Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
© 2000 Penny Jordan. Todos os direitos reservados.
AMOR SEM RECORDAÇÕES, Nº 14 - Março 2011
Título original: Back in the Marriage Bed
Publicada originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.
© 2000 Penny Jordan. Todos os direitos reservados.
UMA NOITE ESPECIAL, Nº 14 - Março 2011
Título original: One Intimate Night
Publicada originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.
Estes títulos foram publicados originalmente em português em 2001 e 2002.
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial,
são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de
Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança
com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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Editor responsável: Luis Pugni
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Annie parou a meio da escada. Um sorriso encantador surgia nos seus lábios e um brilho sonhador e distante alterava a clareza habitual dos inteligentes olhos cinzentos. Teve novamente aquele sonho, o sonho em que o via. E, desta vez, foi tudo ainda mais delicioso e real do que antes. Tão real que...
Vermelha, sentiu novamente o prazer a aquecer o seu corpo. Na noite anterior, quando ele a abraçou e acariciou... Um violento arrepio percorreu o seu corpo e, a correr, subiu os últimos degraus.
Tinha uma hora para preparar-se antes de ir buscar Helena e o marido. Os três iam almoçar e era nisso que devia pensar, não num homem maravilhoso criado pela sua imaginação, pelos seus sonhos... pela sua carência.
Para uma mulher de vinte e três anos sem nenhum amante, a intensidade e a nitidez dos sonhos eróticos, envolvendo o homem que passou a chamar de amante perfeito e alma gémea, eram surpreendentes. Seria um sinal da falta de companhia masculina ou uma indicação do poder da sua imaginação? Não conhecia a resposta. Tudo o que sabia era que desde o primeiro sonho, nenhum outro homem conseguiu tocar nas suas emoções.
Estava ansiosa pela noite com os amigos. Afinal, Helena não era apenas a sua amiga mais próxima; era uma espécie de mãe substituta; também era a médica que salvara a sua vida quando outros menos determinados e atentos afirmavam que...
Tensa, engoliu em seco. Mesmo cinco anos depois do acidente, a recordação de como tinha estado perto da morte ainda a aterrorizava.
Sabia que o raciocínio não era lógico, mas o facto de não recordar os acontecimentos que antecederam e causaram o acidente e das semanas que esteve em coma, tornava o medo ainda mais intenso, como se salientasse a fragilidade da vida.
Ao empurrar a porta do quarto, Annie sentiu a fraqueza do braço e usou o peso do corpo para concluir o movimento. Aquela era a única herança física do dramático acidente. O braço foi esmagado e, por causa da extensão e da gravidade das lesões, o médico que a recebeu na urgência quase que o amputou, quando, notando a presença de Helena, pediu a sua opinião. Chefe do departamento de microcirugia, ela assumiu o comando e decidiu que era possível salvar o membro.
O rosto de Helena foi o primeiro que viu quando recuperou a consciência, mas só após muitas semanas é que se apercebeu da sorte que tivera ao ser atendida por ela.
Foi Helena que ficou ao seu lado, durante horas e horas, a falar e a incentivar a sua consciência durante o período de coma, tentando despertá-la com o seu amor e a sua força de vontade. Annie sabia que nunca esqueceria tudo isso.
– Não foste a única a ganhar com a experiência – dizia Helena, a brincar. – Não fazes ideia de como o mercado passou a valorizar-me depois daquela cirurgia. Para mim, o teu braço vale o próprio peso em ouro. E tu, minha querida, és mais especial do que posso expressar. A filha que nunca imaginei ter...
Quando Helena fez esta comovente declaração, ambas choraram. Qualificada e respeitada no seu meio profissional, a médica perdeu o útero e as hipóteses de ser mãe ainda muito jovem e Annie fora abandonada, ainda bebé, e criada num lar para crianças órfãs. Apesar de ter sido sempre bem tratada, nunca teve aquele amor especial com que sonhava desde os primeiros anos de vida.
Há dois anos, quando Helena finalmente aceitou o pedido de casamento do sócio Bob Lever, Annie sentiu-se muito feliz pelo casal. Ela recusou sempre as insistentes propostas de Bob, dizendo que um dia ele podia conhecer alguém especial que fosse capaz de ter filhos e que teria de estar livre para quando esse dia chegasse. Só os esforços combinados de Annie e Bob a fizeram mudar de ideias.
No final, usando um argumento quase desesperado, Annie lembrou-a que, depois de a ter praticamente adoptado como filha, Helena não tinha mais razões para recusar o pedido de Bob.
– Muito bem, desisto – respondeu ela a rir. – Mas, como tua mãe adoptiva, exijo que retribuas e encontres um parceiro especial para me dares muitos netos.
Depois disso, graças à atmosfera descontraída e ao excelente jantar de Natal que prepararam juntas, Annie encontrou a coragem necessária para contar à amiga sobre os extraordinários sonhos que costumava ter.
– Lembras-te da altura em que o sonho ocorreu pela primeira vez? – perguntou Helena, num tom profissional.
