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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

 

© 2003 Marion Lennox. Todos os direitos reservados.

AMOR NO PALÁCIO, Nº 6 - Junho 2012

Título original: Her Royal Baby

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

© 2003 Susan Fox. Todos os direitos reservados.

PELO AMOR DE UMA MULHER, Nº 6 - Junho 2012

Título original: Bride of Convenience

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Publicados em português em 2005

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®, Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de patentes y Marcas e noutros países.

I.S.B.N.: 978-84-687-0299-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversion ebook: MT Color & Diseño

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Capítulo 1

 

Tammy estava em cima de uma árvore quando chegou... a realeza.

Receber uma figura da realeza naquela zona perdida da Austrália era fora do comum, mas estar em cima de uma árvore não. Tamsin Dexter passava a vida em cima das árvores. Era uma das arboricultoras mais jovens do país e a sua paixão era tratar, curar e replantar árvores.

Empregada do serviço de parques nacionais australianos, Tamsin estava, como quase sempre, a trabalhar numa zona remota. Fazia parte de uma equipa, mas naquele dia estava a trabalhar sozinha.

E ela não tinha nada a ver com a realeza.

Mas o homem que estava debaixo da árvore parecia pertencer a uma casa real. Ou talvez fosse um duque, um marquês... no mínimo. Embora se calhar não fosse da realeza, talvez fosse um almirante ou uma coisa do género.

Embora o seu conhecimento sobre estes assuntos fosse limitado. Um almirante podia ser tão novo?

Na verdade, o que vestia de estranho não era um uniforme de almirante, mas sim um fato muito bem talhado com um monte de medalhas e condecorações. Tinha chegado numa limusina conduzida por um motorista fardado.

Alguém saiu do carro naquele momento. Era um homem mais velho e não usava medalhas, mas tinha um ar muito sério.

Podiam estar mais desenquadrados naquele bosque? Pertenciam à realeza ou seriam militares de algum tipo? Era a mesma coisa... mas Tamsin sabia qual dos dois era mais interessante.

O mais novo. Era um homem alto, mais de um metro e oitenta e cinco, embora se tornasse difícil ter a certeza desde aquela altura. Tinha o cabelo escuro cuidadosamente penteado para trás. Era o tipo de cabelo que gostava que tivessem todos os seus homens. Todos os seus homens?

Tamsin sorriu. «Os seus homens» não existiam senão na sua imaginação.

Mas aquele era muito bonito. As suas feições pareciam esculpidas, como as de uma escultura de Rodin. E tornava-se intensamente masculino, intensamente atraente e sedutor.

Que mais? Certamente, não era o tipo de homem que viveria naquela zona remota da Austrália. Mesmo sem as medalhas, seria o tipo de pessoa que toma café em chávenas de porcelana ou pede um cocktail no bar da moda de Saint Moritz, com um pequeno Lamborghini estacionado à porta.

E esse não era o seu tipo de homem, definitivamente. O seu estilo era mais... era mais nenhum. Tamsin preferia um pouco de água quente com umas folhas de eucalipto à noite.

Que faziam aqueles dois homens ali?

O burocrata devia ter mais de cinquenta anos, era mais robusto e usava o colarinho da camisa muito apertado. Em comparação, o mais novo tinha um ar inteligente e sofisticado.

Que par. Faziam um casal absurdo naquele lugar. Vestidos como se estivessem prestes a receber um rei, quando para recebê-los só estava Tamsin, sentada num arnês a dez metros do chão.

Que quereriam dela?

– Menina Dexter? – chamou-a o que tinha ar de burocrata.

Menina Dexter?

– Isto é ridículo – disse o homem em voz baixa. – O tipo de mulher que estamos à procura não trabalharia num lugar assim.

Devia haver montes de meninas Dexter na Austrália. Certamente aqueles tipos tinham acabado de sair da rodagem de um filme e tinham-se enganado no caminho.

– Menina Dexter? – repetiu o homem.

Tamsin não respondeu. Mas ao olhar para o mais novo o seu coração deu um salto. Possivelmente era uma premonição, possivelmente aqueles homens não se tinham enganado.

– Menina Dexter? – repetiu o burocrata com tom exasperado.

– Estou aqui em cima. Que querem?

 

 

A voz da jovem surpreendeu Marc.

