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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2010 Fiona Harper

© 2016 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

E foram felizes…, n.º 1239 - Maio 2016

Título original: Housekeeper’s Happy-Ever-After

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2010

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicadacom a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Bianca e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estãoregistadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-7966-9

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S. L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Epílogo

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Elli acordou e olhou para o relógio da mesa-de-cabeceira. Eram duas e um quarto da madrugada e precisava de ir à casa de banho. No entanto era a sua primeira noite numa casa desconhecida e não lhe agradava a ideia de deambular pelos corredores às escuras, embora fosse a única ocupante.

Permaneceu deitada, com a esperança de voltar a adormecer, mas não conseguiu.

«Controla-te, Ellie Bond», disse a si mesma. Já era crescidinha para ter medo da escuridão, mesmo que fosse numa casa antiga como aquela, que parecia estar cheia de fantasmas e vampiros.

Afastou o edredão e saiu da cama, reticente.

Talvez devesse ter prestado mais atenção quando chegara, mas estava tão esgotada que só tinha conseguido desfazer as suas malas antes de adormecer.

Finalmente alcançou a porta e abriu-a silenciosamente. Apesar de estar sozinha na casa, não lhe parecia bem fazer barulho.

Deslizou a mão pela parede do corredor à procura do interruptor da luz. Enquanto o procurava, as nuvens abriram-se e a luz da lua iluminou o final do corredor. Bingo! Ali estava a porta da casa de banho.

Aliviada, foi até lá, abriu a porta, entrou e acendeu a luz. Mas quando saiu, uns minutos depois, ficou paralisada. A luz da lua desaparecera e estava de novo às escuras.

«Não te assustes, Ellie. Pensa!»

Tinha de haver uma forma lógica de abordar aquele problema.

– De acordo – sussurrou, – o meu quarto é o… – contou com os dedos da mão esquerda…

Avançou em bicos de pés encostada à parede.

Um…

Dois…

Três…

Abriu a porta e avançou rapidamente para a cama. Foi um erro. Tropeçou num sapato e foi contra algo duro. Em seguida, comprovou que além de duro era quente… e que respirava!

Estava alguém na casa! Um ladrão, um assassino maníaco…

O cérebro de Ellie entrou em curto-circuito. Demasiada informação para assimilar. Felizmente, os seus instintos primários entraram em acção e deu um passo atrás com a intenção de voltar a sair pela porta. No entanto apenas tinha dado alguns passos quando uma mão forte a segurou pelo pulso.

Sem pensar no que fazia, Ellie lançou-se contra o seu atacante. Apoiou a palma da mão sob o seu queixo e empurrou com todas as suas forças, fazendo com que o ladrão cambaleasse para trás com um gemido.

«Nunca mais voltarei a protestar pelas aulas de autodefesa que me obrigou a fazer na vila, mamã».

Nos momentos surrealistas que se seguiram, Ellie questionou-se sobre o que fazia um ladrão nu da cintura para cima em pleno mês de Março, mas, antes que o pensamento se formasse por completo na sua cabeça, o homem segurou-a com a outra mão e ambos caíram ao chão.

Ellie reparou, rapidamente, que o homem era mais alto do que ela e, pela contundência do peito sobre o qual acabava de aterrar, também devia ser muito mais musculado.

Tentou afastar-se, mas era evidente que o homem não queria soltá-la. Com um movimento rápido, deitou-a de costas sobre o chão e segurou-a com as mãos pelos pulsos ao mesmo tempo que lhe prendia as coxas com os joelhos.

Ellie lutou para se libertar, mas chegou à conclusão de que era impossível. Finalmente, ficou quieta. A respiração do homem, com aroma a pasta de dentes, acariciou o seu pescoço. Sentiu o pânico a subir-lhe pelo corpo.

Tinha de agir imediatamente, antes que ele fizesse o seu próximo movimento. Deixando guiar-se pelo seu instinto, levantou a cabeça e mordeu o ombro do seu atacante. Depois, enquanto o homem gritava de dor, utilizou todas as suas forças para o empurrar para um lado.

O plano consistia em sair a correr assim que o tirasse de cima dela… mas falhou. Efectivamente, o homem caiu para um lado, mas quando Ellie tentou levantar-se, segurou-a pelo pé e fez com que ela caísse novamente. Enquanto tentava, inutilmente, agarrar-se ao tapete, compreendeu que o homem a arrastava para a cama.

Nesse momento, começou a gritar.

Como se atrevia aquele homem a tratá-la daquela forma?

– Saia do meu quarto ou…!

– Ou o quê?

O homem estava claramente zangado, mas havia algo mais na sua voz. Confusão?