– Não tenho a certeza... Creio que já os tinha há algum tempo, mas nem me apercebia da sua existência. E, quando percebi o sonho, tudo era muito familiar, como se aquele homem fizesse parte da minha vida, como se eu o conhecesse.
Foi difícil explicar a natureza intensa e inquietante do sonho, a sensação de familiaridade despertada pelas cenas persistentes.
Diante do espelho, enquanto se preparava para vestir o traje que ela e Helena compraram há um mês, especialmente para aquela ocasião, Annie sorriu. Teve sorte por não ter sofrido nenhum ferimento no rosto. Os traços delicados ainda compunham o mesmo conjunto que via nas poucas fotografias que possuía da infância. Os cabelos ainda eram louros, como antes, uma herança dos pais que não conheceu. A maturidade e a autoconfiança libertaram-na da agonia de não saber quem ou o que foram os seus pais. Era suficiente que lhe tivessem dado o mais precioso de todos os bens: a vida.
Tudo o que sabia sobre o acidente era o que ouvia dizer, o que foi relatado no tribunal, durante o julgamento que resultou na condenação do motorista que a atropelou. Preso por condução perigosa, teve de pagar uma indemnização significativa por perdas e danos. Mas o maior lucro do ponto de vista de Annie não foi a enorme quantia em dinheiro que garantia a sua sobrevivência, mas sim a entrada de Helena e Bob na sua vida.
Como argumentaram os advogados do motorista, o acidente não a impedia de concluir o curso universitário, nem a retirava definitivamente do mercado de trabalho. Actualmente, trabalhava meio período, o que comprovava a teoria dos advogados, mas as evidências eram esmagadoras. Cinco testemunhas viram o automóvel avançar com o sinal vermelho e atingi-la no meio da passadeira de peões. O motorista estava embriagado, uma circunstância que, segundo os seus advogados, foi provocada por problemas pessoais que ele já tinha solucionado.
Annie suspirou. A esposa do acusado também compareceu no tribunal. A chorar, afirmou que, sem o salário do marido e a sua força de trabalho, a vida da família tornar-se-ia muito difícil. Como é que uma mulher sozinha podia sustentar três filhos pequenos? Annie lamentava e sentia uma certa compaixão sempre que pensava naquela família, mas, como Helena dizia, a culpa pela situação em que estavam não era dela.
De qualquer maneira, ficou feliz ao saber que o motorista não morava na cidade. Assim, não corria o risco de o encontrar ou à sua família, numa rua qualquer.
Era estranho pensar que não passara toda a vida naquela pequena e pacata cidade histórica com o seu castelo medieval, uma universidade e um rio que, há muitos anos, foi a fonte de toda a riqueza e da posição destacada do lugar. Os barcos, que ainda utilizavam a marina local, eram apenas veículos de passeio e lazer; os navios mercantes que, antigamente ali aportavam, faziam parte do passado.
Não conseguia lembrar-se do motivo que a levou a candidatar-se a uma vaga na Universidade de Wryminster, nem quando tinha chegado à cidade. Era evidente que não tinha tido tempo para fazer amigos; o acidente ocorreu uma semana antes do início das aulas e o único endereço que as autoridades encontraram foi o do lar para crianças órfãs onde ela cresceu.
De acordo com o que Helena pôde descobrir, Annie era uma criança muito inteligente, embora solitária. Assim, quando teve alta, levou-a para casa e cuidou dela com a dedicação e o carinho de uma mãe.. Com o amor de uma mãe! E também a encorajou a tornar-se independente, contribuindo na procura de uma casa adequada e próxima da dela.
Enquanto retirava do armário a roupa nova, Annie suspirou. Percorreu um longo caminho... Muito longo.
De crepe de lã azul, o conjunto era composto por calças compridas, um corpete bordado com linha cintilante e um sobretudo que quase tocava nos seus tornozelos. Hesitou antes de comprar uma roupa tão elegante e cara; não tinha uma vida social intensa para possuir peças como aquela. Contudo, Helena convenceu-a a adquirir a bela vestimenta. Na opinião da médica e amiga, já estava na altura de Annie sair mais e conhecer pessoas diferentes e interessantes.
– Sayad faria qualquer coisa para convencer-te a aceitar um dos seus convites – lembrou.
Sayad era um anestesista que tinha entrado recentemente na equipa chefiada por Helena. Atraente e simpático, interessou-se por Annie logo que a viu. Era interessante, educado, gentil, mas...
Mas não era o homem que via nos seus sonhos. Oh, não! E nem chegava aos pés dele. Apesar dos traços harmoniosos, do sorriso agradável e das maneiras envolventes, Sayad não tinha a maturidade misteriosa do homem que perturbava o seu sono todas as noites. Havia um ar de autoridade nos seus gestos, uma masculinidade poderosa e dominadora que nunca encontrou noutro homem.
Apesar do preço do conjunto, decidiu comprá-lo porque naquela noite participaria numa comemoração especial: o aniversário de Bob e o aniversário do casamento dele e de Helena.
