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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

2004 Candace Camp. Todos os direitos reservados.

MISTERIOSA SEDUÇÃO, N.º 22 - Fevereiro 2013

Título original: Winterset

Publicada originalmente por Mira Books, Ontario, Canadá

Publicada em português em 2010

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2557-4

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Prólogo

 

Ela corria para ele com os braços abertos, o rosto alterado pelo medo e a boca aberta. O terror era evidente nos seus olhos e, embora ele não conhecesse a causa, a sua intensidade afectou-o com a força de um murro. Ficou colado ao chão, incapaz de se mexer, ela corria como se fosse perseguida por demónios, mas nunca chegava até ele.

Gritava o seu nome:

– Reed!

E o grito ecoava nos corredores escuros.

Embora ainda lutasse para o alcançar e o esforço se notasse em cada linha do seu corpo, na verdade, afastava-se dele, puxada para trás por uma força invisível.

Ele sabia que não voltaria a vê-la e todo o seu corpo tremia de medo e dor.

 

* * *

 

– Anna! – Reed endireitou-se na cama, abriu os olhos e olhou para a escuridão do quarto. – Anna!

Da segunda vez, pronunciou o seu nome mais suavemente, num gemido desolado de desespero. Suspirou e voltou a deitar-se na cama. Fora apenas um sonho.

Ficou um momento imóvel, tentando pôr ordem nos seus pensamentos. Não era a primeira vez que sonhava com ela e suspeitava que não seria a última. Na verdade, ela visitava-o com frequência em sonhos.

Sonhos quentes, cheios de luxúria, que o deixavam suado e ofegante, e sonhos escuros cheios de raiva e dor. Mas os sonhos diminuíam à medida que decorriam os anos. Há meses que não sonhava com ela e nunca antes sentira tanto terror.

Ela estava em perigo. Reed não sabia como tinha a certeza desse facto, mas era assim. Alguma coisa a assustava, a ameaçava, e a simples ideia causava-lhe náuseas.

Endireitou-se, afastou os lençóis e aproximou-se da janela. As cortinas estavam abertas e a janela, entreaberta, deixava entrar uma brisa suave de Verão que lhe refrescava a pele. Olhou para os jardins amplos da mansão Broughton. Da roseira de baixo subia o cheiro de centenas de flores.

Ao olhar para os jardins sem lua, não via a sua beleza e a sua ordem, mas o mato de Winterset. Há três anos que não ia lá, mas via-o na sua mente com tanta clareza como o rosto de Anna.

Fechou os olhos com tristeza. Pensou nos seus olhos azuis, na forma de coração do seu rosto, na cascata gloriosa de caracóis castanhos intercalados de fios de ouro. Tinha uma boca firme, com as comissuras para cima, o que lhe dava uma expressão de alegria. Da primeira vez que a vira, de pé no jardim de Winterset, com uma mão a proteger os olhos e a observá-lo a aproximar-se, sentira-se como se lhe tivessem dado um murro no peito e soubera que encontrara a mulher que amaria toda a sua vida.

E, infelizmente, acertara. Infelizmente, porque o seu amor não se vira correspondido.

Virou-se com um suspiro e sentou-se numa poltrona. Inclinou-se para a frente, pôs os cotovelos nos joelhos e apoiou a cabeça nas mãos.

Depois de três anos, devia ter parado de doer, mas não era assim. Já não era a dor surda constante que o acompanhara nos primeiros meses depois do seu regresso a Londres e depois de Anna rejeitar a sua proposta, mas também não desaparecera por completo. Nenhuma mulher o atraíra o suficiente para desejar mais do que uma dança ou uma conversa amável. Ainda pensava nela de vez em quando e sempre com uma pontada de dor. Supunha que devia alegrar-se por ser apenas o eco do que o embargara noutro tempo.

Tentou afastar da sua mente a velha ferida e pensar no sonho. Recordava o medo nos olhos de Anna. De que fugia? E sobretudo, porque tinha tanta certeza de que o sonho significava que estava em perigo?