De repente, a luz do quarto acendeu-se. Ellie afastou o rosto do tapete e pestanejou várias vezes, desesperada por localizar a porta. Quando os seus olhos se adaptaram à luz, viu uma figura contra o azul-claro da parede…

«Azul-claro? Meu Deus! O meu quarto era amarelo!», pensou.

Voltou a cara para o seu atacante e reparou nos seus olhos castanhos-escuros que a observavam de forma intensa. Havia algo neles… Não tinha sonhado com uns olhos como aqueles antes mesmo de acordar?

De repente, sentiu que corava até as orelhas.

Efectivamente, lembrava-se daqueles olhos, mas não dos seus sonhos. E não os tinha visto sob um sobrolho franzido, como naquele momento, mas sorridentes e cintilantes.

Deixou escapar um gemido quando, finalmente, se lembrou de quem eram aqueles olhos.

– Lam… lamento – balbuciou. – Perdi-me na escuridão – olhou para o homem, que continuava claramente perplexo. – Pensava… que era um assassino

O homem pestanejou e Ellie compreendeu que, provavelmente, ele tinha pensado o mesmo dela.

– Senhor Wilder… eu…

– Já sei quem sou. Mas quem diabos é você?

Ellie humedeceu os lábios e pigarreou.

– Sou Ellie Bond, a sua nova criada.

 

Um mês antes

 

Ellie ficou paralisada assim que cruzou a soleira da entrada do café. A mulher do casaco vermelho chegara cedo. Estava sentada a uma mesa, a ler o jornal.

O seu cabelo longo e escuro quase tocava na toalha, enquanto se inclinava sobre a mesa. Uns brincos de prata brilhavam nas suas orelhas. Uns brincos que Ellie lhe tinha oferecido no seu último aniversário.

A mulher ainda não vira Ellie, o que lhe agradou. Olhou para ela fixamente. Talvez, se continuasse assim por mais algum tempo, acabasse por se lembrar.

Sabia que era amiga daquela mulher, recordava o quarto desorganizado que partilharam na universidade, o cheiro dos livros velhos na biblioteca, as risotas e os mexericos ao anoitecer…

Mas não se lembrava do seu nome.

Desde que sofrera o acidente, recordar o nome ou a palavra adequada tinha-se transformado num desafio, como ter de procurar uma agulha num palheiro. Sabia que a informação estava em alguma parte do seu cérebro, mas, na verdade, não sabia bem o que procurava nem se acabaria por reconhecê-lo.

O movimento de uma empregada chamou a atenção da mulher, que, ao levantar o rosto, viu Ellie e sorriu.

Ellie devolveu-lhe o sorriso, enquanto não deixava de repassar o alfabeto, como lhe tinham sugerido que fizesse no grupo de apoio.

Anna? Alice? Amy?

A mulher levantou-se e Ellie não teve outro remédio se não ir na direcção dela.

Belinda? Não.

Brenda?

Abraçaram-se, enquanto Ellie continuava a repassar nomes.

Christine? Carolina? Carly?

– Fico contente por te ver, Ellie!

Ellie sabia que a sua amiga entenderia o seu esquecimento, mas estava farta de que fossem compreensivos com ela. Queria viver a sua vida como o resto do mundo. Este era o principal motivo pelo qual tinha marcado aquele encontro.

Charlotte Maxwell. Finalmente.

– Olá, Charlie – cumprimentou, e, finalmente, conseguiu relaxar um pouco. – Também fico muito contente por te ver.

Quando se sentaram, Charlie inclinou a cabeça e observou-a atentamente.

– Como estás? – perguntou.

Ah… Que inocente e bem-intencionada soava aquela pergunta…

Ellie tinha chegado a odiá-la. As pessoas não deixavam de lhe perguntar aquilo com uma expressão preocupada. O que queriam, na verdade, era que lhes fizesse um relatório psicológico e médico completo do seu estado.

Sorriu.

– Estou bem. A sério.

– Continuas com dores de cabeça?

– De vez em quando – respondeu Ellie, encolhendo os ombros.

Charlie sorriu e olhou para ela atentamente.

– Cortaste o cabelo.

Ellie levou automaticamente uma mão aos seus caracóis loiros. Só tinham passado uns dias desde que fora ao cabeleireiro e ainda não se acostumara a encontrar um vazio onde antes estava o seu cabelo.

– Estava preparada para uma mudança.

Por isso estava ali. O melhor que podia fazer era ir directa à questão e fazer-lhe a pergunta que tinha na ponta da língua. Se não a fizesse rapidamente, arriscava-se a voltar para casa sem ter mencionado o assunto. Abriu a boca para falar.

– Não falo por ti – disse Charlie, – mas eu não consigo pôr-me em dia com os mexericos de um mês sem uma dose de cafeína… e possivelmente um ou dois bolos.