Seguindo o conselho da médica, que se preocupou com o desgaste provocado pela longa batalha judicial travada nos tribunais antes da sentença que decretou o pagamento da indemnização, Annie tirou uma licença no trabalho para recuperar-se. No início da semana, despediu-se dos colegas da companhia petroquímica multinacional Petrofiche, cujos escritórios centrais funcionavam numa antiga propriedade rural nos arredores da cidade.
Para o jantar daquela noite, reservou uma mesa no mais prestigiado restaurante da região ribeirinha, disposta a organizar e a suportar os custos da comemoração. Por isso, ia buscar Helena e Bob no seu novo e reluzente Mercedes.
O carro foi o grande passo da sua vida. Logo após o acidente não podia conduzir e, durante muito tempo, tinha medo até de chegar perto de um automóvel. Sentar-se ao volante era uma ideia que a aterrorizava. No entanto, esforçou-se para superar os medos e passou no exame. A fraqueza muscular do braço convenceu-a a optar por um modelo de mudanças automáticas e, finalmente, Annie comprou o seu primeiro carro.
Pronta, parou diante do espelho e sorriu satisfeita. Depois da conclusão do processo e da luta no tribunal, finalmente começava a recuperar o peso perdido e a roupa caía-lhe ainda melhor do que no dia em que a comprou. Sim, tinha motivos para estar contente. A casa onde vivia, por exemplo. Participou em todo o trabalho de reforma, supervisionando cada mudança, escolhendo pessoalmente toda a mobília. A enorme cama de ca-sal atraiu o seu olhar. Ainda não entendia por que é que tinha comprado aquela cama, por que razão nem vira as outras opções oferecidas pela loja.
Tudo o que sabia era que, ao vê-la, teve a certeza de que aquela era a escolha ideal.
Nos seus sonhos, ela e o amante estavam sempre naquela cama, embora nos sonhos... Perturbada, lembrou-se de que chegaria atrasada se não se apressasse.
Agitada e corada, Annie desceu as escadas e saiu.
– Meu Deus, como este lugar está movimentado! – comentou Helena.
Annie estacionou o carro no último lugar disponível no estacionamento do restaurante.
– Quando telefonei para reservar a mesa, o gerente comentou que esperava ter uma noite muito agitada. A Petrofiche oferece um jantar para um novo consultor de biologia marítima.
– Oh, sim, é verdade! Ouvi dizer que eles encontraram um substituto para o professor Salter. Foram buscá-lo a uma das universidades dos estados do Golfo, atraídos pelas suas impressionantes qualificações e pela experiência diversificada. E o homem ainda é jovem, segundo os comentários que ouvi. Deve ter pouco mais de trinta anos. E parece que já trabalhou para a Petrofiche no passado.
– É estranho pensar num biólogo a trabalhar para uma indústria petroquímica – disse Bob.
– Querido, francamente – exclamou Helena a sorrir. – Achas que os especialistas em biologia marítima só fazem filmes sobre tubarões e corais?
– É claro que não.
– Hoje em dia, todas as grandes empresas, especialmente as multinacionais, esforçam-se para construir e manter uma imagem de responsabilidade ambiental – explicou Annie. – Derrames de óleo têm sempre efeitos devastadores sobre os mares e oceanos e sobre as suas formas de vida; é isso que leva companhias como a Petrofiche a empregar especialistas em biologia marítima.
Estavam fora do carro e a caminho do restaurante.
Os donos, marido e mulher ainda jovens e bastante conhecidos pelos frequentadores, costumavam receber os clientes mais próximos pessoalmente. Liz Rainford sorriu ao vê-los.
– Reservei a tua mesa favorita – sussurrou, enquanto chamava um empregado para os acompanhar. Liz fazia parte de um comité de caridade com o qual Annie colaborava angariando fundos. Além disso, a comerciante conhecia a história à volta do acidente e sabia do seu relacionamento com Helena e Bob. – Sei que esta é uma noite especial para todos.
A mesa em questão ficava num canto afastado do salão principal, ao lado de uma janela donde era possível ver o jardim e o rio. Sentada, Annie suspirou, invadida por uma súbita alegria. Às vezes sentia que tinha renascido naquela manhã há cinco anos, quando abriu os olhos e viu Helena parada ao lado da cama hospitalar, a olhar para ela. Embora já se lembrasse de boa parte da infância e da adolescência, as recordações ainda eram confusas como imagens num filme sem foco e, em alguns momentos, era difícil acreditar que aquelas lembranças, aqueles períodos, fizessem parte da sua vida.
Para confortá-la nos momentos de maior preocupação, Helena dizia sempre que aquele era o efeito do trauma sofrido pela mente e pelo corpo, um mecanismo de defesa de que a mente lançava mão para a proteger.
O restaurante estava cheio. Havia um salão secundário cujas portas permaneciam fechadas para garantir a privacidade do grupo da Petrofiche. As raparigas do escritório passaram dias a comentar a chegada do novo consultor e Annie ouviu algumas opiniões antes de sair de licença na semana anterior.
– Ele é dono de uma empresa. A Petrofiche é apenas uma cliente – revelou com ar importante a chefe das secretárias, Beverly Smith. – O homem só virá duas vezes por semana, quando não estiver em campo.