O encarregado tinha-lhe confirmado que Tamsin Dexter estava a trabalhar ali e ele reagiu com incredulidade. Que fazia alguém da família de Lara naquele sítio? Há vinte e quatro horas que se perguntava o mesmo, desde que tinha falado com o detective.

– Encontrei Tamsin Dexter. Tem vinte e sete anos, é solteira e trabalha como arboricultora no serviço nacional de parques em Bundanoon, a uma hora de Camberra. Podia ir visitá-la depois da recepção.

O detective privado tinha credenciais muito boas, mas Marc reagiu com absoluta estupefacção. Como é que uma arboricultora podia ser irmã de uma mulher como Lara? Não fazia sentido.

Mas a recepção em Camberra era inevitável. E como chefe de estado de Broitenburg, era sua obrigação assistir.

E quando por fim conseguiu localizar a tal Tamsin Dexter, estava em cima de uma árvore, num arnês.

Era magra, fibrosa... e parecia forte. Usava umas calças caqui e botas de couro com os cordões partidos.

Que mais? Era jovem e estava em forma. Tinha o cabelo escuro preso por um elástico, mas caíam-lhe alguns caracóis pelo pescoço. Parecia que não lhe passava um pente há várias semanas... embora possivelmente isso fosse injusto. Se ele tivesse que trabalhar em cima de uma árvore, possivelmente o seu cabelo teria o mesmo aspecto.

Tamsin tinha a pele bronzeada e os olhos claros, embora vista de baixo não conseguisse dizer se eram verdes, azuis ou cor de mel.

Mas as parecenças com Lara eram evidentes.

O detective estava certo. Aquela era a Tamsin Dexter de que estavam à procura.

– Que querem? – repetiu a jovem, olhando para eles como se fossem estranhos... embora, tendo em conta a roupa que usavam, possivelmente tivesse razão.

– Tenho que falar consigo – disse Marc.

– Sobre quê?

– Você é Tamsin Dexter?

– Sim – respondeu ela, sem se mexer.

– Menina Dexter, você está a falar com Sua Alteza Real o príncipe Marc, regente de Broitenburg – interrompeu-os o burocrata. – Importa-se de descer daí?

Um príncipe... O que aconteceria se fosse mal-educada com um príncipe?, perguntou-se Tammy.

– Muito bem, o seu amigo é um príncipe. E quem é você?

– Sou Charles Debourier, o embaixador...

– Não me diga, o embaixador de Broitenburg.

– Sim.

– E Broitenburg fica... na Europa? – sorriu Tammy.

Tinha um sorriso aberto, quase descarado, totalmente diferente do de Lara. Mas ele não queria perder tempo com uma mulher. Especialmente com aquela.

– Você não sabe onde fica Broitenburg? – atacou o embaixador.

– Nunca me interessei por geografia. E deixei a escola aos quinze anos.

Genial. Além de ser irmã de Lara, era praticamente analfabeta.

– Broitenburg faz fronteira com a Áustria de um lado e com a Alemanha do outro – dizia o embaixador, mas Tammy não parecia impressionada. – E é um país importante.

– Deve ser importante, para ter embaixador na Austrália – sorriu Tammy. – É um prazer conhecê-los, Alteza e embaixador, mas estou com muito trabalho.

– Já lhe disse que tenho que falar consigo – insistiu Marc, irritado.

– Porquê? Têm árvores doentes em Broitenburg?

– Pois...

– Não estou interessada. Já tenho trabalho aqui.

Ela acreditava mesmo que tinha ido até ali desde Broitenburg, vestido com aquele uniforme ridículo, para lhe pedir que tratasse de umas árvores? Marc não acreditava.

Ele odiava o uniforme. Odiava a ostentosa limusina, o motorista, a realeza em geral...

E a única forma de se livrar de tudo isso era através daquela rapariga.

– Não estou a oferecer-lhe trabalho.

– Então?

– Vim pedir-lhe que assine uns papéis – respondeu Marc. – Para poder levar o seu sobrinho comigo para Broitenburg.

 

 

Silêncio.

O silêncio durou muito tempo, mas Tammy não parava de olhar para baixo. Tinham-lhe feito muitas ofertas de trabalho, mas aquilo...

Charles, o embaixador, descobriu que tinha formigas no sapato e começou a espezinhá-las.