Reed Moreland não era homem que acreditasse em visões e sinais. Tivera uma avó que afirmava falar com os seus parentes mortos, mas todos suspeitavam que lhe faltava um parafuso. Os adultos normais não viam coisas que não existiam, não recebiam informação em sonhos nem ouviam vozes celestiais. Os homens razoáveis e bem-educados como ele deixavam-se levar pela lógica e não pela superstição.

No entanto, também não conseguia ignorar o que se passara com as suas duas irmãs há dois anos. Não eram mulheres histéricas dadas a desmaios e vapores, mas tanto Olivia como Kyria tinham conhecido forças místicas estranhas que não conseguiam explicar de um modo racional. Na verdade, todos eles tinham desistido de tentar explicá-las. Se havia forças invisíveis no mundo, possibilidade que já não conseguia rejeitar por inteiro, dava a impressão de que o clã Moreland tinha ligações especiais com elas.

Mais ainda, por muito irracional que parecesse, não conseguia ignorar a força da sensação que o invadira durante o sonho. Fora demasiado intensa para ser ignorada. Anna estava em apuros. E a questão era o que ia fazer a respeito disso.

 

Um

 

Anna Holcomb desceu para a zona da cozinha. Era cedo e ainda não tomara o pequeno-almoço, mas queria recordar à cozinheira que fizesse alguma coisa para as visitas daquele dia. Depois, tinha de sair para ver a esposa de um dos casais que tivera um filho e fazer a sua visita semanal ao vicariato. O seu irmão Kit e ela eram os únicos restantes das duas famílias importantes que tinham vivido durante séculos naquela zona, por isso, era ela que tinha de se ocupar desses detalhes. Anna não costumava faltar aos seus deveres. Na verdade, algumas vezes chegara a pensar que o «dever» consumira a sua vida, embora não acontecesse muitas vezes. Na sua maior parte, Anna aceitava a sua vida sem queixas. Sabia que, em geral, fora sortuda.

Quando avançava pelo hall principal em direcção à cozinha, viu que a porta ao fundo do corredor estava aberta. Era uma porta baixa e irregular, restos do claustro medieval a partir do qual se construíra originariamente a casa, e que se usava muito pouco, por isso Anna surpreendeu-se ao ver que uma rapariga magra e esbelta entrava furtivamente por ela.

A rapariga olhou para o corredor e assustou-se ao ver Anna. Olhou para ela e, depois, para a escada da parte de trás, a pouca distância dela. Anna conhecia a rapariga. Chamava-se Estelle e era uma das aias de cima. Por um instante, Anna não compreendeu porque entrava furtivamente, até percebera que a aia voltava naquele momento a casa, o que significara que passara a noite noutro lugar.

Ia começar a falar quando ouviu a voz da governanta.

– Estelle!

Tanto Anna como a aia assustaram-se. A segunda olhou, suplicante, para a primeira e deslizou para a escada de trás.

– Bolas! Onde está aquela rapariga? – a governanta aproximou-se do cruzamento dos dois corredores, onde Anna estava. De onde estava não conseguia ver a aia.

– Oh, menina Anna! Não sabia que estava aqui. Procuro essa parva, Estelle.

Anna sorriu.

– Acho que a vi lá em cima, a limpar os quartos – mentiu.

A senhora Michaels fora governanta da família Holcomb desde que Anna conseguia recordar. Era uma empregada fiel e eficiente, mas também uma mulher rígida. Anna não teria gostado de trabalhar sob a sua supervisão.

Estelle lançou-lhe um olhar de agradecimento e escapuliu-se pela escada. Anna continuou a falar com a governanta.

– Desci para perguntar pelos bolos que vou levar para o vicariato e para a senhora Simmons.

– Oh, sim, menina! A cozinheira fê-los e já estão a arrefecer.

– Obrigada. E se não se importar de enviar recado para o estábulo para prepararem a caleça para as dez, levarei então os bolos.

