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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1996 Candace Camp. Todos os direitos reservados.

A CONVENIÊNCIA DE AMAR, N.º 135 - Fevereiro 2013

Título original: Suddenly

Publicada originalmente por Mira Books, Ontario, Canadá

Publicado em português em 2007

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2547-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Prólogo

 

Londres

1871

 

Charity planeara todos os detalhes da sua fuga.

Era muito importante que ninguém soubesse que saíra de casa, nem sequer os criados, nem a sua irmã Serena, porque podiam dizer aos seus pais. Pensariam que era para o seu próprio bem, claro. Diriam que uma jovem da alta sociedade não podia ser vista a passear pelas ruas de Londres sem acompanhante sem que a sua reputação sofresse com isso. Ninguém desculparia tal comportamento, nem sequer o seu pai amável e carinhoso e ninguém compreenderia que dificilmente a sua reputação poderia sofrer se ninguém da alta sociedade a visse. E o pior de tudo, era que tentariam descobrir a razão pela qual naquela manhã saíra de casa da sua tia Ermintrude sem ir acompanhada nem sequer por uma criada.

Não estava disposta a explicar os seus motivos. Se caminhar sozinha pelo bairro tranquilo e elegante de Mayfair lhes parecia um acto imperdoável, o seu horror seria ainda maior se soubessem o que pretendia fazer.

Depois de pensar muito, decidira que a melhor hora para partir seria imediatamente depois de ter tomado o pequeno-almoço. Tanto a sua mãe como as suas irmãs estariam a dormir, porque, desde que tinham chegado a Londres para a apresentação de Serena e Elspeth à sociedade, tinham ido a todo o tipo de festas, adoptando o horário da cidade, de tal maneira que se deitavam a altas horas da madrugada e às vezes só acordavam depois do meio-dia. Com um pouco de sorte não descobririam que tinha saído, porque tinha intenção de regressar antes que elas se levantassem. Quanto ao seu pai, que se levantava muito cedo, teria saído para dar o seu passeio habitual depois de tomar o pequeno-almoço. Os criados nem sequer se aperceberiam, imersos nas suas actividades, a não ser que a vissem sair sozinha.

Seguiu o seu plano escrupulosamente. Quando acabou de tomar o pequeno-almoço e depois de se certificar de que o seu pai já tinha saído, desceu com cautela as escadas, de chapéu na mão e saiu de casa não sem antes olhar à sua volta para comprovar que ninguém a tinha visto. Em seguida, colocou o chapéu, desceu os degraus da entrada e afastou-se da casa. Só parou mais uma vez para se certificar de que ninguém a seguia. Entrou numa carruagem e, em minutos, encontrava-se em frente à fachada da Dure House, uma impressionante mansão de estilo rei Jorge.

Charity pagou ao condutor e subiu as escadas do edifício como se fosse uma coisa que fizesse todos os dias. Sabia que em situações de insegurança a melhor estratégia era agir como se se soubesse exactamente o que estava a fazer-se. Bateu com a aldraba, que representava um leão, e esperou.

Um criado alto e de aspecto cadavérico abriu a porta. A sua expressão era tão altiva que imediatamente soube que devia tratar-se do mordomo. Olhou para ela com intensidade. Charity encontrava-se sozinha, uma coisa bastante extravagante, e, além disso, estava vestida com roupa fora de moda.

– Sim? – perguntou.

Arqueou as sobrancelhas como que a deixar bem claro que duvidava do seu nível social e dos motivos que a tinham levado à mansão do conde de Dure.

Charity levantou o rosto, orgulhosa, e devolveu o seu olhar frio. A sua família possuía um passado aristocrático irrepreensível e não ia permitir que um simples mordomo olhasse para ela daquela forma.

– Sou lady Charity Emerson – disse, imitando o tom petulante da sua mãe. – Eu gostaria de falar com lorde Dure.

Charity reparou que hesitava e que teria gostado de a afastar dali aos pontapés. Mas também reparou na sua incerteza ao reconhecer o apelido Emerson. Não podia arriscar-se a cometer um erro.

Por fim, afastou-se contrariado e deixou-a entrar.

– Se tiver a bondade de esperar aqui, irei ver se o senhor se encontra em casa.

Aquela frase era um simples eufemismo. Na verdade, desejava perguntar a lorde Dure se queria receber uma insolente que se apresentara na mansão sem acompanhante e sem ornamentos de nenhum tipo. Charity tinha consciência disso e distraiu-se a contemplar o hall amplo e elegante, de chão de mármore. Uma escada enorme, ao fundo, dividia-se em duas pouco mais acima.

Minutos mais tarde, o mordomo desceu a escada, fez uma ligeira reverência diante dela e disse:

– Se tiver a amabilidade de me acompanhar, menina.

Charity sentiu que as suas pernas mal a sustentavam de pé. Até então não se dera conta de como estava tensa. Receava que o conde se recusasse e que a sua aventura tivesse sido em vão. Respirou fundo e seguiu o mordomo escada acima, até que chegaram a um escritório.

Lady Charity Emerson – anunciou o mordomo.

Imediatamente, o criado deixou-a a sós com Simon Westport, conde de Dure.

O conde estava sentado na sua secretária. Assim que ela entrou levantou-se para a receber. E só precisou de olhar uma vez para adivinhar que se tratava de um homem perigoso.