Ellie voltou o olhar para o balcão.

– Eu tomarei um… – interrompeu.

Qual era a palavra? Tinha consciência de que sabia, mas o seu cérebro não processava.

– Tu sabes… aquela bebida com espuma por cima…

Charlie não se alterou.

– Dois capuccinos – pediu a uma empregada.

Ellie olhou para a jovem por cima do ombro da sua amiga.

– E um bolo de chocolate, por favor.

– Dois – disse Charlie, sorrindo. – Esta é a minha amiga. Não consegue esquecer o chocolate nem que tente.

Se a sua mãe ou a sua irmã tivessem dito algo parecido, Ellie repreendê-las-ia, mas o comentário da sua amiga fê-la sorrir, porque o fizera como se não tivesse grande importância. Aquele pensamento positivo reforçou a sua confiança. Ia fazer-lhe a pergunta. Estava preparada.

Mas precisou de um segundo café para ter coragem.

– Encontrei-me contigo por um motivo, Charlie. Preciso que me faças um favor.

– O que precisares. Já sabes – Charlie inclinou-se para a frente e acariciou o braço de Ellie. – Estou disposta a fazer o que puder para te ajudar.

Ellie respirou profundamente. Precisava de algo mais do que alguém disposto a ouvi-la ou a dar-lhe apoio moral. Muito mais.

– Preciso de um trabalho.

Charlie pestanejou, desconcertada.

– Um trabalho?

Ellie assentiu, ao mesmo tempo que mordia o lábio.

Charlie afastou o olhar e permaneceu pensativa por um momento.

– Lamento, Ellie. Só preciso de algumas pessoas no escritório e os postos já estão todos ocupados.

Oh, fabuloso. Charlie acreditava que estava a pedir-lhe um trabalho de caridade, com um mínimo de responsabilidades e sem desafios. Mas Ellie não ia desistir. Estava desesperada.

– Não. O que quero é que me incluas nas listas da tua agência, preferivelmente para um trabalho com alojamento incluído. Preciso de me afastar de Barkleigh por uma temporada. De certeza que haverá alguma coisa que possa fazer. Já sabes que sou boa cozinheira…

Charlie assentiu e murmurou algo. Ellie soube que a sua mente estava a trabalhar. Charlie era proprietária de uma pequena agência de emprego, especializada em oferecer serviços domésticos aos ricos e famosos, como mordomos, motoristas ou cozinheiras e amas.

– Mas… Podes…? – Charlie enrugou o nariz e fez uma pausa.

Ellie sabia o que tentava perguntar. Depois do acidente e das suas consequências, seria capaz de conservar um trabalho a tempo inteiro? Na realidade, não tinha a certeza. Esforçou-se por elaborar estratégias e desenvolver mecanismos que a ajudassem a superar os problemas de concentração que se manifestavam depois de ter levado um golpe sério na cabeça, embora a simples ideia de se afastar do seu ambiente familiar para começar de novo, fizesse com que ficasse nervosa.

– Só tenho de me esforçar um pouco mais do que os outros para me organizar. É só isso. Mas consigo fazê-lo, Charlie. Sei que consigo. Só preciso de alguém que acredite em mim e me dê uma oportunidade… e tu ofereceste-me a tua ajuda.

Ela sabia que aquilo era jogar sujo, mas estava desesperada.

Charlie olhou para ela com uma expressão indecisa. Durante um momento não disse nada. Ellie quase conseguiu ver como o seu cérebro procurava uma solução.

– De acordo – disse, finalmente. – Assim que tiver alguma coisa, avisar-te-ei.

 

 

Ellie fechou a porta da casa de campo e tentou tirar a chave da velha fechadura vitoriana, mas não conseguiu.

As coisas não estavam a correr bem. Tinha perdido as chaves e passou um bom bocado a tentar fechar uma mala. Se acreditasse nos maus presságios, já se teria escondido debaixo da cama há muitas horas atrás. A casa de campo estava vazia e pronta para ser arrendada. Outra família iria criar as suas memórias naquele espaço.

Finalmente conseguiu tirar a chave e guardou o porta-chaves no seu bolso. Chegara a hora de ir-se embora… e também tinha começado a chover. Depois de um último olhar à casa, voltou-se e caminhou com passo firme para o seu carro, enquanto a chuva aumentava.

Olhou para a mala que levava no assento do passageiro. Pela sua abertura, aparecia um ursinho de peluche azul com apenas um olho e uma das orelhas totalmente gasta. Ellie sentiu que os seus olhos se enchiam de lágrimas, mas negou-se a chorar.

Precisava de manter o controlo a todo o custo naquele dia.