– É claro, menina.

Anna voltou pelo corredor até à sala de jantar pequena onde Kit e ela costumavam comer. O seu irmão, sempre madrugador, já estava sentado à mesa, a beber uma chávena de café, hábito que adquirira durante a sua viagem pelo continente há alguns anos.

– Olá, Anna! – levantou-se e afastou uma cadeira à sua esquerda. – Espero que estejas bem esta manhã.

– Muito bem. E tu? – ela serviu-se de uma chávena de chá.

A sua casa era bastante informal. A sua mãe morrera quando Anna tinha catorze anos e ela tomara as rédeas do lar. Parecia-lhe uma tolice gerir a mansão, onde só estavam os três, com a cerimónia que a sua mãe usara, nascida na família dos de Winter e habituada a um estilo de vida elegante. Custara-lhe alguns confrontos com a governanta, que considerava que tradição era sagrada e tivera de apelar várias vezes ao apoio do seu pai, mas acabara por levar a sua avante e, como resultado, os lacaios não usavam libré, as suas refeições não eram servidas por mais de dois empregados, o pequeno-almoço era deixado em travessas no aparador e o seu irmão e ela serviam-se sozinhos.

Enquanto comiam, conversavam com o conforto de pessoas que tinham passado toda a vida na companhia uma da outra. Só tinham dois anos de diferença e, desde muito jovens, sempre tinham sido companheiros e confidentes. Desde que Kit fora para a universidade e mais tarde de viagem pelo continente, tinham-se visto pouco, porém, com a morte do seu pai, há dois anos, voltara para ocupar a sua posição como herdeiro do título e da propriedade de sir Edmund. Anna e ele tinham voltado facilmente para os velhos hábitos.

Eram de temperamento muito parecido. Ambos de carácter tranquilo e pacífico, rápidos na gargalhada e lentos no aborrecimento. Ambos adoravam a sua casa, algumas partes da qual datavam da Idade Média, assim como os terrenos circundantes e, apesar da sua juventude, tinham aceitado sem protestar a responsabilidade de manter a maior propriedade daquela parte de Gloucestershire.

No aspecto, pareciam-se menos. Anna possuía a constituição alta e magra do seu pai e os olhos azuis e o cabelo castanho claro intercalado de ouro da sua mãe, enquanto Kit era mais gordo e tinha o cabelo loiro e os olhos verdes do seu pai. O rosto delicado em forma de coração de Anna não se parecia com o de queixo quadrado do seu irmão, mas as suas bocas eram semelhantes e levantavam-se nas comissuras, o que fazia com que ambos parecessem satisfeitos com alguma coisa.

Falaram do dia que os esperava. Enquanto Anna faria as suas visitas na vila, Kit passaria a maior parte do dia fechado com o administrador. A família Holcomb, embora sempre na sombra dos lordes e ladies de Winter, era, no entanto, uma família de riqueza e distinção, que vivera ali desde a Idade Média e, como a sua mãe e o seu tio tinham sido os últimos da linhagem de Winter, Kit não tinha outro remédio senão ocupar-se também dessa propriedade.

– Não te invejo o trabalho – disse Anna, sorridente. – Acho que as minhas visitas são preferíveis.

Kit encolheu os ombros.

– Não sei. Se tiveres de ver a esposa do fazendeiro, não. Não consigo suportar ouvi-la elogiar as virtudes dos seus filhos. Miles não é mau, suponho, um pouco sombrio...

– Sensível – interveio Anna, com regozijo. – A sua mãe diz que é sensível e poético.

Kit fez uma careta.

– Bom, pelo menos, costuma estar calado, porque a sua irmã não pára de falar e de se rir. Embora a senhora Bennett se empenhe em dizer que é a personificação do encanto e da graça.

– É porque tem esperanças de que te cases com ela.

Kit ficou boquiaberto.

– Não podes falar a sério.

– Sim. Porque achas que não pára de dizer que Felicity será uma esposa maravilhosa?