Toda a gente dizia que era. De facto, chamavam-lhe «o diabo de Dure». Agora conseguia compreender os rumores. Era alto, duro e frio. Tudo nele intimidava, desde o seu cabelo preto, até aos músculos dos seus braços, peito e pernas, passando pelo excelente gosto que demonstrava com a roupa. O seu rosto não demonstrava nenhuma emoção, as suas feições eram regulares e duras, como se tivessem sido esculpidas em granito. Quanto aos seus olhos, eram de uma cor escura e indefinível, entre verde-escuro e cinzento. Olhou para ela com frieza, como se se fixasse nela, deixando-a indefesa.

Charity sentiu que a sua boca estava seca e até considerou que cometera um erro ao apresentar-se ali.

– Sim, menina Emerson? – perguntou o conde. – Em que posso servi-la?

Charity tentou manter a compostura. Nunca fugira de nada na sua vida e não tinha intenção de o fazer agora. Além disso, o seu futuro estava em jogo.

Sem mais demora respondeu, alto e bom som:

– Vim para lhe pedir que se case comigo.

Um

 

Durante uns segundos, nenhum dos dois falou. O conde observava-a com espanto.

Ficara surpreendido quando o seu mordomo anunciara a presença de Charity Emerson. Sabia que era irmã de Serena, embora não a conhecesse pessoalmente. Aquilo tudo intrigara-o, porque não suspeitava das circunstâncias estranhas que podiam tê-la levado à sua porta. Durante as duas ou três últimas semanas, tinham corrido rumores de que pensava pedir a mão de Serena em casamento, mas não mantinha relação directa com os Emerson e socialmente era muito mal visto que uma jovem visitasse a casa de um homem com o qual não tinha parentesco.

Quando Charity entrou no seu escritório teve a segunda surpresa. Esperava que a irmã mais nova de Serena fosse apenas uma menina, no entanto era uma jovem bela e exuberante. Não estranhou que não a tivessem apresentado à sociedade juntamente com Serena e Elspeth. Era tão atraente e tinha um corpo tão esbelto, que as suas irmãs mal teriam brilhado na sua presença. Bastou um olhar para o excitar.

Contudo, aquela sugestão foi a maior das suas surpresas. Deixou-o sem fala. Só passados uns segundos foi capaz de pigarrear e perguntar:

– Como?

Charity corou.

– Bom, sei que está à procura de uma esposa, não é verdade?

O conde franziu a testa. Talvez estivesse surpreendido, mas o seu rosto não denotou nenhuma emoção.

– Duvido que isso seja um assunto seu, menina Emerson, mas é verdade. Tenho intenção de me casar em breve. O meu avô faleceu, logo tenho de enfrentar a responsabilidade de dar um herdeiro à minha família.

– Muito bem. É esse o motivo da minha visita.

– Devo entender então que está à procura de um marido?

Charity corou ainda mais. Não pretendia ser tão directa. Planeara agir com frieza e de forma lógica, mas as palavras tinham escapado da sua boca sem que se desse conta, coisa que lhe acontecia com uma certa frequência.

– Eu não... Bom, sim, de certo modo. Mas não no sentido que pensa.

– Pois – disse, divertido. – Posso perguntar então em que sentido se oferece como minha esposa?

O conde fez a pergunta com um tom tão subtil que Charity tremeu. Sabia que devia sentir-se insultada com aquelas palavras, como se implicassem que não a considerava uma menina decente, mas o tom da sua voz conseguiu fazer com que se sentisse mais fraca do que indignada.

Tentou recordar o motivo da sua visita e manter a compostura.

– Toda a gente diz que pensa pedir a mão da minha irmã. O meu pai disse ontem à noite à minha mãe que imaginava que iria em breve a nossa casa.

– Ah, sim? – perguntou o conde.

– Sim. Quando ouvi isso, soube que devia agir sem mais demora.

– Estou a ver. E o que quer dizer com isso?

– Que quero que se case comigo em vez de com Serena – afirmou com gravidade. – Sabe que deve casar-se consigo. Serena é do tipo de mulher que cumpre sempre os seus deveres familiares. Casar-se-á se ninguém fizer nada para o evitar e terá uma existência miserável para o resto da sua vida.

O conde permaneceu em silêncio uns segundos, antes de murmurar:

– Não me tinha dado conta do quanto podia ser um mau marido.

Charity corou. Acabava de compreender como é que o seu comentário podia ser interpretado.

– Lamento muito, milorde. Não pretendia insinuar que como marido possa fazer alguém infeliz, pelo menos em circunstâncias normais. Em tal caso, não lhe teria pedido para que se casasse comigo, mas tenho de admitir que não sou assim tão altruísta. Não duvido que Serena teria feito o mesmo por mim. É muito melhor do que eu.

– Certamente, é uma pessoa extraordinária – admitiu, com um olhar divertido. – Exactamente por isso, tinha intenção de pedir a sua mão.

– Mas não está apaixonado por ela, pois não? – perguntou com ansiedade. – Serena não acredita. E os meus próprios pais comentaram que não estava interessado em manter uma relação de amor com a sua esposa. É verdade?

– Estou à procura de um acordo mais razoável – confessou. – Já experimentei o amor e não tenho intenção de voltar a passar por tais sofrimentos. Contudo, receio que não compreenda os motivos...

– Bom, não é que Serena tenha medo de si. Não tem, ou pelo menos, não muito.

– Sinto-me muito aliviado.

Charity olhou para ele e, ao observar o seu olhar, relaxou e sorriu.