– Desculpe, mas essas formigas são de uma espécie protegida – avisou-o Tamsin. – Isto é um parque nacional. As formigas têm mais direitos que você.

Charles olhou para Marc, desconfortável, mas este não disse nada. Então encolheu os ombros e voltou para a limusina. Tinha feito o seu trabalho. Um embaixador não passa o tempo a andar pelo campo, suportando o ataque de umas formigas furiosas.

– Disse que quero levar o seu sobrinho... – começou a dizer Marc.

– Já ouvi. Mas não sei do que está a falar – interrompeu-o Tamsin.

Marc concordou. Já estava à espera. Tamsin não tinha assistido ao funeral da irmã e não tinha contacto com o seu sobrinho. Se não fosse pelo departamento de emigração, podia levar o menino imediatamente. Certamente, ela nem sequer admitiria ser responsável por ele. E ao pensar em Henry sozinho, maltratado, Marc ficou furioso.

– Se nos tivesse contactado tinham-lhe dito que o menino deve voltar para Broitenburg, mas precisamos do seu consentimento.

– De que está a falar?

– Da ama e do departamento de emigração. Você não pode levantar nenhuma objecção, menina Dexter. Se eu não tivesse pago o salário da ama, o pirralho estaria agora mesmo num orfanato. Você, a sua irmã e a sua mãe... deviam prendê-las às três. Sinto muito, mas a sua irmã já não pode tomar conta dele, a sua mãe pouco se importa e, aparentemente, você também. Eu só quero que assine os papéis. Se o fizer, levarei Henry para Broitenburg e não terá que tomar conta dele.

Tamsin olhou para ele com uma expressão confusa.

– Henry?

Nem sequer se lembrava do nome do sobrinho? Aquilo era o cúmulo.

– O seu sobrinho.

– Eu não tenho sobrinhos.

– Claro que sim.

– Claro que não. Parece que me confundiu com outra pessoa. Eu só tenho uma irmã, Lara, que não vejo há anos. A última vez que nos vimos andava a sair com um milionário... e não acredito que tenha nenhuma criança. Lara não se arriscaria a engordar nem um grama. E agora, se me desculpa...

Aquilo era absurdo, pensava Marc. Tinha reconhecido ser irmã de Lara...

– Lara Dexter era sua irmã?

– É minha irmã – respondeu ela.

Marc respirou profundamente. Não tinha esperado aquilo. Se não sabia mesmo...

– Menina Dexter, a sua irmã casou-se com o meu primo Jean Paul e... morreram num acidente de esqui há cinco semanas. Tiveram um filho, Henry, que agora vive em Sidney. Uma ama está a tomar conta dele, mas não estamos contentes com ela. Agora mesmo, o menino tem dez meses e eu vim à Austrália porque quero que assine uns papéis para poder levá-lo para Broitenburg.

 

 

Tammy ficou gelada. Lara tinha morrido?

– Não acredito – murmurou, voltando para o seu trabalho.

– Sinto muito, a sério.

– Eu também sinto muito, mas não acredito! Você chega aqui com esse fato estúpido cheio de medalhas, como se fosse um rei ou uma coisa do género, com um motorista e... e diz-me que a minha irmã está morta.

– Lara morreu, menina Dexter.

– Não acredito.

– Importa-se de descer daí?

– Não – respondeu ela, continuando com o seu trabalho como se nada se passasse.

– Menina Dexter, tem que o aceitar. A sua irmã morreu. Quer descer da árvore de uma vez por todas?

Tamsin ficou a olhar para ele e ele devolveu-lhe o olhar sem dizer uma palavra.

Tinha uma cara apaixonante; traços fortes, decididos, olhos calmos, como os de um homem que diz a verdade.

Podia aceitar ou rejeitar o que lhe estava a contar...

Passados uns minutos, ele continuava sem dizer nada. Pelo menos tinha bom-senso suficiente para lhe dar tempo.

E, por fim, Tammy enfrentou o inevitável. Era verdade, a sua irmã tinha morrido. Apesar das incongruências da situação, aquele homem estava a dizer a verdade.

A sua irmã. A sua irmã mais nova...