– Mas... Deixando de lado o facto de Felicity carecer de graça e de falar sem cessar, só tem dezassete anos.

– A senhora Bennett não se importa, garanto-te. Mas, por sorte, hoje não vou vê-la. Acho que espera que me torne amiga de Felicity para assim a aproximar de ti.

Kit deu uma gargalhada.

– Meia hora na sua companhia bastaria para me assegurar de que nunca será tua amiga.

Anna sorriu e ambos acabaram o pequeno-almoço num silêncio agradável. Depois, Anna passou algum tempo com os livros de contas do lar, procurou o gorro e as luvas e saiu pela porta dianteira, onde a esperavam a caleça e o pónei.

Dois lacaios tiraram os bolos com cuidado e depositaram-nos num ninho de toalhas no chão da caleça. Anna entrou no veículo e segurou as rédeas que um rapaz lhe estendia. Olhou à volta do pátio e viu um guarda a poucos metros de distância. Soltou as rédeas e o cavalo avançou um pouco. Ao aproximar-se do guarda, ele tirou o chapéu com respeito e ela puxou as rédeas.

– Rankin... – cumprimentou-o, com um movimento de cabeça.

– Bom dia, menina Anna! Entreguei o embrulho.

– Muito bem. E como estava tudo?

O guarda encolheu os ombros.

– Como sempre, menina, como sempre.

Anna assentiu.

– Precisam de alguma coisa?

– Não, Bradbury não me pediu nada. Também lhe dei um faisão. Gosta.

– Muito bem. Obrigada, Rankin.

– Menina... – assentiu novamente com a cabeça e virou-se para se afastar.

Anna soltou as rédeas e o cavalo começou a andar. A caleça percorreu o caminho familiar da casa e saiu para o caminho que levava à vila. Anna gostava do ar livre e, naquele dia de Junho, era um prazer estar ao sol.

Foi primeiro a casa do casal, onde entregou um dos bolos e admirou o recém-nascido como era devido. Depois dirigiu-se para o vicariato, situada ao lado da igreja de pedra castanha.

Quando se aproximava, viu que a carruagem do fazendeiro estava lá, o que significava que a senhora Bennett também fora fazer uma visita e, por um instante, Anna sentiu a tentação de dar meia volta e ir-se embora. No entanto, sabia que não podia fazê-lo. Podiam tê-la visto das janelas e a retirada teria sido uma indelicadeza. Saiu, pois, da caleça, atou o cavalo à cerca baixa e pegou no bolo que restava com intenção de fazer uma visita curta e desculpar-se assim que pudesse.

A aia aceitou o bolo com uma reverência e conduziu-a para a sala, onde não só encontrou a senhora Bennett e a senhora Burroughs, esposa do vigário, mas também o médico da vila. O doutor Felton levantou-se ao vê-la com tal sorriso no rosto que Anna teve de assumir que gostava tão pouco da conversa da senhora Bennett como a ela.

– Menina Holcomb, que grata surpresa! – atravessou a divisão e inclinou-se sobre a sua mão.

Martin Felton, solteiro e perto dos quarenta anos, fazia parte do pequeno círculo social em que Anna e o seu irmão estavam. Via-o com frequência em festas e reuniões e, embora não pudesse pensar nele como um amigo, era um conhecido grato.

– Oh, sim, menina Holcomb, é um prazer vê-la – a senhora Burroughs, uma mulher pequena e nervosa, correu para lhe apertar as mãos. – Que amável da tua parte! E que atenciosa por trazer um bolo! – admirou o bolo que a aia segurava, agarrou Anna pelo braço, levou-a para o sofá e sentou-se ao seu lado.

A senhora Bennett, que era tão gorda como a sua amiga era magra, juntou-se à recepção efusiva.

– Anna, é um prazer vê-la. Como está o seu irmão, querida? É um jovem muito interessante, digo-o sempre. Rachel, não te disse no outro dia que sir Christopher é um modelo de cavalheiro?

