeça, fingindo estar zangada.
O menino sorriu e continuou a rodar o camião de brincar pela barriga da sua perna.
– Vrumm, vrumm...
– Está quieto! – disse Starr com firmeza, embora não conseguisse deixar de sorrir com afeto.
– Vrumm, vrumm... – Ethan rodou o pequeno camião pelo chão, gatinhando a toda a velocidade com as suas pernas gordinhas.
A madrasta de Starr, Tess, estava sentada a uma longa mesa de pinho a descascar favas com Edna Heller ao seu lado. Edna era a governanta do rancho Sol Nascente, mas há alguns anos que a mulher magra, de cerca de cinquenta anos, já fazia parte da família. E Ethan, entusiasmado com o seu camião, conduzia-o diretamente para o pé esquerdo da mulher.
Edna cruzou os tornozelos e escondeu-os debaixo da cadeira.
– Nem tentes, rapazinho.
– Vrumm, vrumm, vrumm...
Starr acabou de cortar a cenoura rapidamente e colocou-a sobre a bancada, rindo-se para si enquanto pensava como era bom estar em casa. Através da janela, para lá dos pastos e dos telhados do celeiro, viu as cúpulas das Montanhas Bighorn cobertas de neve e envoltas por uns retalhos de nuvens brancas. As pradarias verdes e ondulantes, salpicadas de grupos de álamos da Virgínia, estendiam-se aos pés das montanhas, formando ondulações sobrepostas de sol e sombra. Mais perto, no pasto que havia atrás do celeiro, as velas de um moinho rodavam com a brisa do entardecer, douradas sob o resplendor do sol.
Enquanto pegava noutra cenoura, uma camioneta verde suja de lama entrou no pátio. Starr reparou no condutor e esqueceu-se da cenoura.
Beau Tisdale.
Deixou cair o descascador no lava-loiça. Nesse momento, ele abriu a porta e desceu do veículo. Estava vestido com umas calças de ganga cobertas de pó, umas botas ainda mais poeirentas e uma camisa de algodão desbotada, suja de suor nas axilas e no peito. O seu chapéu, um pouco estragado, dava sombra às suas feições, mas era indiferente, porque, de qualquer modo, ela conhecia-as muito bem. Conhecia os seus ombros largos, a sua cintura estreita, as suas pernas longas e musculadas... Sim, conhecia-o muito bem, embora tivesse preferido não o ter conhecido.
No extremo da mesa, Ethan avançava com o seu camião em miniatura por entre as pernas das cadeiras.
– Vrumm, vrumm, vrumm...
No pátio, outro peão que Starr não reconheceu, saiu do lugar do passageiro e foi para a parte de trás da camioneta. Beau juntou-se a ele. Os homens calçaram umas luvas de trabalho e começaram a tirar a rede de arame e os postes para levantarem as cercas novas.
Com movimentos rápidos e metódicos, puseram o material contra uma parede do celeiro.
Starr observou-os durante um momento, enquanto sentia uma grande agitação no seu interior. Apesar de ser um cretino e um mentiroso, Beau trabalhava bem, era forte e não se distraía no seu trabalho.
– Beau Tisdale está aqui – limpou as mãos num pano de cozinha enquanto se virava para as mulheres, tentando acima de tudo que a sua voz não tremesse. – Trouxe um carregamento de postes e rede metálica que está a descarregar neste momento.
Tess e Edna entreolharam-se e continuaram a abrir vagens.
– Oh, sim – disse Tess sem afastar os olhos das favas e falando com a mesma naturalidade que Starr tinha tentado dar ao tom da sua voz. – Daniel fez uma espécie de acordo com os fornecedores das cercas. É mais cara que o arame, mas mais segura para o gado. Além disso, segundo dizem, dura muito. Daniel e Beau convenceram o teu pai para que a experimentasse. Portanto, suponho que Beau quis trazer uma parte.
Daniel Hart, um homem idoso que não tinha família, era o dono de um rancho próximo. Há alguns anos Beau, que acabava de sair da prisão, fora contratado pelo senhor Hart. O trabalho, evidentemente, tinha beneficiado os dois.
– Bom, mas que amabilidade da parte de Beau... – disse Starr.
Inclinou a cabeça com um certo ar desafiante. Sim, quando se tratava de Beau tinha a sua própria opinião, e era-lhe indiferente que soubessem ou não.
– Sim, é verdade – disse a sua madrasta, enquanto inclinava o seu cabelo frisado sobre as favas. – Muito amável.