Lara não tinha querido saber nada dela durante vários anos. Lara e a sua mãe viviam num mundo aparte com o qual Tammy não tinha nada a ver, mas quando eram pequenas era ela quem tomava conta da sua irmã. Antes de nascer, Tammy não tinha nada e quando Lara se tornou mais velha e uniu forças com a mãe, ficou sem nada outra vez. Mas durante a infância...

Lara tinha cinco anos a menos que ela. Devia ter vinte e dois naquela altura.

Lara tinha morrido?

A recordação de uma menina pequena envolta em mantinhas apareceu na sua mente e, com a imagem, uma dor insuportável, dilacerante.

– Desça – insistiu Marc.

Suspirando, Tammy ajustou o arnês para descer e enfrentar o inevitável.

Mas desceu demasiado depressa.

Há anos que subia e descia de árvores. Podia fazê-lo a dormir ou de olhos fechados, mas... a mão escorregou-lhe e desceu abruptamente. Não tão abruptamente para se magoar, mas o suficiente para que Marc tivesse que segurá-la.

Tammy encontrou-se nos seus braços; uns braços fortes, de bíceps duros.

A palavra forte descrevia-o muito bem. O seu corpo era sólido como uma pedra. Ela media um metro e sessenta e oito e sentia-se pequena ao lado daquele homem.

– Magoou-se?

Estavam tão perto que sentiu o desejo absurdo de apoiar a cara no seu peito e desatar a chorar.

Mas não. Não chorava há muito tempo e não ia fazê-lo agora.

– Estou bem – disse em voz baixa.

– A sério que não sabia que a sua irmã tinha morrido?

Tammy concentrou-se nas medalhas do fato. Inclusive contou-as: seis.

– Não sabia? – insistiu ele, levantando o queixo dela com um dedo.

Tinha uns olhos bonitos, cinzentos. Uma rapariga podia perder-se naqueles olhos. Qualquer coisa menos suportar aquela dor...

– A minha irmã e eu não nos dávamos bem.

– Sinto muito.

– Não precisa.

O homem soltou-a, mas fê-lo de uma forma curiosa. Como se não quisesse soltá-la.

Perguntas. Tinha que lhe fazer perguntas. Tinha que saber...

– Disse que morreu num acidente?

– Sim.

– Como?

– Estavam num trenó, numa zona bastante perigosa. E receio que... tivessem bebido.

O nó que Tammy tinha na garganta tornou-se insuportável. «Estúpida», pensou. «Lara, como pudeste ser tão estúpida?»

– Quer dizer que a minha irmã estava casada com o seu primo.

– Sim.

– E o seu primo também morreu?

– Jean Paul também morreu.

Tammy observou a sua cara para encontrar algum traço de dor, mas não encontrou nada.

– Sinto muito.

– Suponho que o sentimos os dois.

Tinha uma voz bonita, profunda, masculina. Com resquícios de sotaque francês, mas muito leve.

Não devia estar a pensar no sotaque daquele homem... Ou talvez o fizesse para se distrair.

Lara estava morta.

Que mais tinha dito, que tinha um filho?

– Não posso acreditar que a sua mãe não lhe tenha contado.

– A minha mãe sabe?

– É óbvio. Esteve em Broitenburg para o funeral de estado.

Um funeral de estado. A sua mãe gostava disso, pensou Tammy. Isobelle Dexter de Bier num funeral de estado. Devia ter sido espectacular... inclusive podia imaginar o que teria vestido. Devia ser uma coisa muito elegante, preta, em renda. Com um véu, é óbvio. E um lenço branco para fingir que secava as lágrimas.

– Estava... sozinha?

– O seu padrasto foi com ela.

Ah, claro. O seu padrasto. Qual deles? Tammy mordeu a língua. Isobelle já não se importava em casar-se com os seus amantes. Quando Lara nasceu, ia no quarto marido.

Lara tinha morrido?

Ela devia ter estado no funeral, como esteve com Lara durante a infância. De todas as coisas más que a sua mãe lhe tinha feito, aquela era a pior. Enterrá-la sem lhe dizer…

– Você gostava da sua irmã? – perguntou Marc.

– Gostava. Há muito tempo.

– E tinham perdido o contacto?

– Sim.

– E com a sua mãe?

– Acha que a minha mãe admitiria ter uma filha que é arboricultora e que tem este estilo?

Ele olhou para ela de cima a baixo, mas o seu rosto permanecia impassível.