– Humm... Talvez ele esteja a precisar de uma assistente. Adorava passar alguns dias na Barreira de Corais – suspirou a outra funcionária.
– Corais? – retorquiu a outra. – Acabavas por ir ao Alasca! É lá que todos os especialistas em biologia marítima gostam de fazer as suas pesquisas.
Annie ouviu animadamente a conversa com um sorriso nos lábios.
Embora recebesse muitos convites de colegas da empresa, nunca aceitou sair com um deles. Helena preveniu-a sobre os riscos de deixar que o amante imaginário dos seus sonhos a cegasse para a realidade e impedisse a aproximação de parceiros reais, mas Annie sabia que a relutância não era fruto apenas dos sonhos românticos.
Era quase como se, de alguma forma, algo a impedisse de envolver-se com alguém. Como se esse envolvimento fosse errado. Não sabia de onde vinha essa sensação e os sentimentos eram tão confusos e nebulosos, tão inexplicáveis e estranhos, que preferiu não comentá-los com Helena. Tudo o que sabia era que devia esperar. Mas... esperar o quê? Ou quem? Não fazia ideia. Só sabia que era algo que devia fazer.
Mais tarde, quando esperavam pela sobremesa, Annie pediu licença aos amigos para ir à casa de banho.
Passava pelo salão reservado, quando a porta se abriu e um grupo de quatro homens surgiu no corredor. Dois deles eram executivos da companhia para a qual ela trabalhava, o terceiro era um desconhecido e o quarto...
O choque fez o seu coração bater mais depressa. Parada e boquiaberta, ficou a olhar para o quarto homem do grupo com um misto de terror e incredulidade.
Era ele! O homem dos seus sonhos! O amante imaginário! Mas como podia ser ele, se a criatura era apenas produto da sua imaginação? Não era possível! Devia estar a imaginar... com alucinações... Tinha bebido champanhe demais!
Fechou os olhos e contou até dez antes de os abrir. O homem continuava no mesmo lugar, a olhar para ela. Era como se o sangue parasse de correr nas suas veias, como se fosse apenas um corpo vazio. O pânico invadiu-a. Tentou mover-se e não conseguiu. Tentou falar, mas nenhum som saiu da garganta bloqueada por um nó. O medo era mais forte do que todos os outros sentimentos. Queria mover-se. Queria falar. Mas não conseguia. E, com uma certeza devastadora, soube que ia desmaiar.
Annie abriu os olhos e constatou que estava nos aposentos pessoais de Liz. Bob e Helena estudavam-na com ansiedade e apreensão.
– Querida, o que é que aconteceu? – perguntou Helena, preocupada, segurando na sua mão. Os dedos procuraram a veia no seu pulso e a profissional tomou o lugar da amiga.
Determinada, Annie sentou-se.
– Estou bem. Foi só um desmaio – sussurrou, chocada demais para revelar o verdadeiro motivo do desmaio. – Nunca tolerei bebidas alcoólicas.
De qualquer maneira, Bob e Helena insistiram para que ela dormisse no seu antigo quarto na casa do casal. Tensa, a médica e amiga sugeriu que ela devia realizar alguns exames de rotina.
– Não há nada de errado comigo – insistiu Annie. – Foi apenas o choque...
– Choque? Que tipo de choque?
– Eu... pensei ter visto alguém. E... Bem, deve ter sido um engano. Imaginei alguém. Sei que foi isso, porque é impossível...
– Quem era? Quem é que tu pensaste ter visto, Annie?
– Ninguém. Como disse, foi só um engano – mas, ao estender a mão para pegar na chávena de chá que Bob preparou, começou a tremer tanto que teve de deixá-la onde estava. Cobriu o rosto com as mãos e admitiu: – Oh, Helena, eu vi-o... O homem dos meus sonhos. Ele estava... Sei que é impossível, que ele não existe, mas...
– Estás a ficar muito agitada. Vou dar-te algo para descontraires e dormires e amanhã conversaremos com mais calma.
Apoiada nos travesseiros, Annie ofereceu um sorriso pálido. Sabia que a amiga tinha razão, como sempre.
Vários minutos mais tarde, Helena voltou ao quarto com um copo de água e dois comprimidos. Com uma ternura quase maternal, ajudou-a a tomar o remédio e arranjou as cobertas.
– Lamento ter estragado a tua noite.
A frase trémula foi a última que Annie pronunciou antes de começar a sentir os efeitos do medicamento.
Mais calma, estranhou a própria reacção intensa e infantil. Por causa de uma semelhança imaginária entre um desconhecido e o homem com quem sonhava constantemente, o seu amante imaginário, perdeu os sentidos no meio de um restaurante cheio. Pensando bem, o homem criado pela sua imaginação nunca a teria olhado como aquele desconhecido, com uma hostilidade fria e agressiva nos olhos azuis e um desprezo cuja intensidade rivalizava com a da raiva estampada no seu rosto.
Sonolenta, fechou os olhos e ouviu o som da porta a fechar-se. Helena ainda descia as escadas quando ela adormeceu.