Starr pôs o pano de lado e voltou para a janela enquanto pegava novamente no descascador. Prisão. Pensou novamente na palavra, deliciada, enquanto agarrava noutra cenoura e começava a cortá-la. Ex-presidiário...
Em poucos minutos tinha descascado todas as cenouras e começou a cortar uma batata grande. Lá fora, no pátio, Beau e o outro cobói desconhecido descarregavam nesse momento os últimos postes para a cerca.
Muito bem, se quisesse limitar-se aos factos, Beau tinha completado a sua condenação numa quinta estatal e não na penitenciária. Tinham-lha concedido porque, tanto Tess como Zach, o pai de Starr, tinham testemunhado a seu favor durante o processo. Starr só dizia que tinha ido para a prisão para si mesma. Sim, era malvado da sua parte, todavia, apercebia-se de que tinha o direito de ser um pouco má no que se referia a Beau Tisdale.
O seu pai tinha feito muito por Beau, defendendo-o no tribunal, depois do que Beau fizera. Depois, quando Beau saíra, o seu pai fora o primeiro a apoiá-lo para que conseguisse o emprego no rancho de Hart.
Starr continuou a cortar as batatas diligentemente.
Esta não era a primeira vez, nos últimos anos, que via Beau no Sol Nascente. Tinha visto o seu pai e ele várias vezes juntos, apoiados na cerca que rodeava o tapume dos cavalos, conversando lado a lado. E, mais de uma vez, tinha visto Beau a cavalgar juntamente com os peões depois de uma longa jornada de trabalho, a destruir ervas daninhas, a cuidar dos touros ou a fazer sabia Deus o quê.
Na verdade, o trabalho no rancho era um esforço comum. Homens de ranchos diferentes trabalhavam juntos para se ajudarem com o trabalho mais duro. Mas aquilo ia mais longe. Quando tinha estado em casa na Páscoa, até tinha visto o seu pai a dar palmadinhas nas costas de Beau. Um gesto amigável, como se fossem bons amigos ou...
Tess e o seu pai eram boas pessoas. Faziam sempre o que podiam para ajudar os que mais precisavam. Starr estava orgulhosa deles por isso, e não tinha problemas com o facto de ajudarem Beau para que ele não tivesse de sofrer. Até aceitava que o seu pai tivesse encontrado um emprego para ele, que o tivesse ajudado a começar novamente.
Mas tornar-se amigo dele? Isso era ir longe demais.
– Vais desperdiçar essa pobre batata se continuares a tirar-lhe os grelos.
Starr ficou gelada. Estava tão absorta na sua própria fúria em relação a Beau, que nem sequer se dera conta de que a sua madrasta se aproximava.
– Starr... – a voz suave de Tess acalmava-a e reprovava-a ao mesmo tempo.
Starr cerrou os dentes e continuou, até que a mão magra e calejada de Tess cobriu a sua.
– Vamos, dá-me a batata...
No pátio, Beau e o outro peão entraram na camioneta. Ouviu-se primeiro uma porta a fechar-se e depois a outra.
– Starr...
– Está bem, toma – colocou a batata na mão de Tess e pôs o descascador no lava-loiça. – De qualquer modo, não me faria mal descansar.
A camioneta verde afastou-se enquanto Starr enxaguava as mãos no lava-loiça. Pôs o pano sobre a bancada e saiu da cozinha, ignorando Ethan, que tinha posto o camião de brincar na boca e olhava para ela com os olhos muito abertos, e Edna, que franzia a boca e negava com a cabeça, enquanto Tess ficava ali com a batata na mão, a contemplá-la com preocupação.
Uns cinco minutos depois, Starr ouviu alguém a bater com toques leves na porta do seu quarto.
– Starr? – ouviu-se a voz de Tess.
Starr começava a sentir-se um pouco envergonhada. Por muita raiva que lhe desse ver Beau Tisdale no Sol Nascente, não devia ter reagido daquele modo.
– Posso entrar? – perguntou-lhe Tess.
– Sim – respondeu Starr a contragosto.
Tess entrou e fechou a porta enquanto se apoiava sobre ela.
– Estás bem? – perguntou Tess.
Starr deixou passar uns trinta segundos antes de responder. Mexia na bainha das calças e fingia estar muito interessada nos desenhos da colcha azul e branca da sua cama. Tess tinha-lhe feito aquela colcha, além das cortinas azul-marinho, quando Starr tinha dezasseis anos e tinha voltado a viver no Sol Nascente.