– Oh, sim, certamente. Um cavalheiro – assentiu a senhora Burroughs.

– Tem de o repreender por não a acompanhar hoje. Nós gostamos tanto de o ver!

– Receio que esteja ocupado com o administrador.

– Ah, sim, é um jovem tão responsável! Eu gostaria que o meu Miles mostrasse o mesmo interesse nas nossas propriedades, porém, é claro, não se inclina para os negócios. Receio que seja um intelectual, sempre fechado no seu quarto com os seus livros.

Anna, que conversara com o jovem em algumas ocasiões, dificilmente o teria qualificado de intelectual, mas não fez nenhum comentário.

– Claro que receio que Miles esteja um pouco indisposto – continuou a dizer a senhora Bennett. – Espero que não se tenha constipado. No outro dia, apanhou chuva. Disse-lhe para levar um guarda-chuva, mas já sabe como são os jovens – ela riu-se. – E não quer que lhe chame jovem, diz que já tem vinte e um anos. Embora eu continue a achar que é muito jovem, embora, é claro, não a ache jovem a si, já que é pouco mais do que uma menina.

– Dificilmente, senhora – murmurou Anna.

Para sua surpresa, a mulher não prosseguiu com o assunto da má saúde do seu filho nem fez comentários sobre a sua filha. Contudo, nos seus olhos havia um brilho que indicava a Anna, a julgar por experiências passadas, que a esposa do fazendeiro tinha alguma notícia de primeira.

A jovem olhou para a sua anfitriã por cima do ombro e viu que a senhora Burroughs também tinha as faces coradas e os olhos brilhantes. O que se passava ali?

A senhora Bennett não conseguiu resistir mais.

– Ouviu a notícia, menina Holcomb? Que emocionante!

– Não, receio que não tenha ouvido nada emocionante – Anna olhou para o médico, que encolheu imperceptivelmente os ombros como se ele também não soubesse o que se passava.

– O meu marido contou-me e tenho a certeza de que o ouviu directamente do senhor Norton, que, é claro, é o seu advogado. Reed Moreland vai regressar a Winterset.

A senhora Bennett fez uma pausa e olhou para ela, expectante, mas Anna não conseguiu fazer outra coisa senão olhar para ela, atordoada. Reed Moreland! Tinha a sensação de que o seu coração não voltaria a bater.

– Não é maravilhoso? – perguntou a esposa do vigário.

– Sim – conseguiu dizer Anna, com um esforço. – Sim, é claro.

– Um cavalheiro tão refinado! – prosseguiu a senhora Burroughs. – Tão sábio, tão bem educado! Tudo o que pode esperar-se do filho de um duque.

– E nada orgulhoso – interveio a senhora Bennett

– Oh, não, absolutamente nada – assentiu a sua amiga. – Nada orgulhoso, mas também não demasiado amistoso.

– Não, só perfeito!

– Oh, incomparável – interveio o doutor Felton, num tom de regozijo.

– Tem muita razão – a senhora Bennett, incapaz de captar a ironia, assentiu. – Conheceu-o quando estava aqui, doutor Felton?

– Acho que mo apresentaram numa festa. Pareceu-me um cavalheiro muito agradável.

Anna sentia que ia vomitar à frente de todos. Porque é que Reed ia voltar depois de tanto tempo? E como ia conseguir suportá-lo?

– De certeza que adorou ouvir a notícia – disse a senhora Bennett. – Se bem me lembro, gostava muito de si.

– Eu não diria isso! – protestou a jovem, fracamente. – Era um homem agradável, mas de certeza que não sentia nada por mim.

As duas mulheres mais velhas trocaram um olhar de entendimento.

– É muito modesta – murmurou a anfitriã, – mas não faz mal atrair a atenção de um homem.

– E como aqui não há uma temporada para assistir... – murmurou a senhora Bennett.