– Suspeito de que a emoção da noite e as recordações provocadas causaram o episódio – comentou a médica com o marido quando o encontrou na sala.
– Não sei. Tens a certeza de que o tal homem não pode ser alguém que ela tenha conhecido?
– Bem, é uma possibilidade. Afinal, Annie ainda não recuperou completamente a memória. Ela lembra-se de ter chegado a Wryminster, mas não sabe quando é que isso aconteceu. É difícil imaginar que alguém tão íntimo, a ponto de ser responsável pelos sonhos que ela relata, não a tenha procurado depois do acidente. Os jornais anunciaram o facto.
– Tens razão, é pouco provável – concordou Bob.
Annie dormia. Os lábios estavam distendidos num sorriso e o corpo era tomado por uma mistura de nervosismo e excitação.
– Meu Deus, és linda... Vais deixar-me ver-te e tocar-te? É tudo o que quero...
Mãos quentes e experientes começaram a despi-la, provocando uma ansiedade que logo deu lugar ao prazer. O corpo respondia aos apelos verbais enquanto ia sendo desnudado e tocado, acariciado e despertado. A sensação era nova e agradável.
Sabia que aquela era a sua primeira experiência com um homem, a sua primeira vez, e ele garantiu que a escolha, a decisão final seria dela. Se quisesse, só teria de exigir que parasse e nada mais acontecia. Mas não queria que ele parasse. Queria...
Os dedos alimentavam o desejo, despertando uma paixão que era de alguma forma conhecida, um sentimento do qual sempre soube ser capaz, mas que até então esteve trancado dentro dela, escondido nalgum recanto secreto para o qual só ele tinha a chave.
Amava-o tanto... E desejava-o com ardor. O que considerava inviável com qualquer outro era perfeito com ele. O corpo todo ecoava a força do que estava a sentir... o ardor da paixão... o amor. Só precisava de fitá-lo para sentir-se derreter.
A maneira como ele pronunciava o seu nome era mais poética do que todos os sonetos. O modo como a olhava era mais lindo do que todas as canções. E os sentimentos que despertava eram intensos e assustadores. Ele excitava-a, confundia-a, provocando a vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, preenchendo-a com tamanha felicidade que chegava a sentir medo. Com ele sentia-se quase imortal, mas, contrariamente, também experimentava a própria fragilidade na sua versão extrema, como se a dependência daquele amor pudesse destrui-la, como se a simples ideia de o perder pudesse levá-la à ruína.
– Alguém já te disse que a tua boca é muito sexy? – ele acompanhou o contorno com a ponta de um dedo e sorriu ao ver que Annie entreabria os lábios para capturá-lo e sugá-lo.
No sonho, ela gemia num prazer sem censura, o corpo movendo-se em busca do contacto com o amante.
O sol da tarde penetrava pelas janelas amplas. Se abrisse os olhos, sabia que veria lá em baixo o tom púrpura das montanhas distantes e, se ficasse em pé, veria a água cristalina do rio que corria manso e poderoso. Mesmo distante, podia ouvir o som constante, quase como se sentisse a força da correnteza, da mesma forma que sentia o pulsar másculo no interior do próprio corpo. Como sentia a fome nas mãos que a tocavam.
– Se queres que pare, é melhor dizeres agora – sussurrou ele numa voz rouca. – Depois será tarde demais.
Mas não diria nada. Amava-o o suficiente para enfrentar a experiência assustadora tão diferente dos beijos puros que trocara com os namorados de infância.
– Sou muito, muito mais velho do que tu – repetia ele com insistência.
Mas, em vez de a afastar, a confissão persistente só intensificava o interesse e o desejo que sentia por ele, como se o imbuísse de um carácter místico, mágico, um conhecimento e uma sabedoria que despertavam no seu corpo anseios incontroláveis.
E agora estava próxima do momento da revelação, o momento em que...
Annie emitiu um grito agudo e acordou assustada, o corpo banhado em suor e a mente confusa. Sentou-se na cama e cobriu o rosto com as mãos.
O sonho fora tão nítido, tão real... E o amante imaginário aproximava-se cada vez mais de um ser vivo, de uma entidade que podia adquirir vida fora dos limites da sua mente.
Trémula, fechou os olhos e recordou o momento em que tinha beijado a pequena cicatriz na têmpora do amante, o mesmo sinal que viu no desconhecido, o que a levou a desmaiar. Quantas vezes sonhou com aquela cicatriz sem se aperceber?
Não sabia. Só sabia que uma certa tensão o dominou no momento em que a beijou. A reacção era tão familiar como o próprio reflexo. Mas como é que era possível? O que é que estava a acontecer? Estaria a desenvolver algum tipo de sexto sentido, alguma percepção diferenciada, como a capacidade de prever o futuro? Estariam eles destinados a um encontro? Talvez os sonhos fossem o caminho encontrado pelo destino para a prevenir e preparar para o que estava para vir. A ideia alimentou o medo que a fazia tremer.