– Sim – Starr assentiu, finalmente. – Estou bem.
Tess aproximou-se da cama com cautela. Starr estava disposta a falar e afastou-se um pouco para lhe dar espaço na cama. Tess sentou-se com tanta suavidade que o colchão mal se mexeu. Depois disso, as duas permaneceram assim alguns minutos, sem saberem por onde começar.
Tess rompeu o silêncio.
– Estas cortinas... – deu uma cotovelada a Starr e apontou para as cortinas que tinha feito alguns anos antes. – Estava a pendurá-las quando olhei para o pátio traseiro e te vi a entrar no celeiro com Beau...
– Meu Deus! – Starr inclinou a cabeça para trás e olhou para o teto. – Tens mesmo de me lembrar desse dia ou desse homem?
Tess pôs-lhe as mãos nos ombros e deu-lhes um aperto para a animar.
– Bom, sim, penso que sim. Penso que se calhar esperámos demasiado tempo para falar disso.
Magoada, com um nó na garganta, afastou-se do abraço reconfortante de Tess e virou-se para olhar de frente para a sua madrasta.
– Não percebo, sabes? O papá... É como se fosse o seu melhor amigo. Como pode o papá fazer-me isto depois do que Beau Tisdale me fez?
– Oh, querida... – Tess tentou abraçá-la.
Starr evitou o abraço.
– Não. Não tentes melhorar as coisas assim. Não é melhor. Tu estavas lá. Foste tu que nos apanhaste juntos. E foste tu que estiveste comigo no pátio, depois de o papá lhe ter dito para se ir embora. Foste testemunha de como atirou o meu coração para o chão e o pisou com as suas botas sujas e poeirentas.
– Starr...
Starr levantou as duas mãos.
– Não... não o desculpes.
– Mas eu...
– Não – olharam uma para a outra e então Starr respondeu-lhe. – Muito bem. Sei que na verdade não foi culpa de Beau que os nojentos dos seus irmãos o obrigassem a vigiar enquanto nos roubavam o gado. Sei que, no final, se insurgiu contra eles e que vos ajudou a pô-lo outra vez no rancho. Compreendo-vos, a ti e ao papá, e porque deram a cara por ele no julgamento. E porque recomendou ao velho Hart que o contratasse. Mas por outro lado... O que aconteceu entre Beau e eu...
A velha dor regressou com tanta força que lhe apertou a garganta e a deixou sem fala. Deitou a cabeça para trás e conteve a vontade de chorar, a vontade de derramar algumas lágrimas sem sentido por um homem que não as merecia.
Ligeira como uma brisa leve, a mão de Tess acariciou-lhe o cabelo. Starr levantou a cabeça e olhou para ela.
– Tess, confiava nele e sabes como eu era há três anos. Na altura não confiava em ninguém. Mas confiava em Beau. E ele traiu a minha confiança.
– Querida, penso que há mais do que isso – disse Tess, com segurança. – Penso que está na hora de começares a ver o que aconteceu através dos olhos de uma mulher, porque agora já não és uma menina, és uma mulher. Já não és a mesma menina magoada e confusa que eras na altura.
– Do que estás a falar? Tu estavas lá, Tess. Tu viste. Fê-lo no meio do pátio, contigo e com papá e, certamente, com Edna e qualquer peão do rancho que se incomodasse em olhar pela janela.
– Starr...
– Não! – abanou a cabeça com determinação. – Como podes desculpá-lo? Tu sabes o que ele fez.
Starr lembrava-se como se tivesse sido no dia anterior. Era um dia quente de junho, muito parecido com aquele dia...
Starr conseguia sentir a pulsação nos ouvidos. Desceu as escadas a correr, seguida de Tess. Atravessou a sala a toda a pressa até ao hall, onde abriu a porta da entrada e saiu a correr para o alpendre.
Do outro lado do pátio, a porta da camioneta de Beau abriu-se. O seu pai saiu do veículo. Avançou pelo caminho e dirigiu-se para a parte de trás da casa. Mas, quando a viu no alpendre, mudou de rumo e foi diretamente para as escadas da entrada.
– O que aconteceu?
Starr apareceu na balaustrada do alpendre, tentando conter o choro.
– Papá, o que aconteceu? Falaste com ele? Disse-te...?
– Starr – o seu pai parecia cansado. – Pensei que te tinha dito para ficares no teu quarto.
