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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2011 Marion Lennox. Todos os direitos reservados.

NIKKI E O LOBO SOLITÁRIO, N.º 1337 - Julho 2012

Título original: Nikki and the Lone Wolf

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em portugués em 2012

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-0563-7

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversion ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

Estava um lobo à porta.

Muito bem, talvez não estivesse à porta, teve de admitir Nikki, recuperando o bom senso. Contudo, o uivo parecia estar muito perto e era o som mais desolador que alguma vez ouvira.

Pousou o copo na mesa, com cuidado, absurdamente contente por não ter entornado uma gota. Agora, era uma rapariga do campo e as raparigas do campo não se assustavam com lobos.

Ou talvez se assustassem.

Nikki tentou pensar com lógica. Não havia lobos em Banksia Bay, na costa norte de Nova Gales do Sul.

Seria um dingo?

O seu senhorio nunca mencionara a existência de dingos.

«Mas claro, como poderia mencionar?», pensou, amargamente. Gabe Carver era um dos homens mais taciturnos que conhecera e, desde que se tinham conhecido, a única coisa que dissera fora: «Assine aqui. A renda tem de ser paga na primeira terça-feira de cada mês. Se tiver algum problema, fale com Joe, no cais.»

Estaria em casa?

Nikki olhou pela janela e sentiu um certo consolo ao ver as luzes acesas na casa do lado. Bom, na realidade, não era a casa do lado. Ela vivia num apartamento que fazia parte de uma casa enorme, nos subúrbios da aldeia. Três divisões que tinham sido separadas do edifício principal, para serem transformadas num bonito apartamento e o seu senhorio estava do outro lado da parede, embora só partilhassem o alpendre.

Taciturno ou não, pensar que Gabe Carver estava em casa animava-a um pouco. O marinheiro rude parecia ser forte e audaz... Até a assustava um pouco. Se o lobo entrasse em casa...

Aquilo era absurdo. Nada ia entrar em casa, porque a porta estava fechada à chave. E não podia ser um lobo...

Nikki ouviu o uivo novamente, enchendo a noite de desespero.

Desespero?

Como poderia saber?

Era apenas um cão a ladrar para a lua.

Mas não parecia ser um cão.

Novamente, Nikki olhou pela janela. Lógico ou não, aquilo fazia-a sentir muito medo. O que devia fazer era pôr uma barricada na porta e ir para a cama.

Outro uivo.

De dor.

De desolação.

Fazia algum sentido ouvir dor e desolação num uivo?

«Afasta-te da janela, Nikkita», disse a si mesma. «Isto não tem nada a ver contigo, são coisas estranhas do campo.»

– Eu sou uma rapariga do campo – disse, em voz alta. – Não, não és – refutou, depois. – És uma rapariga da cidade, que vai viver em Banksia Bay durante três semanas. Vieste para aqui porque o canalha do teu chefe te partiu o coração e foi uma loucura, porque tu não sabes nada da vida do campo.

Mas o seu senhorio estava muito perto. Cães? Lobos? Fosse o que fosse, ele também tinha de o ouvir e, se houvesse algum problema, lidaria com isso ou chamaria Joe.

Ela ia para a cama.

 

 

Os uivos enchiam a noite, ecoando na velha casa.

Lá fora, havia um cão perdido.

«Não é um problema meu», pensou Gabe.

Mas voltou a ouvir o uivo, triste como a morte, enchendo-o de angústia. Se Jem estivesse ali, teria ido investigar...

Tinha tantas saudades, que era como se tivesse perdido uma parte de si mesmo. Estava sentado na poltrona à frente da lareira e as coisas continuavam como sempre, mas o lugar aos seus pés estava vazio.

Encontrara Jem há dezasseis anos, uma collie que parecia uma bola de pelo e ossos, a comer um peixe podre na praia.

Afastara-a do peixe, esperando que tentasse mordê-lo, mas o cachorrinho faminto virara-se para lhe lamber a mão... Selando uma amizade para sempre.

Jem morrera enquanto dormia, há três meses, mas Gabe continuava a estender a mão quando se sentava naquela poltrona, à espera de lhe tocar no pelo. À espera que estivesse ali.

O uivo interrompeu os seus pensamentos. Era impossível ignorá-lo.

Gabe praguejou.

Muito bem, não queria envolver-se. «Porque haveria de o fazer?», perguntou a si mesmo. Mas não conseguia suportá-lo. O uivo vinha da praia e se um cão estivesse preso... A maré estava prestes a subir.

Porque é que um cão estaria preso na praia?

O uivo... Outra vez.

Gabe suspirou. Deixando de lado o livro que estava a ler, calçou botas, pôs o velho chapéu de marinheiro que era como uma segunda pele para ele e dirigiu-se para a porta.

Na verdade, estava farto de olhar para a lareira. Quando a mulher o abandonara, tomara a decisão de não viver com mais ninguém. As relações sentimentais acabavam sempre em desastre, mas isso não significava que gostasse da sua vida solitária. Com Jem, não se importava de estar só.

Mas agora não era assim.