Esteve muito perto da morte. Embora nunca comentasse com ninguém, experimentou a sensação descrita por outras pessoas na mesma situação, indivíduos cujas vidas também estiveram em risco. Era como se corressem para um local maravilhoso e acolhedor, como se fosse empurrada através da escuridão na direcção da luz. Depois sentiu a força súbita e irresistível que a empurrou no sentido contrário. Ouviu a voz impessoal a anunciar que ainda não era o seu momento de partir.
Teria essa experiência desenvolvido nela a habilidade de pressentir os eventos importantes que podiam ocorrer na sua vida?
Teria o anseio secreto de encontrar alguém especial, alguém a quem pudesse amar com a segurança gerada pela certeza da retribuição, afectado o seu equilíbrio a ponto de viver em sonhos o que ainda estava por acontecer na realidade? Seria o amante imaginário uma figura real que encontraria no futuro?
Impossível. Absurdo. Talvez... Mas quantos mistérios desafiavam a razão e a lógica?
O medo que sentiu no início da noite, o choque, o pânico, tudo desaparecia em vista da excitação que beirava a euforia. O amante imaginário não era apenas um sonho. Era real. Era... Entusiasmada, Annie fechou os olhos e tentou sentir novamente o calor daquelas mãos.
Só depois de muito tempo conseguiu voltar a dormir e, quando finalmente fechou os olhos, estava convencida de que o encontro com a personificação do homem dos seus sonhos tinha sido um acto do destino, acontecimento para o qual a imaginação tentou prepará-la.
– Annie, como é que te sentes, minha querida?
Sonolenta, ela abriu os olhos e viu Helena a entrar no quarto com uma chávena de café.
– Não sei – admitiu. – Aqueles comprimidos são muito fortes – devagar, sentou-se na cama e encarou a amiga com determinação. – Helena... acreditas no destino?
– Não sei. O que é que queres dizer com destino?
– O homem que vi no restaurante ontem à noite. A princípio pensei ter imaginado aquilo tudo. Tive a certeza de que não podia ter visto o homem com quem sonho constantemente. Mas depois sonhei com ele novamente e então soube...
– O quê? Podes falar comigo.
– Acho que o nosso encontro foi planeado pelo destino e... – parou e abanou a cabeça, identificando a incredulidade no rosto da amiga. – Sei que tudo isto parece absurdo, mas que outra explicação pode haver? Por que razão sonho com ele todas as noites? De onde vem a sensação de já conhecer este homem?
Helena sentou-se na cama e deixou a chávena na mesa-de-cabeceira. Annie era uma jovem adorável, alguém a quem amava como a filha que nunca teve, mas também era uma mulher muito vulnerável. A gravidade do acidente e o trauma gerado por ele roubaram-lhe a energia que devia ter sido usada no seu processo de amadurecimento, a energia que foi desviada para a recuperação física.
Não que Annie fosse pouco inteligente. De maneira nenhuma. Conseguiu conquistar o diploma e tinha um interesse pelo mundo e pelas pessoas que, em alguns sentidos, a tornava mais madura que outros jovens da sua idade. Mas não amadurecera como mulher, não tivera tempo e oportunidade de viver experiências sexuais, cometer enganos, erros de julgamento, enfim, mergulhar em todas aquelas loucuras tão próprias da juventude na sua jornada através dos anos turbulentos entre o final da adolescência e a metade da segunda década de vida.
Agora ela dava sinais de preferir um amante imaginário a um homem de carne e osso, de acreditar mais no destino do que na realidade.
– Achas que estou a ser palerma, não é? – perguntou Annie constrangida.
– Não. Mas talvez... Já pensaste que esse homem pode parecer-te familiar por ser realmente um conhecido?
– Referes-te ao homem dos meus sonhos?
– Ao homem com quem sonhas – corrigiu Helena. – Talvez tenhas essa sensação de familiaridade por o conheceres.
– O quê? Isso é impossível!
– Minha querida, ainda existem alguns espaços em branco na tua memória. As semanas que antecederam o acidente, o episódio propriamente dito e as semanas seguintes, quando estavas em coma... Não te lembras desses períodos.
– Sim, eu sei. Mas não posso tê-lo conhecido... não como sinto... como acontece... Se fosse verdade... – parou e balançou a cabeça. – Não, Helena. O que sugeres é simplesmente inviável. Eu saberia se ele... se nós... Não – repetiu.
– Confesso que a ideia parece improvável, mas senti que devia mencionar-ta.
– Eu entendo. Mas, se esse homem me conhecesse, não achas que ele teria aparecido depois daquele anúncio que colocaste nos jornais? Não, minha amiga. Não conheço o homem que invade os meus sonhos todas as noites – e sorriu. – Lamento o susto que vos preguei com aquele desmaio ontem à noite – acrescentou num tom mais prosaico. – Deve ter sido o efeito do encontro inesperado depois de duas taças de champanhe.
– Bem, foi uma noite muito emocionante – reforçou Helena a sorrir.
– Tens sido tão boa para mim!
– Está descansada que és a melhor recompensa para mim. E vais dar-me netos! – provocou, amenizando a tensão antes de exclamar. – Meu Deus! Prometi a Bob que o ajudava a fazer as malas. Vamos àquela conferência e... Ah, a quem estou a tentar enganar? Ele é muito melhor a fazer isso do que eu.