– Não consegui! – gritou ela. – Tinha de saber. Contou-te que há uma coisa especial entre nós? Percebes agora que nunca foi sua intenção que acontecesse nada de mal, que ele...?
– Starr, Beau vai-se embora.
Starr não conseguia acreditar naquilo que estava a ouvir. Ficou a olhar para o seu pai com a boca aberta.
– Como? Não! Não podes fazer isso. Não está bem, não é justo...
Afastou-se do corrimão e correu para as escadas. Mas o seu pai impediu-lhe a passagem.
– Volta para o teu quarto.
Porque não queria perceber? Porque não via o que estava a acontecer?
– Tenho de falar com ele.
– Não, não tens nada para falar com ele. Deixa que aquele imbecil se vá embora.
Uma raiva cega invadiu-a ao ouvi-lo a falar assim de Beau.
– Não é um imbecil! Ele... preocupa-se comigo, é só isso. Só queria estar comigo, como eu quero estar com ele.
Estava tudo ali nos olhos tristes do seu pai: que tinha dezasseis anos e Beau vinte e um, que ela era uma Bravo e Beau um desses Tisdale ociosos...
Injusto. Era tão injusto. Dissera-lhe que nunca tinha ido para a cama com nenhum homem, apesar do que toda a gente pudesse pensar dela, que ela e Beau não tinham feito nada senão beijarem-se no celeiro, e que, de facto, Beau lhe tinha desabotoado a camisa. Mas isso era tudo. A coisa não tinha ido mais longe.
– Starr – disse-lhe o seu pai. – Vai para o teu quarto.
Nem pensar. Baixou-se para deslizar ao lado dele, mas ele adiantou-se e conseguiu colocar-se novamente diante dela. Starr chocou com ele enquanto o seu pai a agarrava por ambos os braços.
– Não! – gritou. Tinha de vencer o obstáculo e chegar até Beau. – Deixa-me ir! – gritou. – Deixa-me falar com ele!
– Starr, ouve-me – as mãos grandes do seu pai agarravam-na com força, embora ela se contorcesse, lhe batesse no peito com os punhos e lhe desse pontapés. – Starr, acalma-te.
Nesse momento, ela parecia uma louca, agitando-se e mexendo os braços.
– Não! Não vou fazê-lo! Não! Solta-me!
Nas suas costas ouviu Tess a dizer:
– Está a vir para aqui.
O seu pai amaldiçoou-a entredentes. Starr ficou gelada e esticou o pescoço para o ver. Beau saía nesse momento da sua caravana, que estava do outro lado do pátio.
– Beau! – chamou-o ela, com todo o seu desejo e desespero. – Beau, o meu pai não me deixa falar contigo!
Tentou livrar-se do seu pai mais uma vez e, como o apanhou desprevenido, quase conseguiu escapar pelo lado. Mas, ao passar, ele agarrou-a por um braço, puxou-a para si e abraçou-a pelas costas. Depois, agarrou-a pelo outro braço e imobilizou-a, pondo-lhe os braços atrás das costas, enquanto ela dava puxões e se revolvia para se livrar do seu pai e correr até Beau.
Beau aproximava-se deles, avançando a passos largos, levantando o pó do chão com as suas botas. Parou a alguns metros de onde Starr lutava com o seu pai, tentando libertar-se para ir para junto dele.
Então viu a equimose, uma equimose enorme que Beau tinha no queixo.
– Beau! Bateu-te! – exclamou ela cheia de raiva enquanto se voltava para olhar para o seu pai.
– Esquece isso – disse Beau num tom neutro, absolutamente ofendido. – Não é nada.
Ela virou-se para olhar para ele novamente e começou gritar injúrias.
– Não! Não tinha o direito de te bater! Não fizeste nada de mal. Ele não pode...
– Starr – olhava para ela com frieza. – Tinha todo o direito de o fazer.
– Não! – a sua resposta foi um grito cheio de amargura.
Tinha deixado de lutar e, nesse momento, a única coisa que fazia era ficar quieta e olhar para Beau. Olhar para os seus olhos apagados e o seu rosto inexpressivo. Onde estava o seu amor? Para onde tinha ido? O que estava a dizer?
Beau sorriu devagar. Era um sorriso de cumplicidade, um sorriso atroz. Então, muito suavemente, desatou a rir-se. Foi um som sujo, insultante.
– Tisdale – avisou o seu pai com um grito grave.
– Zach – disse-lhe Tess do alpendre. – Deixa-o falar.