– Não sei. Possivelmente não.

– Olhe, acho que preciso de tempo para aceitar isto tudo – suspirou Tammy. – Tem um cartão ou uma coisa do género? Eu ligo-lhe...

Precisava de ficar sozinha. Tinha aprendido que a solidão era o único remédio para a dor. Não a consolava, mas sozinha conseguia suportá-la melhor.

– Neste momento não tenho vontade de falar...

– Sinto muito, mas não posso fazer isso.

– Por que não?

– Tenho que ir para Sidney esta noite e depois vou para Broitenburg – respondeu Marc. – Trouxe os papéis comigo, menina Dexter. Assine-os e assim poderei levar Henry. E você terá toda a solidão de que precisa.

Capítulo 2

 

Não estava à espera daquilo. Marc não sabia como era a irmã de Lara, mas certamente não esperava que fosse a mulher que tinha à sua frente.

Não sabia nada sobre a morte de Lara... E a sua mãe? Que tipo de mãe esconde de uma filha a morte da irmã?

Isso não lhe dizia respeito, disse para si mesmo. A sua missão era conseguir que assinasse os papéis e voltar para Broitenburg o quanto antes. A morte de Jean Paul tinha suscitado um problema sério no país. Tinha que voltar com o menino.

Só precisava da assinatura de Tamsin Dexter…

Possivelmente só teria que lhe pôr os papéis à frente e dizer: «Assine». Ela parecia tão aflita que certamente assinaria sem pensar. Devia dar-lhe tempo, devia deixar que fosse ela a tomar a decisão, mas estava a lutar pelo seu país. O país de Henry. A herança de Henry.

E a sua própria liberdade.

– Preciso que assine os papéis – insistiu, levando-a até ao carro.

– Que papéis?

– Para levar Henry daqui.

– Continuo sem perceber do que está a falar – murmurou Tammy, pálida.

Marc estendeu a mão para apertar a da jovem, mas retrocedeu. Devia ter o menor contacto possível com ela. Ele não podia consolá-la.

– Preciso que assine uns papéis para poder levar Henry para Broitenburg.

– Henry?

– O filho de Lara.

– Lara tinha um filho?

– Sim.

– Um menino? Ninguém me tinha dito nada. Estava casada quando o teve?

– Naturalmente. A sua irmã casou-se com Jean Paul e teve tudo o que queria: um casamento real, um palácio, criados, dinheiro, luxos que não é possível imaginar...

– Ela não teria querido ter um filho.

Marc concordou. Isso coincidia com o que ele pensava de Lara, mas havia uma explicação.

– Jean Paul precisava de um herdeiro, porque era o príncipe de Broitenburg. Não se teria casado com Lara se ela não lhe quisesse dar filhos.

Tammy ficou pensativa. Certamente Lara tinha aceite ter um filho a troco de se casar com um príncipe. O dinheiro e o status eram tudo para ela.

– Como se chama o menino?

– Henry.

– Mas você disse que Henry está aqui, na Austrália.

– Lara mandou-o para Sidney há quatro meses.

– Porquê?

– E isso interessa para alguma coisa?

– Claro que interessa – respondeu Tammy. – Disse-me que a minha irmã teve um filho, que se casou com um príncipe, que agora está morta e que você quer levar essa criança... Por que está aqui? Por que tenho que assinar alguma coisa? Que tenho eu a ver com tudo isto?

Marc respirou fundo. As complicações tiravam-no do sério; e a expressão daquela rapariga deixava claro que ia tê-las.

– Lara fê-la a si tutora legal do filho em caso de morte. Se o menino estivesse em Broitenburg, isso não teria interessado, mas está em Sidney e o departamento de emigração não me deixa levá-lo sem a sua autorização.

Aquilo era demais. Tammy tirou um walkie-talkie do cinturão sem olhar para Marc.

– Doug? As pessoas que chegaram na limusina, à minha procura... dizem que a minha irmã morreu e que tenho um sobrinho. Posso ir a Sidney agora mesmo...? Tenho que ir, Doug. Diz a Lucy que se encarregue desta árvore... Não, não sei quando volto.

Depois, pôs o walkie-talkie no chão, junto ao arnês, e pôs uma mochila ao ombro.

– Leve-me a Sidney.