– Estou a ver que não estou a explicar-me muito bem, pois não? O problema é que Serena está apaixonada por outro homem. Compreenderá então que não queira casar-se consigo quando o seu coração pertence a outra pessoa.

Dure franziu o sobrolho.

– A sua irmã nunca mencionou isso. Parecia estar de acordo com a minha proposta. Se não queria casar-se comigo, porque não o disse?

– Não está na sua natureza. É uma boa filha e os meus pais desejam que o casamento aconteça. Com cinco filhas, é muito difícil para eles. Seria muito conveniente que pelo menos uma de nós fizesse um casamento importante. Assim que Serena se casasse consigo, apresentaria em sua casa o resto das suas irmãs.

Simon gemeu ao pensar que a sua mansão podia encher-se de jovens e Charity assentiu com comiseração.

– Tem razão ao demonstrar o seu desagrado – continuou. – Especialmente em relação a Belinda, porque é uma menina mimada. Mas Serena pensa que deve casar-se consigo pelo bem da família, mesmo que isso lhe parta o coração. Está apaixonada pelo reverendo Anthony Woodson, de Siddley on the Marsh. É um bom homem, mas carece de fortuna. No entanto, Serena não se importa. Só quer casar-se com ele e ser feliz. Seria uma magnífica esposa para ele, porque é amável e carinhosa e gosta de ajudar as pessoas. Não quer saber de roupa, nem de bailes, nem dos acontecimentos sociais.

– Não sabia – disse o conde. – Mas posso garantir-lhe que não me casarei com ela, se estiver apaixonada por outro homem. Não tinha intenção nenhuma de a obrigar a casar-se comigo.

– É claro que não. Imaginava que não estaria ao corrente. Como poderia? Serena não lhe teria dito e os meus pais não sabem que está apaixonada pelo reverendo. Nem aprovariam, visto que não tem dinheiro.

– Dou-lhe a minha palavra de que libertarei a sua irmã de tal destino. E agora, menina Emerson, é melhor regressar a sua casa, visto que já terminou a sua missão. Receio que a sua reputação sofra um golpe duro, se se souber que esteve na casa de um cavalheiro. Sobretudo tratando-se de mim – acrescentou.

– Eu sei. A minha tia Ermintrude teria uma síncope se soubesse. Quanto à minha mãe, sempre disse que você tem uma grande reputação de mulherengo. Ao início estava preocupada. Desconfiava que as suas intenções em relação à minha irmã fossem honradas, mas o meu pai assegurou-lhe que você nunca roubava a virtude às jovens.

Simon deu numa gargalhada.

– Lamento – declarou, envergonhada. – Voltei a fazer asneira. Até Serena diz que falo demasiado. Espero não o ter ofendido.

– Absolutamente. De facto, a sua presença encheu a minha manhã de luz e de bom humor. Mas agora deve ir-se embora. Vou dizer a Chaney para lhe arranjar uma carruagem. Receio que, se lhe emprestasse a minha, levantasse suspeitas.

– Espere um momento! – levantou-se. – Ainda não lhe disse... Enfim, não pode limitar-se a não se casar com a minha irmã. A minha mãe mata-me se descobrir que falei consigo e que graças a isso vai casar-se com outra. Por exemplo, com aquela odiosa lady Amanda.

– Garanto-lhe que não tenho intenção nenhuma de pedir a mão de lady Amanda Tilford – declarou.

– É claro que não. Tenho a certeza de que não é assim tão estúpido. Mas apesar de tudo... Não teria vindo se achasse que também não se casaria comigo. O meu pai diz que o seu casamento com Serena é vital para a família, porque senão acabaremos na miséria. Suponho que não o diz a sério, mas é verdade que temos dificuldades económicas. Tive de pedir emprestadas as luvas que uso e o chapéu é um velho de Serena. O meu pai disse que este ano não poderíamos comprar vestidos novos, porque o dinheiro era necessário para a apresentação de Serena e de Elspeth à sociedade.

Charity continuou com a sua explicação.

– Felizmente, a tia Grimmedge deixou uma pequena herança à minha mãe. Caso contrário, não sei o que teria sido de nós todos estes anos. Apesar de tudo, a minha mãe é tão orgulhosa que não permitiria que nos casássemos com alguém que não pertencesse à aristocracia, mesmo que estivéssemos a morrer de fome. No entanto a sua família é impecável, inclusive para ela, com excepção daquele escândalo nos tempos do rei Carlos II. E ela desculpa-se, dizendo que todas as famílias têm os seus problemas.

– Tenho a certeza de que a condessa de Dowager gostaria de saber que a sua mãe acha aceitável a casa de Dure.

– Oh, céus, ofendi-o?

– Não. Contudo não acho que a proposta que me oferece seja tão simples como trocar de cavalo.

– É – assegurou-lhe. – Você quer um herdeiro, não é verdade? Sou perfeitamente capaz de lhe dar um, tal como a minha irmã o era. Sou uma mulher madura e saudável.

Charity afastou as mãos do corpo, como que a convidá-lo a olhar para ela.

Os olhos do conde iluminaram-se durante um instante.

– É verdade. Perfeitamente saudável.

– Com efeito. E posso dar-lhe herdeiros saudáveis. Quanto ao meu sangue é tão aristocrático como o de Serena e sou igualmente respeitável.

– Não se frequentar com assiduidade as casas dos cavalheiros.

– Não tenho esse hábito – declarou indignada. – Vim aqui guiada pelo desespero, como já sabe. Tinha de salvar a minha irmã.

– E está disposta a sacrificar-se como um cordeiro?