Por um momento não aconteceu nada e, então, sem aviso prévio, o seu pai soltou-a. Ela cambaleou um pouco e precipitou-se para a frente, para Beau.
– Beau, por favor...
Mas ele interrompeu-a de maneira desagradável.
– Pensavas que eras muito esperta, não é, rapariga da cidade grande? Que eras muito esperta e que nunca te deixarias enganar. Mas o canto do cobói solitário convenceu-te, não foi?
Aquilo não podia estar a acontecer.
– O que... estás a dizer?
Ele emitiu um som leve e cheio de arrogância.
– Sabes muito bem o que estou a dizer.
Ela abanou a cabeça com veemência, como se quisesse esquecer as suas palavras cruéis.
– Não...
– Sim – Beau baixou o tom da voz, como se estivesse a partilhar um segredo sujo com ela. – Já sabes como são os homens.
Starr não parava de abanar a cabeça.
– Não! Tu não o farias. Não poderias fazê-lo. Todas as coisas que me disseste...
Ele encolheu os ombros.
– Não queriam dizer nada. Eu andava atrás de uma coisa. E ambos sabemos o que era.
– Não... – sussurrou desta vez, pois não conseguia emitir qualquer som.
Beau continuou a esboçar um sorriso perverso e malvado.
– Sim...
Nesse momento, o seu pai interveio.
– Basta. Vamos, Tisdale. Pela porta traseira.
E sem dizer nem mais uma palavra, Beau virou-se e partiu.
– Magoou-me, Tess – dizia Starr num tom suave, com a cabeça baixa novamente e com os ombros cansados. – Penso que não sabes o quanto me magoou...
Tess não discutiu. Só lhe passou a mão suavemente pelo braço, um gesto mais eloquente que qualquer palavra de consolo ou compreensão.
Starr olhou para a sua madrasta.
– Mas como... Tive tanta vergonha por me ter dito todas aquelas coisas horríveis, sobretudo diante de toda a gente.
– Eu sei – sussurrou Tess – E eu... lamento tanto.
– Não lamentes. Não foi culpa tua.
Tess apertou os lábios e suspirou.
– Estás enganada. Foi culpa minha, pelo menos em parte.
– Mas como? – perguntou Starr, sem pestanejar. – Não. Não percebo porque dizes isso.
Tess procurou endireitar-se.
– Digo-o porque é verdade. Zach teria impedido Beau de dizer aquelas coisas. Mas eu pedi ao teu pai que o deixasse continuar – fez uma pausa e olhou para Starr nos olhos. – Não te lembras?
Starr desviou o olhar. Através do pensamento regressou novamente ao pátio traseiro, naquele dia de há três anos, enquanto atormentavam o seu pobre coração.
– Zach – dissera Tess. – Deixa-o dizer...
– Sim – Starr virou-se novamente para Tess. – Agora lembro-me. Mas isso não te faz culpada.
Tess levantou uma mão.
– Sim, em parte sim, porque sabia o que Beau diria. Sabia o que estava a tentar fazer. E pensei que seria o melhor para ti, que seria preferível deixar que o fizesse. Deixar que te fizesse mal e que te envergonhasse tanto que o teu sentimento forte para com ele se envenenasse e se transformasse em ódio, para que não quisesses voltar a falar com ele nunca mais e, sobretudo, para que não acabasses por destruir a tua vida, indo atrás dele...
– Tinhas razão. Precisava de o ouvir dizer o que ele me disse. Precisava de ouvir dos seus próprios lábios o verme que é. Tu não estavas errada. Se não tivesses dito aquilo, talvez tivesse arruinado a minha vida, indo atrás dele.
– Mas não correste atrás dele – disse Tess com um sorriso de tristeza nos lábios. – E depois disso a tua vida deu uma reviravolta espetacular, não é assim?
– Bom, sim – soprou.
É verdade que tinha contraído dívidas no liceu no ano anterior, saindo para a farra para o centro de San Diego com o dinheiro que a sua mãe lhe dava e sem supervisão alguma.
– Sim – reconheceu. – Acho que, de um modo um pouco estranho, Beau fez-me um favor. Aquelas coisas tão horríveis que me disse ajudaram-me a não querer voltar a ter nada a ver com ele. E como acabou na prisão pouco depois, era o melhor que podia ter acontecido. Concentrei-me em fazer da minha vida algo melhor daquilo que era então. Se vir as coisas dessa perspetiva, fez-me um favor enorme.
Tess sorriu um pouco mais.
– É verdade, não é?