– Para quê?

– Acaba de me dizer que tenho um sobrinho e que sou sua tutora.

– Ele não precisa de si.

– Não? Então, tem alguém que trate dele, alguém que goste dele?

– Tem uma ama. E quando chegarmos a Broitenburg contratarei uma pessoa competente.

Competente. A palavra ficou suspensa entre os dois, mas Marc soube que não era suficiente.

– Porque é que Lara mandou o filho para a Austrália?

– Não sei – admitiu ele. – Também me pareceu estranho. Mas Jean Paul e ela foram para Paris, de seguida para Itália e para a Suíça... Não os vi desde que o menino nasceu. E descobri que estava na Austrália depois do acidente.

– O menino...

– Henry – disse Marc então, como se acabasse de se aperceber de como isso soava frio.

– Sim, Henry. O menino. Quantos meses tem?

– Dez.

– E é herdeiro de um trono?

– Sim.

– E quer levá-lo para Broitenburg para que trate dele um monte de amas competentes até se tornar rei, não é?

– Príncipe – corrigiu-a ele. – Broitenburg é um principado.

– Bom, é a mesma coisa. Você é casado?

– O quê?

– Ouviu bem. Você é casado?

– Não, eu...

– Henry não tem mãe.

– Já lhe disse que contratarei uma ama... a melhor.

– Mas como tutora legal de Henry, sou eu quem decide se o deixo sair da Austrália ou não, não é verdade?

Tinha-o encurralado. Marc não queria admiti-lo, mas assim era.

– Se se negar a deixar que o leve para Broitenburg, solicitarei a custódia legal.

– Faça-o. Vai-se embora amanhã, não é? Pois não acredito que em vinte e quatro horas lhe dêem a custódia de uma criança.

Marc respirou fundo, tentando controlar-se.

– Você não sabia da existência desse menino até há cinco minutos atrás. Não pode querê-lo.

– E por que o quer você?

– Porque faz parte da família real de Broitenburg. Uma parte muito importante. Tem que voltar para casa.

– Mas também faz parte da minha família – replicou Tammy, abrindo a porta da limusina. – Se calhar precisa de mim. E acho que sou eu quem deve tomar essa decisão...

– Que está a fazer? – perguntou Marc, ao ver que atirava a mochila para o banco da frente.

– Quer que vá para Sidney de autocarro? Em qualquer dos casos, não estou a pensar assinar nada até ter visto Henry... e então, logo se vê.

 

 

Foi uma viagem desconfortável.

Por que quereria ir a Sidney?, perguntava-se Marc. A maioria das mulheres, todas as mulheres que ele conhecia, teria demorado horas a preparar a viagem. Horas para decidir o que iam levar, o que deixavam ficar... Mas Tammy parecia ter tudo o que precisava naquela mochila.

– Que leva na mochila?

– Uma tenda, um saco-cama, uma escova de dentes e água para vinte e quatro horas – respondeu ela. – Estávamos a pensar dormir aqui esta noite.

– E onde está a pensar dormir agora, num parque de campismo?

– Não, num hotel. Não se preocupe comigo, não quero que me faça nenhum favor.

Como raios ia convencê-la a assinar os papéis?, perguntou-se Marc. Parecia zangada com ele, furiosa inclusive.

Mas o dinheiro certamente resolveria o problema. A sua irmã tinha-se casado por dinheiro e, sem dúvida, o dinheiro seria a solução para levar Henry.

Mas teria que ir com cuidado. Tinha que lhe dar tempo. Se lhe oferecesse dinheiro imediatamente, ela podia atirar-lho à cara. Aquela rapariga tinha carácter.

Não. Era melhor deixar que visse o menino e convencê-la depois de que Henry devia viver em Broitenburg...

Conseguiria fazer isso numa noite?

Devia fazê-lo, pensou. Tinha que ser.

Tinha que o levar para casa! A morte de Jean Paul tinha causado inumeráveis problemas e a monarquia não estava a passar pelos seus melhores momentos. O seu primo Jean Paul governava o país como se fosse um pequeno tirano, enchendo os seus cofres com impostos, manipulando o parlamento... O país estava a precisar de sérias reformas políticas e a única forma de as fazer era assegurando a continuidade da dinastia que ocupava o trono.

E para isso tinha que levar Henry para Broitenburg.