Endireitou-se no assento, apoiou uma mão no volante e ligou o carro. O motor pigarreou cansativamente e Ellie rogou para que o carro não a deixasse ficar mal. À segunda tentativa, conseguiu arrancá-lo.

Uma hora depois, conduzia pela auto-estrada atrás de uma caravana. Só ia a oitenta quilómetros por hora, mas não tentou ultrapassá-la. Aquela velocidade era suficiente. Conduzir não era o seu hobby preferido e já há algum tempo que não entrava numa auto-estrada. Abstraiu-se dos carros e camiões que a ultrapassavam a toda a velocidade com pensamentos de novos começos e trabalho.

Todos ficaram muito contentes quando saíra do hospital, convencidos de que não demoraria muito a voltar à normalidade. E, passado um ano, quando finalmente saíra de casa dos seus pais e voltara para a sua casa de campo, a sua família e os seus amigos suspiraram de alívio.

Tudo tinha acabado. Ellie estava melhor e já podiam deixar de se preocupar.

Mas Ellie não estava melhor. O seu cabelo voltara a crescer e ocultara as cicatrizes da sua cabeça, mas nada voltaria a ser igual. Sempre fora diferente e sempre seria.

Concentrou a sua atenção na chuva que caía sobre o pára-brisas.

Água. Era apenas água. Pequenas gotas de água. Como era possível que algo tão inofensivo alterasse o curso de três vidas de forma tão drástica?

Felizmente, uns minutos depois, parou de chover e conseguiu parar os limpa-pára-brisas. Tentou relaxar os ombros e apercebeu-se de que não tinha deixado de apertar os dentes desde que pusera o pé no acelerador. Fez um esforço consciente por relaxar o maxilar e flectiu várias vezes os dedos com os quais agarrava o volante.

Ao ver um sinal azul na auto-estrada, reduziu um pouco a velocidade para conseguir lê-lo atentamente. Saída oito. Ainda faltavam duas saídas.

Prometeu estar atenta para não passar a sua. Naquele dia, perder-se não era uma opção.

A caravana que ia à sua frente começou a reduzir a velocidade. Ellie olhou pelo retrovisor. Podia ultrapassá-la se quisesse. A faixa contrária estava vazia.

Demorou uns minutos para se encher de coragem para tentar a ultrapassagem. Acabava de passar para a outra faixa quando viu, pelo retrovisor, que um carro se aproximava dela a toda a velocidade, travava a escassos centímetros do seu guarda-lamas traseiro e dava-lhe com os máximos. Tensa, ligou de novo o pisca-pisca para voltar a meter-se atrás da caravana. O carro, um Porsche vermelho, ultrapassou-a rapidamente.

Tinha de ser um homem, pensou Ellie. De certeza que estava demasiado centrado no seu ego para pensar nos outros. Patético. Há algum tempo que tinha decidido manter-se afastada daquele tipo de pessoas, estivessem dentro ou fora de um carro.

Abanou a cabeça e voltou a concentrar-se na condução, aliviada ao comprovar que só faltavam dois quilómetros para a seguinte bomba de gasolina. Precisava de uma boa dose de cafeína.

Uns minutos depois, estava sentada numa cadeira incómoda de plástico, a beber um café. O condutor do Porsche fizera com que revivesse, no seu interior, sentimentos e memórias que tentava esquecer há algum tempo, o que era aparentemente estranho, visto que não conseguia lembrar-se do momento do acidente.

Talvez fosse uma bênção não estar consciente enquanto a tiravam do carro, com os corpos do seu marido e da sua filha junto dela. Embora não fosse por isso que a sua memória deixasse de inventar imagens do acidente para a torturar a meio da noite.

Também não tinha memórias claras dos primeiros tempos da sua estadia no hospital. Os médicos disseram-lhe que era normal: amnésia pós-traumática. Quando tentava recordar o que acontecera, uma densa e impenetrável névoa cinzenta hospedava-se na sua mente.

Por vezes, pensava que seria agradável voltar a perder-se naquela névoa, porque sair dela para descobrir que o seu marido Sam e a sua querida filha Chloe, de oito anos, tinham desaparecido para sempre, tinha sido o pior momento da sua existência.

Tudo porque chovera. E porque dois jovens com um carro rápido não tinham dado muita importância a esse factor.

Olhou para a sua chávena de café. Estava vazia, mas não se lembrava de tê-la bebido até ao fim.

A ideia de voltar a conduzir não a atraía nada, mas não tinha outro remédio. Fechou os olhos por um momento.

Se não continuasse com o seu plano, a única opção que lhe restava era admitir a sua derrota e voltar para sua casa para hibernar eternamente. Podia fazer o que se tinha proposto. Tinha de o fazer.

Respirou profundamente, levantou-se do banco, saiu do café e caminhou em direcção ao carro com passo firme.