Annie suspirou.
– Quatro dias no Rio de Janeiro... Que maravilha!
– Nem tanto. A conferência ocupará três dias inteiros e, quando recuperar do cansaço provocado pelas explorações de Bob e pela diferença entre os horários...
– Pára de reclamar! Vais adorar cada minuto da viagem. Quando fomos a Roma no ano passado, fui eu que tive de voltar para o hotel e descansar!
– É verdade. Foi uma viagem maravilhosa, não é verdade? – Helena levantou-se. – Fica deitada e descansa. Podes sentir-te bem, mas o teu corpo ainda está a superar o choque.
– Foi só um desmaio, Helena.
Mesmo assim, teve de concordar com a médica e amiga quando, horas mais tarde, ela anunciou que a levaria ao hospital para fazer alguns exames.
– Ah, as mães! – o residente brincou depois de certificar-se de que não havia nada de errado com Annie. – Adoram criar confusão!
– Tem razão! – concordou Annie a sorrir.
Depois corou ao perceber que o jovem a olhava com um misto de admiração e interesse.
– Tens a certeza de que estás bem? – perguntou Helena quando Annie os levou ao aeroporto.
– É claro que sim. E para provar, vou começar
o trabalho de jardinagem que estou a adiar há meses.
O jardim da pequena casa era longo e estreito, delimitado ao fundo por um muro alto de tijolos que garantia a privacidade. No Natal, Helena e Bob deram-lhe um livro de jardinagem com ideias maravilhosas e um generoso vale para compras numa loja local; Annie elaborou logo um projecto que pretendia pôr em prática.
A primeira coisa de que precisava eram treliças coloridas para apoiar nas paredes e, assim, depois de deixar o casal de amigos no aeroporto, seguiu directamente para a loja especializada em equipa-mentos para jardim.
Várias horas mais tarde, entrou no carro satisfeita com a escolha. As treliças seriam entregues em sua casa e um funcionário do sector de cercas ia fixá-las. A cantarolar, ligou o motor e deixou-se invadir pela atmosfera alegre do dia. O sol brilhava forte no céu azul e uma brisa suave soprava as nuvens brancas. Num impulso, decidiu trocar o caminho mais curto pelo percurso do rio.
A região rural nos limites da cidade era cortada por estradas estreitas que podiam confundir os motoristas menos atentos, especialmente quando se optava pela estrada entre as árvores e mais afastada do rio, como ela acabava de fazer. Apreensiva, parou num entroncamento sem saber por onde devia seguir.
O instinto apontava para a direita, mas a lógica sugeria que a estrada da esquerda a levava de volta ao rio. Encolhendo os ombros, seguiu o instinto e arrependeu-se, ao constatar que o caminho escolhido ia aos poucos tornando-se mais estreito, até transformar-se numa única estrada que subia uma encosta de vegetação tão exuberante, que era impossível determinar onde estava. Apesar da certeza de nunca ter passado por ali, Annie sentia que a área lhe era familiar.
Depois de uma curva mais fechada e perigosa, estava diante da entrada de uma casa muito grande em estilo vitoriano. No alto de cada pilar de tijolos havia uma estranha escultura de metal. As peças foram feitas com os arpões dos navios do homem que construíra aquela casa com o dinheiro que ganhou com a sua frota. E como sabia disso? Aturdida, parou o carro e desligou o motor. Devia ter lido a informação nalgum lugar. Tinha lido muito durante os meses de recuperação e um dos assuntos que despertou o seu interesse foi a história local.
E no entanto... Desceu do carro e sentiu o coração bater mais depressa enquanto caminhava para a casa. As árvores que flanqueavam a alameda bloqueavam a luz do sol, projectando sombras tão escuras que, ao superar aquela etapa do caminho, ela se sentiu ofuscada pela luminosidade natural. Fechou os olhos, tentando superar o desconforto, mas voltou a abri-los ao sentir que algo se colocou entre ela e a luz do sol.
– Você! – sussurrou, com o corpo a tremer por causa da mistura do choque e excitação provocada pela visão. – É você! – repetiu, com os olhos iluminados pelo espanto e pela felicidade enquanto se aproximava do homem que saiu da casa.
De perto e à luz do dia, podia certificar-se de que ele era exactamente o homem dos seus sonhos. A natureza do impulso que a levou até ali confirmava as hipóteses que antes pareciam absurdas.
Era verdade. O destino traçou aquele encontro.
Os olhos eram tão azuis como os que via em sonhos. A pele era bronzeada e os cabelos tinham o mesmo tom negro que via todas as noites. Tudo nele era como nos sonhos. Tudo! Até mesmo a boca. Especialmente a boca!
Annie sentiu um arrepio diante da promessa de sensualidade dos lábios carnudos. Se fechasse os olhos, podia experimentar novamente as sensações provocadas pelos beijos ardentes.
– Então você veio.
A voz ecoou na sua mente, o tom inesperadamente ríspido, até um pouco hostil, mas familiar.
A intensidade das emoções era assustadora. Viajara de muito longe até àquele momento, até àquele instante no infinito.