Mas era tudo tão complicado... Marc não sabia que Lara tinha registado Henry na Austrália e que o menino tinha dupla nacionalidade. As autoridades australianas não o deixariam sair do país sem a autorização de Tammy Dexter, de modo que o que começou por ser uma visita relâmpago tinha acabado num pesadelo.

– Quem está a tomar conta dele? – perguntou Tammy.

– Uma ama, já lho disse.

– E como é?

– Sinto muito, mas...

– Não sabe?

– É uma rapariga australiana – suspirou Marc. – Contratei-a através de uma agência quando a ama que veio com a sua mãe se foi embora sem avisar.

– A minha mãe!

– Lara mandou Henry para a Austrália com a sua mãe.

– Não pode ser verdade.

– Julgo que se encontraram em Paris, quando Henry tinha seis meses. Quando a sua mãe voltou para a Austrália, Lara pediu-lhe que trouxesse Henry.

– Isso é impossível. A minha mãe nunca teria aceite tratar de uma criança...

– Trouxe uma ama, instalou-os num hotel e desapareceu.

– Isso já acredito – suspirou Tammy.

– O problema é que ninguém pagava à ama, por isso, ela desapareceu. A sua mãe assegurou-me no funeral que o menino estava a ser bem tratado e pensei... pensei que estaria com a sua família. Um erro. Pouco depois soubemos através dos Serviços Sociais que o menino tinha sido abandonado.

– Meu Deus!

– Por isso, contratei uma ama australiana através de uma agência e vim a Sidney assim que pude.

Tammy olhava para ele, incrédula. Era lógico, pensou Marc. Ele também tinha pensado o mesmo quando recebeu a chamada dos Serviços Sociais australianos. Quando soube que o herdeiro do trono de Broitenburg tinha sido abandonado num hotel, sentiu vontade de estrangular alguém. Felizmente, a imprensa não tinha descoberto nada.

Sabia que Isobelle tinha levado a criança para a Austrália e supôs que estaria a ser bem tratada. Mas quando ligou à mãe de Lara...

– Esse menino não tem nada a ver comigo – respondeu-lhe Isobelle. Estava no Texas, com o seu novo amante, milagrosamente recuperada depois da morte da filha e demasiado ocupada para se encarregar do seu neto. – Sim, eu deixei o menino e a ama num hotel, mas pensei que Jean Paul e Lara se encarregariam do salário. Se não lhe pagaram, eu não tenho culpa.

Marc ficou perplexo. Se o seu primo estivesse vivo, tê-la-ia estrangulado com as suas próprias mãos.

E quando chegou à Austrália encontrou aquilo.

– A partir de agora será bem tratado – assegurou-lhe.

– Claro que sim – replicou Tammy. Mas estava a falar consigo mesma, não com ele.

 

 

O hotel em que Henry e a ama estavam alojados era o melhor de Sidney, naturalmente. O porteiro fez uma ligeira vénia ao ver Marc e fez uma cara de surpresa ao ver Tammy.

Havia um tapete vermelho que conduzia às portas giratórias, uma cascata verdadeira de um lado do hall de entrada, lustres de cristal e um grande piano. As notas de Chopin confundiam-se com o barulho da água.

Era ali que Marc tinha instalado Henry e a ama? O dinheiro não parecia ser um problema para Sua Alteza.

Mas ela não estava a pensar deixar intimidar-se. Tammy deixou cair a mochila, limpou o pó das calças e olhou à volta.

– Não quer ficar na embaixada esta noite, Alteza? – perguntou Charles, nervoso.

– Vem buscar-nos amanhã às onze – respondeu Marc, olhando para o relógio. – O avião parte às duas.

– Com certeza – murmurou o homem, com uma expressão preocupada.

Marc e Tammy ficaram sozinhos no hall de entrada. Um príncipe e a sua princesa? Não, claro que não. Tammy olhou para Marc, em seguida, olhou para as suas botas sujas e quase deu uma gargalhada.

Quase. Tinha um nó no coração que não a deixava sorrir.

– Leve-me ao quarto de Henry.

– Não quer tomar um duche antes?

Ela fulminou-o com o olhar.

– Quantos meses disse que tinha?

– Dez.

– Acha que ele se vai importar por as minhas botas estarem cobertas de pó?