– Mas não significa que seja menos repelente. Sim, ele ajudou-me de um modo estranho. Mas não disse aquelas coisas para o meu bem, nem nada que se pareça.
Tess já não sorria.
– E se foi exatamente o que fez? E se te magoou precisamente porque sabia que isso te faria livre?
Starr pestanejou e inclinou-se um pouco para trás. Sentiu um calafrio por dentro, uma espécie de sensação nervosa no estômago.
– Não. Não pensas que...
– Sim, é o que penso. Já naquela altura suspeitava. Mas, agora, depois de ver o seu modo de lutar pela vida, contra todas as expectativas, tenho a certeza de que disse o que disse para o teu bem. Sabia que estava metido numa grande confusão, Starr. Os seus irmãos não estavam a fazer nada de bom, e espancavam-no e insultavam-no há tanto tempo que foi muito difícil resistir-lhes. A justiça queria ajustar contas com ele, e sabia disso. Por isso, não queria arrastar-te com ele.
A dor e o frio que encerrava no seu coração pareceram-lhe um pouco menos frios.
– Achas?
– Sim, acredito nisso – Tess acariciou-lhe a face carinhosamente. – Portanto, talvez consigas perdoá-lo um pouco.
Starr pegou na mão de Tess e apertou-a antes de a soltar.
– Sabes, és uma verdadeira mãe para mim.
Os lábios de Tess tremeram ligeiramente.
– Querida, que palavras tão bonitas!
– É apenas a verdade, e sei como é. Tão respeitosa do lugar que a minha mãe ocupou na minha vida. Portanto, quero que saibas que não vais contra as recordações que tenho da minha mãe. Acredita em mim.
A mãe biológica de Starr vivera em San Diego com o seu segundo marido, um homem muito rico e muito mais velho do que ela, até que tinha falecido num acidente numa autoestrada há dois anos. Quando Starr pensava em Leila Wickerston Bravo Marks, fazia-o sempre com uma sensação de tristeza e pesar, como se nunca tivesse partilhado qualquer tipo de cumplicidade com ela. Nunca tinham estado tão próximas como Starr estava de Tess. A sua mãe nunca a compreendera e nunca tivera muito tempo para ela. Leila tinha gastado muito dinheiro com Starr, mas o amor e a atenção tinham sido sempre escassos.
– A minha mãe era a minha mãe – disse Starr, tentando não se mostrar tão atrapalhada como na verdade se sentia cada vez que falava disso. – Eu sei... E quanto a Beau...
– Sim?
– Vou pensar no que disseste. Penso que percebo a lógica. E sei que Beau trabalhou afincadamente para construir um futuro. Suponho que não precisa que eu esteja em cima dele a apunhalá-lo pelas costas cada vez que aparece por aqui.
Tess aproximou-se o suficiente para dar um beijo a Starr na testa. Quando se retirou, uma lágrima caia pela sua face, e Tess limpou-a com as costas da mão.
– Estou muito orgulhosa de ti, e o teu pai também – esticou um braço e acariciou-lhe o cabelo, pondo-o atrás da sua orelha. – Mas tenho de te dizer que sinto a falta daquele brilhante que costumavas usar no nariz.
Starr olhou para ela de soslaio.
– Eh, ainda continuo a ter o piercing no umbigo, e uma joaninha minúscula precisamente...
– Cala-te... – Tess levantou uma mão. – Não digas isso ao teu pai.
Starr franziu o sobrolho.
– Ele não me vai perguntar e não pretendo dizer-lhe...
Tess desatou a rir-se com um som alegre e melodioso. Starr pensou na sorte que tinha por a conhecer, e Tess não era só a mãe que sempre tinha necessitado, mas também uma verdadeira amiga.
– Vamos – deu-lhe uma palmada numa perna. – Há que cortar as batatas, descascar as favas...! E, esta noite, se tiver sorte, Jobeth, Edna, tu e eu desafiaremos a morte a jogar Scrabble.
Jobeth era a filha que Tess tinha tido com o seu primeiro marido. Tinha onze anos, e estava nesse momento onde mais gostava de estar: no campo com Zach, que a tinha adotado no primeiro ano em que Tess e ele se juntaram. Jobeth adorava o trabalho no rancho, desde marcar o gado até à sua recolha.
Starr gemeu.
– Mas que divertido que é estar aqui!
Tess já estava à porta.
– Vens?
Starr sorriu, então.
– Sabes uma coisa? É ótimo estar em casa.