Charity riu-se perante a comparação.

– Bom, sou a única que o teria feito. Elspeth nunca teria feito nada parecido, tem medo de si. Além disso, não gostaria dela. É muito aborrecida. Quanto a Belinda e Horatia, são demasiado jovens. De modo que só resto eu. Além disso, não acho que seja um sacrifício. Afinal de contas você é um conde, um homem rico e... também muito atraente, para as mulheres que gostem do seu estilo.

– E a menina gosta?

O seu tom baixo e sensual fez com que Charity sentisse uma pontada no estômago.

– Não me desagrada – respondeu.

Baixou o olhar com modéstia, tal como teria feito uma simples criada, mas com um ar de malícia tal que Simon teve de fazer um esforço para não se rir.

– Não tem medo de mim?

– Não. De facto, não tenho medo de quase nada. A minha mãe diz frequentemente que não tenho sensibilidade.

Simon riu-se com vontade.

– Digamos que é perigosa. Qualquer homem seria sensato em manter-se afastado de si.

Charity encolheu os ombros.

– Isso é o que o meu pai diz.

Ela mexeu a boca de forma sensual, embora de forma inconsciente e Simon excitou-se.

– Isto é um absurdo. Nem sequer sabe o que está a fazer.

– Engana-se. Tenho por hábito ter consciência do que faço e neste caso estou plenamente consciente – declarou, olhando para ele com os seus olhos azuis. – E tenho de o avisar que, de forma geral, consigo o que pretendo.

Dure virou-se e afastou-se, abanando a cabeça, embora se notasse que estava indeciso.

– Compreendo as suas dúvidas, visto que não me conhece – disse ela. – Contudo, seria muito melhor esposa para si do que Serena. Você passa muito tempo em Londres e a minha irmã não gosta da cidade. Tentaria mudá-lo em mais de um sentido.

– Isso seria terrível – Simon sorriu, olhando pela janela.

– Pelo contrário, eu gosto da capital. Adoro as festas, os jantares, a ópera e todo o tipo de eventos sociais. Morro de inveja cada vez que vejo Elspeth e Serena a sair de casa, sobretudo porque nenhuma das duas gosta dessas coisas.

Charity parou um momento e franziu o sobrolho.

– Eu também terei de apresentar as minhas irmãs. É da minha responsabilidade. Mas será muito mais fácil no meu caso. Encontrar-lhes-emos maridos e libertar-nos-emos delas em pouco tempo.

Simon fez um som de desgosto.

– O que se passa? Disse alguma coisa que o tenha incomodado?

O conde virou-se.

– Não, minha querida, tenho de admitir que a sua proposta é tentadora, mas receio que não corresse bem.

Charity olhou para ele de tal forma que Simon pensou que ia chorar.

– Oh, não. Estraguei tudo. A minha mãe vai ficar furiosa comigo por ter interferido. Nunca teria vindo, se achasse que não se casaria comigo – olhou para ele. – Por que razão me rejeita como esposa, milorde? Sei que sou muito directa. Dizem-me sempre que falo demasiado. E sei também que ajo, às vezes, sem pensar nas coisas duas vezes, mas tenho a certeza de que esse pormenor do meu carácter será mais moderado com a idade. Não pensa assim? Nunca faria nada que pudesse envergonhá-lo.

Simon sorriu.

– Eu não gostaria que fosse menos directa ou espontânea. Acho-a bastante... divertida.

– Oh – disse, perplexa. – Nesse caso, são as minhas feições? Prefere Serena fisicamente? É muito menos exuberante do que eu.

Charity sentou-se numa poltrona, aflita.

– Garanto-lhe que é perfeita. Qualquer homem a consideraria encantadora. Embora imagine que já saiba.

– Já me disseram isso – admitiu. – E exactamente por isso, não esperava uma recusa da sua parte. Pensei que me acharia pelo menos tão atraente como a minha irmã.

– E é. Não se preocupe, a culpa não é sua. Mas é demasiado jovem.

O conde imaginou aquela jovem maravilhosa na sua cama, em vez da correcta e fria Serena. Ao fazê-lo, a sua excitação aumentou.

Charity voltou a levantar-se, mais esperançada.

– Não sou assim tão jovem. Tenho dezoito anos, só menos três do que Serena. Ter-me-iam apresentado à sociedade ainda este ano, se a minha família não estivesse com dificuldades económicas.

Simon virou-se novamente e olhou para ela. Não parecia ter consciência de que os seus pais provavelmente tinham tido em conta outro factor: era muito mais bonita do que as suas irmãs e ao seu lado teriam parecido insignificantes.

– No entanto, eu tenho mais doze anos – observou. – Sou demasiado velho para si.

Charity sorriu. Quando o fez, uma covinha apareceu numa das suas faces.

– Apesar de tudo não acho que esteja decrépito. Talvez seja jovem, mas sei o que quero. Qualquer pessoa que me conheça pode dizer-lhe que não sou indecisa, nem cobarde. Há muitas pessoas que se casam com uma diferença de idades maior.

O conde fez um esforço para não pensar em quão agradável seria ir para a cama com ela, nem em quão divertida seria a sua existência.

– Talvez doze anos não sejam um problema, mas a sua juventude é – replicou de forma brusca. – Não procuro uma jovenzinha romântica, procuro uma mulher madura e sensata, que possa aceitar um casamento sem amor e que não pretenda que a corteje com palavras bonitas ou presentes caros.