 

 

O pijama de seda estava sobre o bonito edredão cor-de-rosa, à espera que o vestisse, mas os uivos continuavam.

Não conseguia suportá-lo.

Não era uma rapariga do campo, mas era evidente que o animal que uivava estava em perigo ou muito assustado. E aquele uivo continha toda a tristeza do mundo.

O seu senhorio deveria encarregar-se de descobrir o que se passava, mas fá-lo-ia?

No dia em que chegara a Banksia Bay, preocupara-se com a canalização da casa de banho antiga e decidira falar com o senhorio a respeito disso.

Gabe estava na rua, a cortar lenha, e Nikki hesitara antes de se aproximar, intimidada com a sua estatura e a expressão séria do seu rosto. A cortar lenha, parecia um ator de cinema.

Na verdade, tirara a camisa e era uma bonita visão. E Nikki tivera de ganhar coragem para se aproximar, sentindo-se como Oliver Twist a pedir um prato de comida no orfanato.

– Desculpe, importa-se de tratar do problema da canalização? Faz um barulho horrível.

– Peça a Joe – limitara-se a dizer, antes de se virar.

Nikki ficara perturbada.

Durante os dias seguintes, tentara suportar o barulho da canalização, mas depois fora falar com Joe, um velho pescador que vivia num barco atracado no porto. O homem prometera resolver o problema nessa tarde, mas enquanto falavam, um barco de pesca passara ao seu lado. Enorme, pintado recentemente, brilhante e com o casco rodeado de lanternas que, conforme lhe explicara Joe, eram para atrair aos polvos e as lulas.

O senhorio estava ao leme.

Continuava a ser perturbador. Grande, forte, poderoso.

E continuava a provocar as suas hormonas.

– Gabe pesca de tudo – dissera Joe. – Alguns vêm aqui só para pescar lulas ou atum e baixam os preços – o homem suspirara. – Fui pescador durante toda a minha vida e vi muitos a perderem tudo, mas Gabe compra-lhes os barcos e segue em frente. Saiu daqui durante um tempo, mas voltou quando as coisas ficaram feias e deu-nos uma ajuda. Seis dos barcos que há aqui são dele.

Ao leme do barco, Gabe tinha um ar imponente. Usava um chapéu desbotado, um impermeável, botas de borracha e uma camisa aos quadrados, com as mangas arregaçadas, revelando uns braços que eram quatro vezes o tamanho dos de Nikki.

Depois de um dia no mar, precisava de se barbear. E o cabelo preto e espesso, que precisava de um bom corte, estava rígido por causa do sal.

Gabe cumprimentou Joe, mas sem sorrir.

Dava a impressão de que nunca sorria.

Comprava os barcos dos outros pescadores, quando tinham problemas? Ganhava dinheiro com a miséria dos outros?

As suas hormonas precisavam de encontrar outro homem com quem fantasiar e depressa.

– Então, imagino que não será muito popular por aqui – aventurara. Mas Joe olhara para ela como se estivesse louca.

– Sem Gabe, a indústria pesqueira de Banksia Bay desapareceria. Compra os barcos das pessoas com problemas a um preço justo e depois contrata-as para trabalharem com ele. Agora, tem trinta homens e mulheres a trabalhar para ele, e todos ganham mais dinheiro do que quando trabalhavam por conta própria. Todos eles dariam a vida por ele. Embora nunca o pedisse, pois Gabe nunca pede nada. Se alguém tiver um problema, Gabe faz o que pode para ajudar, custe o que custar, mas não quer que lhe agradeçam. Depois do seu casamento desastroso, não quer travar amizade com ninguém e todos respeitam isso.

Joe ficara calado, observando como Gabe manobrava o barco, para atracar num sítio que parecia muito pequeno. Fazia-o como se estivesse a estacionar um Mini, como se tivesse todo o espaço do mundo.

– Mas agora morreu a cadela, Jem. Não sei... Nunca o vimos sem ela e agora... – o homem abanara a cabeça. – Bom, vamos ver a canalização.

Isso fora há duas semanas.

Outro uivo devolveu-a ao presente. Um cão com problemas. Um cão abandonado.

Tinha de fazer alguma coisa.

Mas não devia fazer nada. Era algo que devia ser resolvido pelo seu senhorio.

Ouviu o uivo novamente, comprido e aterrador.

Nikki vestiu o casaco do pijama com um ar determinado.

E se o seu senhorio não estivesse em casa? E se se tivesse ido embora, deixando a luz acesa?

Lá fora, havia um cão com problemas.

Mas não era um problema dela.

Nikki fechou os olhos.

Outro uivo.

Suspirando, tirou o pijama e vestiu as calças de ganga. De marca. Tinha de fazer alguma coisa com a sua roupa.

Tinha de fazer alguma coisa com o cão.

– Onde haverá uma lanterna?

E se fosse um dingo?

Nikki pegou no telemóvel e verificou se tinha rede e bateria.

Havia um atiçador ao lado da lareira... Naquele momento, não estava acesa. Ou melhor, acendera-a uma vez, mas saíra tanto fumo que tivera de a apagar. O que devia fazer quando saía fumo da lareira?