– Embora tenha sido maravilhoso da sua parte ficar aqui para gerir a casa do seu pai e do seu irmão – indicou a esposa do vigário.

– Ninguém merece mais atrair a atenção de um homem assim do que a menina – acabou a senhora Bennett, com um ar triunfante.

– É muito amável – replicou Anna, com toda a firmeza de que foi capaz. – No entanto, garanto-lhe que lorde Moreland e eu somos apenas conhecidos superficiais. Certamente, nem sequer se lembra de mim.

Anna sabia que aquela afirmação era muito duvidosa. Reed Moreland talvez não se lembrasse dela com agrado, mas era pouco provável que o filho de um duque esquecesse a afronta de uma mulher que o rejeitara em casamento.

– Pergunto-me porque voltará depois de tanto tempo – comentou o doutor Felton. Anna olhou para ele, agradecida, por afastar a conversa da sua relação com Reed.

– Disse ao senhor Norton que tenciona vender Winterset – explicou a senhora Bennett. – E quer ver o que é preciso fazer para pôr a casa em ordem. Instruiu o senhor Norton para contratar empregados para prepararem a casa para a sua chegada.

– Sabe-se quando chega? – perguntou Anna.

– Muito em breve, querida – respondeu a senhora Bennett. – O meu marido disse que o senhor Norton parecia pensar que lorde Moreland estava impaciente por vir – lançou um olhar significativo para Anna.

– Seria bom se conseguisse vender – murmurou o médico. – Seria muito melhor se houvesse alguém a viver lá. Winterset é uma casa demasiado bonita para estar tanto tempo vazia.

– Oh, sim, é bonita – assentiu a senhora Burroughs, – embora um pouco velha, não acham? – olhou para Anna com ar de desculpa. – Não quero ofendê-la, sei que é a casa dos seus antepassados...

Anna sorriu.

– Por favor, não receie ofender-me. Todos sabem que o lorde de Winter que a construiu era... Um pouco estranho.

– Exactamente – assentiu a esposa do vigário, satisfeita com a sua compreensão.

– Seria maravilhoso se alguém vivesse nela – assentiu a senhora Bennett, com olhos brilhantes. – Pensem nas festas... Nos bailes... Lembram-se do baile que lorde Moreland deu quando viveu lá? Tanta gente!

– Oh, sim, certamente – assentiu a senhora Burroughs.

Anna não disse nada e deixou que a conversa fluísse sem ela. Recordava muito bem o baile. Demasiado bem. Fora uma lembrança que a atormentara durante anos.

Ela estivera muito bonita e soubera. Usara o cabelo preso em cima da cabeça com um coque intrincado, obra da sua aia Penny, e um vestido azul brilhante que dava um tom diferente aos seus olhos. Os olhos tinham brilhado e tivera as faces vermelhas de excitação. Toda ela brilhara como se estivesse iluminada por dentro. Os seus sentimentos tinham-na tornado mais bela.

A sala de baile de Winterset estivera cheia de luzes e o cheiro das gardénias perfumara o ar. Anna, que dissera a Reed uma vez que as gardénias eram as suas flores predilectas, soubera que ele as encomendara como um presente. O seu sorriso ao recebê-la assim o confirmara.

Fora a noite mais maravilhosa da sua vida. Só dançara duas vezes com Reed, o limite que marcava o decoro, contudo, aqueles momentos nos seus braços tinham sido celestiais. Nunca esqueceria o seu rosto quando lhe sorria, os seus olhos cinzentos, quentes e ternos, os seus traços familiares e tão queridos como se o conhecesse há anos em vez de só um mês. A música, o resto das pessoas, as palavras... Tudo fora imaterial, a única coisa que importara fora o que sentia nos seus braços.

Mais tarde, depois da ceia, pegara na sua mão e saíra com ela para o terraço, evitando os olhares dos outros. Tinham descido os degraus até ao jardim. A noite fora fresca, mas o fresco fora agradável depois do calor da sala de baile. Durante o passeio, a mão dele apertara a dela e o coração de Anna acelerara. Ele parara e ela olhara para ele, sabendo o que aconteceria depois, desejando-o com todas as fibras do seu ser.