– Não espero tal coisa! – protestou. – Tenho consciência do casamento que procura e garanto-lhe que estou preparada para isso. Seria melhor do que Serena, porque, apesar do ar dela, é uma mulher muito romântica. Precisa de amor e da atenção de um marido. Sem isso morreria. Ao contrário dela, eu sou perfeitamente capaz de me desenvencilhar sozinha. Consigo viver a minha própria existência, tenho muitos amigos e não me importaria de estar com eles. Poderia ir a bailes, à ópera e assistir a todos os eventos maravilhosos de Londres. Prometo-lhe que não lhe pedirei que me acompanhe a lado nenhum. E não esperarei amor da sua parte.

– Não seja louca – declarou. – Apaixonar-se-á um dia. E então, o que fará? Estará presa a um casamento.

– Oh, não – disse assombrada e indignada. – Jamais trairia o meu marido.

– Não disse que o faria. Mas será infeliz e não desejo uma esposa infeliz.

– Não serei infeliz, garanto – disse. – Sou a mulher menos romântica do mundo. Não perderia o meu coração por ninguém. Nunca suspirei por nenhum homem, como o resto das mulheres faz. Não acho que o amor seja para mim.

– Com dezoito anos, nem sequer teve oportunidade de experimentar.

– Engana-se – disse com ingenuidade. – Já fui a uma série de eventos sociais e garanto-lhe que a minha lista de pares para os bailes está sempre cheia. Apreciam-me bastante. Até recebi algumas propostas de casamento. No entanto, tenho de admitir que uma não conta, visto que só estava a tentar convencer-me a ir com ele para o jardim.

– Alguém se atreveu a persegui-la? – perguntou, irritado.

– Não, é claro que não. Não saí com ele. Já lhe disse que sou perfeitamente capaz de cuidar de mim própria. E o meu coração nunca esteve em perigo. Acredite, não tenho intenção de me apaixonar. Tive oportunidade de observar o que acontece quando um casal se casa por amor. Os meus pais fizeram-no e passados uns anos deixaram de se amar. Sinceramente, acho que apenas gostam um do outro. A minha mãe dá muita importância ao estatuto social e, às vezes, queixa-se de se ter casado com o filho mais novo do filho mais novo de um conde em vez de ter encontrado melhor partido; o meu pai, então, desespera e afirma que oxalá o tivesse feito. É um espectáculo triste, que espero que não me aconteça a mim.

Charity encolheu os ombros e continuou.

– Decidi há anos que não me casaria por amor e mais recentemente descobri que em qualquer caso o amor não foi feito para mim. Não duvido que possa parecer pouco feminino, mas é verdade. Estou preparada para aceitar o casamento que propõe e seria muito feliz se aceitasse a minha proposta. Eu gostaria de ter filhos e gostaria de passar o meu tempo com eles. Afinal de contas é tudo o que espera de tal união, não é verdade? Quer ter descendência.

– Com efeito – declarou, com os olhos brilhantes. – Quero ter filhos.

– Está a ver? Na verdade, queremos o mesmo.

Simon deu um passo para ela, com uma expressão séria.

– Você é tão inocente... Não faz ideia do que realmente significa o casamento – disse com firmeza. – Não é uma bela aguarela com cenas de festas, roupa da moda e crianças com roupas delicadas. Agora vou demonstrar-lhe o que o casamento inclui para mim.

O conde agarrou-a pelos braços, atraiu-a para si e beijou-a.

Dois

 

Charity ficou gelada. Inicialmente só teve consciência do quanto o corpo do conde era musculado e forte e como os seus lábios eram suaves, em contrapartidas. A sua boca movia-se sobre a sua, quente e ofegante. Quando sentiu a língua dele nos lábios, gemeu levemente e, ao senti-la no seu interior, a surpresa foi total.

Tinham-na beijado algumas vezes, mas tratara-se sempre de beijos castos e ingénuos, nada parecido com aquela mistura estranha de delicadeza e paixão, fortaleza e suavidade. Deixou-se levar, passou os braços à volta do seu pescoço e apertou-se contra ele, enquanto uma corrente de emoções descontroladas assaltava o seu corpo. Nunca sentira nada tão maravilhoso em toda a sua vida, nada tão excitante como a sensação dos seus lábios, da sua língua na boca. Os braços do conde pareciam de ferro à sua volta, aumentando o ardor que sentia. Sem saber como, tremia.

Simon emitiu um som estranho e soltou-a de repente. Em seguida, recuou. Charity recuou um pouco e procurou apoio na poltrona. Não tinha a certeza de que as suas pernas a mantivessem de pé. Olhou para ele durante um instante, atónita, com os seus olhos grandes abertos, o rosto corado e os lábios brilhantes.

O desejo fervilhava nas veias de Simon e a sua respiração era ofegante. Beijara-a para demonstrar a exactidão do seu ponto de vista, para a assustar um pouco e para lhe ensinar o pouco que sabia sobre o casamento que propunha. No entanto, no preciso instante em que os seus lábios se uniram, sentiu um fogo interior. Quis continuar a beijá-la e ir mais longe. A sua boca revelara ser muito doce, os seus seios, suaves e excitantes contra o seu peito. Inclusive naquele momento, enquanto contemplava os seus lábios brilhantes e os seus olhos inocentes, desejava abraçá-la e beijá-la novamente. Mas não devia fazê-lo. Era demasiado inocente e jovem para ele. Faria exactamente o que tinha pretendido que fizesse, assustar-se-ia e sairia a correr dali. Não havia solução melhor. E, apesar disso, a paixão que ardia no seu interior incentivava-o a impedir que fugisse.