– Não...

– Então, qual é o problema?

O porteiro continuava à espera e, pela sua expressão, Tammy diria que estava disposto a pô-la dali para fora a qualquer momento.

– Não há problema. Não vou atacar Sua Alteza. Só quero ver o meu sobrinho – disse-lhe, irónica, antes de se dirigir à recepção.

Surpreendido, Marc encolheu os ombros e seguiu-a.

 

 

A suite que Henry e a sua ama ocupavam ficava no sexto andar. Marc bateu à porta uma vez, esperou um momento e logo voltou a bater. A porta abriu-se imediatamente.

O instinto de qualquer um que entrasse naquela suite seria olhar pelas enormes janelas, porque o quarto tinha uma extraordinária vista panorâmica do porto de Sidney e do edifício da Ópera, mas para Tammy isso não tinha interesse nenhum. Só lhe interessava Henry e entrou no quarto sem esperar que a convidassem.

O menino era exactamente igual à sua irmã!

Lara, em pequena, era linda. Bom, foi sempre linda. Era uma criança morena com uns olhos castanhos que pareciam ocupar a cara toda. E um sorriso com o qual conseguia iluminar um quarto inteiro.

E Henry era exactamente igual. A diferença era que o menino não sorria. Estava sentado no seu berço, a olhar para a janela. Tinha uns olhos enormes, mas no seu rosto não havia nem sombra do sorriso com que Lara parecia ter nascido.

Quando Tammy e Marc entraram no quarto, voltou a cara, mas não pareceu entusiasmado pela visita.

Parecia um menino que não tinha ninguém.

A televisão tinha o volume no máximo. E não havia um só brinquedo no berço.

Por amor de Deus...

Tammy deixou cair a mochila e pegou em Henry ao colo. Ao enterrar a cara entre os caracóis do seu sobrinho e respirar o delicioso aroma de criança pequena, o coração encolheu-se. Até àquele momento, o que Marc lhe tinha contado era como uma fantasia, mas então tornou-se real.

E, pela primeira vez em muitos anos, desatou a chorar.

O menino não respondeu. A sua expressão não mudou absolutamente nada e permanecia rígido nos seus braços.

Tammy tentou controlar-se. Marc olhava para ela sem saber o que fazer e a ama... a ama não devia ter mais de dezoito anos.

Também ela não sabia o que fazer, de modo que se deixou cair numa poltrona para olhar de perto para o sobrinho. Henry olhou para ela por uns instantes e depois voltou-se para a janela.

– Henry? – chamou-o ela.

– Não responde quando o chamam pelo nome – disse a ama. – Só tem dez meses.

– E gatinha?

– Sim.

– Então devia reconhecer o seu nome. Se gatinha, significa que se está a desenvolver de forma normal.

– Sim, é muito avançado – murmurou a ama, com expressão indiferente.

– Diz alguma palavra?

– Não, ainda não.

O pobre Henry parecia aborrecido. Possivelmente se ela tivesse tido que olhar para uma janela durante meses...

– Brinca com ele?

– Claro – respondeu a jovem, com expressão ofendida.

– Ah, sim? Pois a mim parece-me que não.

– Ouça...

– Contratarei uma boa ama quando estivermos em Broitenburg – interveio Marc. – Encontrámos Kylie à pressa...

– Ou seja, Henry esteve com Kylie e com a outra ama desde que os pais morreram – murmurou Tammy, acariciando os caracóis do pequeno. – Esteve com amas desde que nasceu?

– Imagino que sim. Não sei – respondeu Marc, suspirando.

– Alguém sabe? Alguém se preocupou com este menino? – atacou ela, furiosa.

– Eu...

– Viu alguém a abraçar o meu sobrinho? Alguém brincou com ele ou lhe leu contos? Alguém lhe deu afecto?

Marc não podia responder a isso.

– Quando chegarmos a casa será bem tratado.

– Não – disse Tammy então. – Acabaram-se as amas. Se Lara fez de mim sua tutora, Henry está em casa. Ficará na Austrália, comigo. Obrigada por me contar toda esta... tragédia, príncipe... ou lá como se chama, mas não tem que se incomodar mais. Eu fico com ele.

– Mas...

– Eu sou a sua tutora legal. E a partir de agora os outros podem ir para o inferno!