Comprar um aquecedor.

Outro uivo... Agora, eram quase contínuos.

Já bastava.

Com o atiçador numa mão e a lanterna na outra, Nikki saiu para ir investigar.

 

 

A praia escura estava cheia de arbustos que chegavam quase até à margem, mas Gabe vivera ali durante toda a sua vida e não precisava de lanterna. O feixe limitado da luz de uma lanterna ia impedi-lo de ver a paisagem.

Quando chegou à praia, olhou para ambos os lados, seguindo o uivo... E viu-o.

Era um cão grande e fraco, muito fraco, que uivava com toda a tristeza do mundo.

Gabe deu um passo em frente, com cuidado, para não o assustar, andando como se estivesse a passear pela praia e nem sequer o tivesse visto.

Mas o cão viu-o. Parou de uivar e recuou um par de passos, para a água, aterrorizado.

Parecia um cão cruzado com algo... Preto, fraco e desolado.

– Não há problema – disse, em voz baixa. – Vá lá, rapaz, não há problema. Vais dizer-me o que fazes aqui?

O cão ficou muito quieto. Teria saltado de um barco?

Pensou em Jem, a tremer na praia, há dezasseis anos. Jem, a partir-lhe o coração.

Aquele cão não tinha nada a ver com Jem. Não era Jem.

Mas não podia deixá-lo ali. Se conseguisse pô-lo na carrinha, levá-lo-ia para o refúgio de Henrietta, para animais abandonados.

Só faria isso. Os cães partiam o coração, quase tanto como as pessoas.

– Não vou magoar-te – murmurou. Devia ter levado bolachas, algo que o animasse. – Queres ir para a minha casa e comer?

O cão voltou a recuar. Aparentemente, não queria companhia.

«Devia ir buscar um bife», pensou. Sem isso, não conseguiria apanhá-lo.

– Fica aqui. Voltarei com o teu jantar, em dois minutos. Gostas de bifes?

O cão estava quase dentro de água. Era tolo ou só agia de maneira irracional?

– Dois minutos – prometeu. – Não te vás embora.

 

 

O cão estava na praia. Assim que saiu para o alpendre, Nikki imaginou que era ali onde estava, porque era dali que vinham os uivos. Devia bater à porta do senhorio?

«Se estiver em casa, deve ter ouvido os uivos», pensou. E se ouvira e não fizera nada, então, não importaria se lhe pedisse. Joe dizia que Gabe Carver ajudava as pessoas... Claro...

Mas devia ir bater à sua porta?

O que era pior? O cão dos Baskerville ou o seu senhorio?

«Não sejas tola, bate à porta.»

Nikki bateu.

Nada.

Não sabia se devia sentir-se aliviada ou não.

Outro uivo.

O que poderia fazer? Chamar a polícia? E o que ia dizer? «Desculpe, mas há um cão na praia». Não fariam caso, é óbvio.

Havia um caminho desde a casa até à praia, mas só o usara algumas vezes. Era um caminho privado, cheio de arbustos e ervas daninhas. Onde começava?

Nikki procurou o caminho com a lanterna, mas a escuridão impedia-a de avançar.

Enfim, só havia cinquenta metros de arbustos entre a casa e a praia, e não eram muito espessos, por isso, podia afastá-los. E aquele uivo estava a começar a partir-lhe o coração. Parecia o uivo do cão dos Baskerville.

O pobre animal devia estar preso ou ferido.

Mas se estava preso, o que iria fazer?

Ir à praia, verificar o que se passava e depois pedir ajuda.

«Consegues fazê-lo, és adulta, uma rapariga do campo. Ou não.»

De repente, sentiu o desejo de estar de volta a Sidney, viver a vida que deixara para trás.

Mas pensaria nisso no dia seguinte. Naquele momento, o que tinha de fazer era ir até à praia para ver o que se passava.

 

 

Gabe percorria o caminho a toda a velocidade. Tencionava comer um bife ao pequeno-almoço, porque precisava de ganhar forças antes de ir pescar, mas teria de se conformar com ovos.

«Não te deixes enganar.»

– Não estou a deixar-me enganar – murmurou. – Vou dar-lhe o bife e levá-lo para o refúgio de Henrietta, fim da história.

 

 

Estava escuro.

Os arbustos eram muito espessos e a lanterna só iluminava alguns metros à frente dela.

E os uivos tinham parado.

Porquê?

O silêncio piorava a situação. De onde vinham os uivos? Onde estava o animal?

Poderia encontrar qualquer coisa: um lobo, um homem das cavernas, um violador.

«Estou a perder a cabeça», pensou. Tinha de voltar para casa, imediatamente. Mas, quando se virou, um ramo bateu-lhe na testa e quase gritou.

E os uivos tinham parado.

Onde estava o animal responsável pelos uivos?

Nikki abriu caminho entre os arbustos mas, de repente, a folhagem venceu-a e quase caiu.

Umas mãos agarraram-na pelos ombros e gritou, levantando o atiçador para bater no atacante.