– São assim os beijos dos homens? – perguntou ela, hesitante.

Charity passou a língua pelos lábios.

Simon tremeu ao ver o gesto, inconscientemente sedutor.

– Sim – respondeu.

Teve de cerrar os punhos para se afastar dela.

– E é isso que se faz depois do casamento para se ter filhos?

– Muito mais do que isso.

Charity abriu muito os olhos, espantada. O conde supôs que teria ficado horrorizada e que sairia imediatamente. Mas em vez disso disse:

– Nesse caso, acho que vou gostar muito do casamento.

Dure teve de ter forças para manter a compostura. Caminhou para a janela, olhou para o exterior durante uns segundos e depois virou-se novamente, rígido. Fez uma curta reverência e disse:

– Muito bem, menina Emerson, convenceu-me. Vou entrar em contacto com o seu pai esta tarde para pedir a sua mão em casamento.

 

 

Charity acomodou-se no banco da carruagem. Tinha a impressão de estar a flutuar. O conde beijara-a. Nunca imaginara que alguém pudesse beijar daquele modo. Ainda conseguia sentir o seu corpo, duro e masculino, conseguia sentir os seus braços a rodeá-la. Em teoria, ser abraçada por um homem forte e grande, desconhecido para ela, devia ter sido uma experiência terrível, na prática, fora maravilhoso.

Sorriu para si e levou um dedo à boca.

Mais do que um beijo, fora uma espécie de posse. Começava a compreender que as relações entre homens e mulheres podiam ser muito satisfatórias. Até ali e baseando-se nos casamentos que conhecia, pensava que eram dominadas pelo aborrecimento. Muito poucos maridos e mulheres pareciam partilhar algo excitante.

Pensou que talvez as pessoas casadas não tivessem experimentado nada semelhante. Talvez lorde Dure fosse especial, diferente. Havia a possibilidade de que as emoções que ela sentira só ele conseguisse despertá-las. Recordou as coisas que a sua mãe comentara a respeito das suas más companhias. Talvez, a sua maneira maravilhosa de beijar fosse uma coisa que tivesse aprendido em ambientes estranhos.

Fosse como fosse, agradeceu por isso e tremeu.

Sabia que não devia pensar naqueles termos, mas afinal de contas nunca se comportara como devia ser. O seu espírito nunca fora de carácter delicado, tímido ou doce, e a sua mãe desesperava com frequência. Charity não compreendia a razão da sua maneira de ser, não era parecida com as suas irmãs, nem com as jovens que conhecia. E não entendia porque é que os seus comentários assustavam tanto.

No entanto, lorde Dure não se assustara com o que dissera. Talvez tivesse ficado surpreendido, mas não ficara horrorizado, nem desgostoso. Quando muito, divertira-se. Charity reparara nos seus sorrisos disfarçados e nas gargalhadas que contivera com muita dificuldade. Desde a primeira vez que o vira, espreitando às escondidas com as suas irmãs, soube que era um homem diferente dos outros. Belinda comentara que parecia perigoso, mas nem sequer então concordara. O seu rosto era duro e o seu aspecto um pouco misterioso, mas havia qualquer coisa nele que a intrigava. Parecia estar a cumprir um dever com a sua irmã Serena e acabava de confirmar a suspeita de que só queria casar-se com ela para ter descendência. Por outro lado, descobrira que ser sua esposa não seria assim tão mau. Não a assustava de modo nenhum, embora se comportasse com uma seriedade tal que se perguntara como seria quando sorria. Naquele dia, enquanto o espreitava, escondida, começara a desenvolver a ideia de se casar com ele.

E agora ia consegui-lo. Tinha aceitado. Não a expulsara com indignação, nem a tratara como a uma menina tola. Bem pelo contrário, beijara-a.

A carruagem parou a um quarteirão da casa da sua tia e Charity foi a pé o resto do caminho. Entrou na mansão por uma porta lateral e subiu até ao seu quarto. Por sorte, não se encontrou com os seus pais.

Serena estava no quarto que ambas partilhavam, sentada junto à janela a ler um livro. Quando a viu entrar, levantou o olhar com alívio.

– Já aqui estás... Onde te meteste a manhã toda? Estava assustada. Dei todo o tipo de desculpas à mamã, embora não soubesse se estava a fazer bem.

– Fizeste muito bem. Fui dar um passeio. O que pensavas?

– Um passeio tão demorado? Acordei esta manhã quando saíste. Porque é que saíste de um modo tão furtivo, se se tratava apenas de simples passeio? Onde foste?

– Estive em Hyde Park, embora receie que tenha passado demasiado tempo lá. Sinto falta do campo, e... – reparou que a sua irmã não acreditava. – Oh, bom. Estou a ver que me conheces demasiado bem. Fui a outro sítio, mas não posso dizer-te onde. Ainda não. Em primeiro lugar, tenho de me certificar de que o meu plano vai funcionar. Não quero que tenhas falsas esperanças.

– Esperanças? O que estiveste a fazer? Será melhor dizeres-me. Meteste-te noutra confusão?

Serena era uma jovem bastante bonita, de expressão agradável e sorriso doce, embora naquele momento olhasse para ela com o sobrolho franzido.

– É claro que não – respondeu, indignada. – Há muito tempo que não me meto em confusões.

– Então, o que estiveste a fazer?