Então, ele inclinara-se e beijara-a e ela sentira que alguma coisa explodia no seu interior. Desejo, fome, uma alegria que nunca conhecera, tudo ao mesmo tempo. Agarrara-se a ele, ignorando tudo excepto Reed e o prazer dos seus lábios. E, nesse momento, soubera que encontrara o único homem no mundo que conseguia preenchê-la, o amor que duraria toda a sua vida.

Ainda agora sentia uma dor aguda no peito cada vez que o recordava. Fechou os olhos por um instante para conter a angústia que a invadia mais uma vez. Renunciar a Reed Moreland fora o mais difícil que alguma vez fizera. Precisara de três longos anos para sentir... Bom, não felicidade precisamente, mas uma certa satisfação com a sua vida.

E parecia-lhe muito cruel que ele decidisse reaparecer naquele momento. Odiava pensar no que aconteceria se voltasse a vê-lo. Fá-la-ia perder a paz mental que tanto lhe custara conseguir?

Sentia que começava a tremer por dentro e apertou com força os punhos para se controlar. Tinha de se afastar dali, estar sozinha onde pudesse reflectir sem ter de se preocupar com o que os que a rodeavam pensavam. Aproveitou a primeira pausa na conversa para dizer que tinha de voltar a casa para dar a notícia a Kit.

Levou a caleça pelo caminho de Holcomb Manor, porém, antes de chegar, seguiu o desvio que levava a Winterset e percorreu o caminho ladeado de árvores. Era a casa mais próxima da sua, mas há três anos que não ia lá.

As fileiras de árvores acabavam e abriam-se num caminho largo que levava à casa grande. Winterset erguia-se numa leve ondulação do terreno. O caminho formava um círculo à frente da casa e acabava à frente da parede de pedra baixa que servia de pedestal para um portão de ferro posto a poucos metros da casa.

A parede estava emoldurada por dois pilares de pedra que se erguiam a mais altura do que o portão de ferro e ainda, por cima de cada um deles, havia um cão de caça com as orelhas alerta. Dizia-se que os cães de lorde Jasper de Winter, o homem que tinha construído a casa no século XVII, tinham servido de modelo.

Entre o portão de ferro e a casa havia um pátio pequeno, com um caminho largo que levava até à porta principal. A mansão era elegante e simétrica, com uma secção central ampla, ladeada por duas alas mais curtas. Fora construída com pedra amarelada, quase cor de mel no seu momento, mas obscurecida agora com a idade e coberta em parte por musgo. Em consequência, quando o sol a iluminava como naquele momento, a pedra adquiria um tom dourado, contudo, nos dias cinzentos parecia escura e sombria.

Grande parte da sua graça elegante procedia das suas janelas longas e da balaustrada de pedra que percorria a parte superior da casa. No telhado, havia chaminés de pedra, esculpidas de tal modo que pareciam retorcer-se para cima em forma de espirais. Em vários cantos do telhado viam-se estátuas de grifos e águias.

Anna olhou para o edifício. Desde menina, sempre gostara daquela casa, contudo, naquele momento compreendia o nervosismo supersticioso com que alguns olhavam para ela. As estátuas e as chaminés torcidas davam-lhe um ar estranho, quase ameaçador. O realismo dos cães da entrada contribuía para essa sensação. Apesar do passar do tempo, as caras dos cães eram tão reais que quase dava a impressão de que observavam. Sem dúvida, isso contribuíra para a lenda de que, nas noites de lua cheia, os cães se levantavam do seu lugar e, com um assobio do seu falecido dono, lorde Jasper de Winter, corriam com ele numa caça fantasmagórica com os olhos brilhantes.

Anna ouviu barulho nos matagais ao lado da caleça e virou a cabeça. Um homem estava de pé, atrás, quase invisível, a observá-la.