– Sim – respondeu em voz baixa. – Sabia que eu vinha? – era como estivesse noutra dimensão.
Podia ver a porta da casa aberta atrás dele. Além dela, sabia, havia um longo corredor com uma mesa, sustentando um busto de bronze do homem que construíra o imóvel. Na balaustrada da escada era possível ver entalhadas todas as formas de criaturas marítimas, tanto reais como místicas: golfinhos, baleias, polvos, cavalos marinhos e sereias tinham sido desenhados na madeira pelas mãos habilidosas de um artesão.
– Eu...
A voz dele soava tensa, como se também tivesse consciência da importância do que acontecia. Os olhos procuraram outros pontos, como se não suportassem encará-la, e Annie foi tomada de assalto por uma mistura de amor e desejo de o proteger.
Impelida pelo instinto, aproximou-se e pousou a mão no seu braço.
– Está tudo bem. Estou aqui. Nós... nós... – podia sentir os músculos a enrijecerem sob os seus dedos e, ao encará-lo, notou que os lábios estavam apertados numa linha fina. – Podemos entrar? – indagou hesitante.
A casa atraía-a. Era como se já a conhecesse, como se tivesse consciência das suas formas, dos quartos, da história do lugar, do cheiro que a impregnava. Como também o conhecia.
Sentia a tensão crescer, mas era tarde demais para recuar. Estava no hall e sabia que ele a seguia e lhe bloqueava a saída.
– Nunca pensei que isto pudesse acontecer – comentou Annie com simplicidade, deixando os olhos registarem cada detalhe da realidade daquele ser humano.
Ele era alto, muito mais alto do que ela. Mas já sabia disso. Como também conhecia cada milímetro do corpo coberto por uma camisa e pelas calças de ganga que não escondiam as coxas poderosas. Havia uma pequena cicatriz na parte interna da coxa direita, relíquia de um acidente de infância. E quando a tocava com os lábios ele...
Não conseguia controlar o tremor que sacudia o seu corpo ou esconder o que sentia e desejava. Amava-o tanto!
– Podemos... subir? – perguntou com voz rouca, com os olhos fixos no seu rosto enquanto esperava pela resposta.
Teve a impressão de que se passou muito tempo antes de ouvir a voz tensa e seca.
– Se é isso que quer...
– Sim – afirmou ousada. – Sim, é isso que quero.
Queria gritar o seu amor, mas tudo acontecia tão depressa que não encontrava um espaço para colocar os sentimentos.
Em vez disso...
Tocou o rosto tão conhecido, absorvendo através dos dedos o calor humano de que tanta falta sentira, a realidade da pele de um homem de verdade, de um amante de carne e osso.
Assustada, recuou um passo interrompendo o contacto.
– É bom saber que me deseja – afirmou ele.
Annie assentiu, entorpecida com a força do que estava a viver. O momento do seu encontro com o destino finalmente chegava. Sentia-se tonta, abalada e apreensiva. O silêncio e a tensão estendiam-se como uma fina camada de gelo sobre águas profundas e perigosas, convidando os mais incautos a desafiarem os seus riscos.
– Venha.
Ela obedeceu sem hesitar, mergulhando nos seus braços e sentindo o calor envolvente do corpo musculoso. O ar escapou dos seus pulmões numa nuvem morna quando os lábios procuraram os dela para um beijo íntimo e húmido.
– Oh, sim...
Ouviu as palavras sensuais murmuradas contra a sua boca, a voz carregada de satisfação e orgulho masculino. A pélvis pressionada contra a dela era a confirmação da paixão que os incendiava. O beijo foi como uma declaração de posse e Annie gemeu, sentindo a própria vulnerabilidade, lamentando a sua falta de experiência e conhecimento. E, no en-tanto, de alguma forma sabia o que tinha de fazer. Reconhecia cada passo daquele caminho.
Ele interrompeu o beijo para provar o sabor de um seio, os dedos afastaram as roupas que o separavam do objectivo com um misto de habilidade e rapidez irresistíveis. Faminto demais para esperar, ele beijava um seio enquanto acariciava o outro através do tecido fino do soutien.
Por um momento, ela teve a sensação de que morreria de prazer. Com os olhos fechados, viu novamente por trás das pálpebras o mesmo cenário branco e brilhante que conheceu quando esteve tão perto da morte; puro, intenso, ardente, envolvente, profundo... como o melhor tipo de amor que um ser humano podia conhecer.
Assustada, abriu os olhos e concentrou-se na cabeça morena debruçada sobre o seu peito. A pele suave da nuca exposta era uma contradição ao que estavam a viver, à natureza erótica daquele encontro. Ali era possível ver um menino vulnerável, uma criança... o filho que um dia teriam...
De repente ela parou, tensa, como se a ideia tivesse accionado algum mecanismo emperrado na sua memória. A dor, intensa a ponto de provocar uma imobilidade protectora, ia aos poucos enfraquecendo, mas ainda tinha o poder de a assustar.
– O que foi? Está arrependida? – a pergunta soou tão brusca como o movimento com que ele ergueu a cabeça.