Charity não queria contar à sua irmã. Certamente assustar-se-ia. Nunca teria passado pela cabeça de Serena a possibilidade de fazer uma coisa tão escandalosa como visitar um homem na sua própria casa. Se soubesse, não lhe perdoaria, mesmo que com isso se livrasse do casamento. Por isso, decidira não contar nada antes de agir. Teria tentado impedi-la a todo o custo, ao ponto, talvez, de contar tudo aos seus pais.

Mas apesar de tudo, Charity não era o tipo de pessoa que evitasse conflitos. Suspirou, ergueu-se levemente e disse a verdade.

– Fui falar com lorde Dure para lhe pedir que não se casasse contigo. Sugeri que em vez disso me tomasse a mim como sua esposa.

Serena olhou para ela espantada.

– Como? Oh, não, não repitas. Eu ouvi. Mas não consigo acreditar. Foste capaz de ir a casa dele?

– Exactamente.

Serena corou e levou uma mão à cara, como se quisesse reduzir o calor que sentia.

– Mas o que vai pensar de ti e de mim? Como pudeste fazer uma coisa dessas?

Charity mordeu o lábio inferior.

– Pensei que era o melhor. Estás zangada comigo?

– O que disseste? O que fizeste? Zangou-se?

– Não, reagiu com bastante calma. De facto, acho que se divertiu bastante comigo. Sorriu e riu-se.

– Oh, não – a sua irmã gemeu com os olhos fechados. – Riu-se de nós? Vai contar a toda a gente? Vamos ser alvo de falatório de Londres inteira?

– Absolutamente. Não confias em mim? Nunca espalharia tais rumores sobre a sua futura esposa – afirmou. – Aceitou casar-se comigo em vez de contigo.

Serena olhou para ela com os seus olhos grandes muito abertos.

– O quê? Concordou com essa farsa?

– Não é bem assim! – protestou. – Foi uma oferta razoável e como tal aceitou. Disse que não queria casar-se com alguém que não queria comprometer-se com ele e que só desejava uma esposa para ter descendência.

– Foi isso que ele disse?

– Bom, por outras palavras – admitiu. – Mas concordou. Disse que entraria em contacto com o papá para pedir a minha mão.

– Não acredito.

– Achas que ele pensa que nenhum homem quereria casar-se comigo, embora não pretenda fazê-lo por amor?

– Não, claro que não. Há muitos homens que seriam felizes casando-se contigo – assegurou. – És a mais bonita de todas e, caso isso fosse pouco, também és doce e generosa. Mas é o conde de Dure e depois de teres agido de forma tão impetuosa... Não acredito. Tens a certeza de que não estava a brincar contigo, de que não tentou fazer-te pagar pelo teu atrevimento?

Charity sentiu medo. Havia a possibilidade de que a sua irmã tivesse razão. Imaginou o que aconteceria se fosse verdade. O conde repudiaria a sua irmã, contaria o sucedido a Londres inteira e tanto elas como a sua família seriam objecto de galhofa e escárnio em toda a capital.

– Não, claro que não. Não é assim tão cruel, nem assim tão orgulhoso.

– Eu acho-o bastante orgulhoso. E acho que podia ser muito cruel. É um homem duro.

As duas irmãs entreolharam-se.

– Não, recuso-me a acreditar nisso. Foi sincero. Teve as suas dúvidas. Disse-me que era demasiado jovem, mas no fim convenci-o.

Ao pensar no beijo que tinham dado, corou. Pela primeira vez, perguntou-se se teria desfrutado tanto como ela e se em tal caso não teria sido o beijo o que o convencera a casar-se. Serena não reparou nas suas dúvidas. Estava demasiado preocupada com a notícia e a esperança e o medo lutavam no seu interior.

– Pode ser verdade?

– Claro que sim. Acredito no que disse. Não brincaria comigo, nem me mentiria. Não acho que seja um homem assim – declarou com uma certa ansiedade. – Mas é possível que mude de opinião quando tiver tempo para pensar. Talvez diga que o meu acto foi demasiado escandaloso para alguém que pretende ser sua futura mulher.

Serena caminhou para a sua irmã e agarrou-a pelos ombros.

– És a mulher mais doce do mundo. Qualquer homem teria orgulho de te ter como esposa. Não devia ter dito o que disse. O medo levou-me a duvidar. Estava preocupada contigo e quando disseste que tinhas saído para ir falar com ele... O que fizeste não foi correcto e eu gostaria que da próxima vez pensasses melhor nas coisas. Mas se o conde decidir que não és indicada para ele, então será porque não te merece. E se escolher contar a toda a gente, não será merecedor de nenhuma de nós.

Charity sorriu e abraçou a sua irmã.

– Obrigada, Serena. No entanto, não pensemos no pior. Com um pouco de sorte, será tal como penso que é – hesitou. – Serena, fiz mal? Não estás zangada comigo, pois não? Não querias casar-te com o conde, pois não?

Serena olhou para ela, demasiado espantada durante uns segundos para responder.

– Não. Como podes perguntar algo do género? Sabes o que sinto pelo reverendo Woodson. Como podia casar-me com outro homem? Não teria dado o meu consentimento a esse casamento se não fosse o meu dever como filha.

– Eu sei. Posso perguntar-te mais uma coisa?

– É claro.

– O reverendo alguma vez te beijou?

Serena corou e desviou o olhar.

– Sei que fizemos mal e que os nossos pais não teriam aprovado, mas, uma vez, quando passeávamos por Lichfield Wash...

– Foi agradável?

– Charity! Que tipo de perguntas são essas? – sorriu. – Sim, foi agradável. Senti-me como se estivesse a voar.

Charity relaxou.

– E o conde? Alguma vez te beijou? – inquiriu Charity.

– Lorde Dure? Não, é claro que não. Mal nos conhecíamos.

– Mas ias casar-te com ele. Não pensaste nisso? Não tentou nada?

– Bom, beijou-me a mão várias vezes, para se despedir.

– Não me refiro a isso e tu sabes.

– Sim, sei. Comportou-se sempre como um cavalheiro.

Charity suspeitava que com ela não agira de forma tão cavalheiresca, mas apesar de tudo estava feliz.

As duas irmãs conversaram durante várias horas. Cada vez que ouviam uma carruagem assustavam-se, mas nenhuma delas era a do conde. Ninguém bateu à porta da mansão.

Passaram o tempo a escovar o cabelo de Charity. Com os anos tinham adquirido o hábito de cuidar do cabelo uma da outra, porque não tinham dinheiro para contratar uma aia. Com a pressa, de manhã, Charity mal conseguira apanhar o cabelo. Mas, agora, a sua irmã Serena estava a fazer-lhe um belo penteado, com o cabelo apanhado, com umas quantas madeixas soltas.

Charity vestiu um vestido cor-de-rosa pálido, que fora de Serena. Viu-se ao espelho, contente com o seu aspecto. Parecia mais velha, mais atraente e mais refinada.

Depois, não tinha nada para fazer além de esperar. As dúvidas da sua irmã assaltavam-na e quando Horatia e Belinda apareceram foi brusca com elas, devido ao nervosismo. Belinda disse qualquer coisa inapropriada e Charity reagiu, atirando-lhe uma almofada. Numa questão de segundos, começaram a discutir como adolescentes. Por fim, apareceu Elspeth. Era a única que tinha um quarto só para ela, porque tinha insónias e a presença de outra pessoa piorava o seu estado.

– Acordaram-me! – protestou num sussurro. – Tinha acabado de me deitar... Doeu-me a cabeça o dia todo.

– Desculpa, Ellie – disse Charity, embora os seus olhos azuis brilhassem, revelando malícia.

Naquele momento apareceu uma das criadas da sua tia.

– Menina Charity, esperam-na na sala. E o seu pai disse que quer falar consigo imediatamente.

Charity olhou para Serena, que parecia tão emocionada como ela. O conde tinha chegado.

Correu escada abaixo, segurando o vestido. Não sabia se Dure se encontrava na mansão, mas não queria pensar noutra coisa. Até havia a possibilidade de ter ido fazer queixa ao seu pai devido ao seu comportamento. Em qualquer caso, as suas dúvidas desapareceram quando entrou na sala e observou os dois homens, que se viraram.

O seu cabelo estava um pouco despenteado, depois da discussão com as suas irmãs, e os seus olhos brilhavam. Simon olhou para ela e sorriu. Lytton Emerson observou-a com seriedade, com o mesmo rosto pétreo com que ficara depois do conde de Dure lhe pedir a mão da sua terceira filha em casamento.

– Ah, Charity, estás aí – sorriu.

Lytton estava inquieto. Serena era uma boa filha e nunca se teria recusado a casar-se com o conde. Mas não tinha a certeza da reacção de Charity. Não era em vão que não sabia que já se conheciam.

– Olá, pai!

A jovem olhou para o conde com uma surpresa fingida, como se nunca o tivesse visto em toda a sua vida.

– Charity, apresento-te lorde Dure. Ele... veio pedir a tua mão em casamento.

– Sim? – perguntou, com os olhos muito abertos, olhando para o conde. – Mas, senhor, mal me conhece. Como pode querer casar-se comigo?

Simon fez um esforço para não sorrir. Olhou para ela com os seus olhos escuros, que brilhavam.

– Vimo-nos ao longe, menina Emerson, e desde a primeira vez que a vi o meu afecto esteve sempre consigo.

– Pelo que vejo é um homem de decisões rápidas.

– Com efeito – observou, caminhando para ela. – De facto, geralmente sei o que quero.

Parou diante dela, demasiado perto de acordo com o protocolo social.

– E então, qual é a sua resposta, menina Emerson?

– Qual poderia ser? Aceito.

– Acaba de me fazer um homem feliz – declarou com formalidade.

Tomou a sua mão e levou-a aos lábios. Charity tremeu ao sentir o contacto. Era um gesto comum, mas o calor dos seus lábios bastou para despoletar um sem-fim de emoções.

Não compreendia que Serena tivesse experimentado situações semelhantes sem sentir algo parecido. Mas, de repente, alegrou-se por não o ter feito e a sua alegria aumentou ao recordar que nunca se tinham beijado.

Estranhou ao sentir algo tão parecido com ciúmes. Charity sempre fora uma jovem muito popular em todos os eventos a que assistira, mas nunca sentira ciúmes de nenhum dos seus acompanhantes quando dançavam ou seduziam outra. No entanto, agora tinha consciência de que não queria partilhar aquele homem com mais ninguém, nem sequer com a sua irmã querida. Presumiu que isso era porque ele ia ser seu marido.

– Tenho de me ir embora – disse Simon. – Mas vemo-nos em breve. Gostaria de ir ao baile de lady Rotterham, amanhã à noite?

– Não sei – respondeu ela.

– É claro que irá – interveio o seu pai. – Estará lá.