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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Candace Camp. Todos os direitos reservados.

NENHUM OUTRO AMOR, N.º 231 - Fevereiro 2013

Título original: No Other Love

Publicada originalmente por Mira Books, Ontario, Canadá

Publicado em português em 2011

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2551-2

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Prólogo

 

1789

 

Helen inclinou-se sobre a criança que estava na cama. O pequeno tinha um aspecto tão necessitado e indefeso que lhe partia o coração. Estava deitado, quase imóvel, com os olhos fechados e o cabelo colava-se à testa em caracóis húmidos. O único sinal de vida era o movimento fraco do lençol, que descia e subia ao compasso da sua respiração. Há alguns segundos, estivera a murmurar em sonhos, delirando com uma febre muito alta. Minutos depois, estava tão quieto como um morto.

Helen afastou-lhe o cabelo da testa, suplicando em silêncio para que não falecesse. Há apenas dois dias que o conhecia, mas não conseguiria suportar que a criança perecesse.

Há duas noites, o senhor Fuquay chegara à estalagem numa diligência com aquela criança, o que era estranho. Alojara-se na estalagem da vila com anteriormente, quando Richard Montford ia com os seus amigos visitar o seu primo, lorde Chilton, filho do conde de Exmoor. Naquela época, corria o rumor de que o conde desprezava Richard Montford e de que não permitia que se alojasse em Tidings, a magnífica casa da família Montford. O tempo passara e, é claro, o velho morrera. Richard Montford era o novo conde, por isso era ainda mais estranho que Fuquay tivesse ido para a estalagem em vez de ficar em Tidings. E ainda mais que estivesse acompanhado de duas crianças. Aproximara-se da porta da taberna e fizera sinal a Helen. Depois de lançar um olhar rápido ao seu patrão, a rapariga saíra atrás dele. Era um homem jovem, um pouco estranho, mas sempre fora amável com ela e não foi necessário muita persuasão para conseguir fazer com que Helen lhe aquecesse a cama enquanto estava na estalagem. Sempre fora generoso e ela recordava isso com carinho.

Depois de sair da estalagem, levara-a à carruagem e mostrara-lhe as duas crianças adormecidas. Uma menina, quase escondida por baixo de um chapéu e de um casaco e um menino embrulhado numa manta, com o rosto brilhante, coberto de suor e a tremer visivelmente.

– Podes cuidar dele, Helen? – perguntara-lhe Fuquay, um pouco inquieto. – Está muito doente. Está claro que não vai durar muito, mas não posso... Compensar-te-ei – acrescentou, tirando uma moeda de ouro. – Só tens de ficar com ele e cuidar dele até ao fim. Sei que vais fazê-lo, não é verdade?

– O que tem? – quisera saber Helen, incapaz de desviar o olhar da criança. Era tão bonito, tão pequeno e tão vulnerável...

– Uma febre e está sentenciado, mas não posso... Pelo menos, devia morrer numa cama. Ocupar-te-ás dele, não é?

É claro, Helen acedera. Adorara a criança assim que a vira. Nunca pudera conceber os seus próprios filhos, apesar de ter muitas oportunidades. Era algo que sempre desejara, ter um filho. Um desejo com o qual as outras raparigas da taberna gozavam. E então, aquela criança tão linda caíra nas suas mãos, como se fosse um presente do céu. Rapidamente, entrou na diligência, sem fazer perguntas.

Tinham levado a criança para a casa da sua avó, dado que não tinha intenção de deixar que aquele ser maravilhoso morresse. Se alguém podia salvá-lo, era a avó Rose. Fora um longo trajecto, já que a idosa vivia numa casa muito isolada, nos subúrbios de Buckminster. Helen tivera de fazer a última parte do trajecto a pé, com a criança ao colo, pois não havia nenhum caminho por onde a carruagem pudesse passar. O senhor Fuquay ajudara-a a sair e entregara-lhe a criança, agradecendo-lhe profusamente.

Dois dias depois, Helen levantou a vista do pequeno e olhou para a sua avó. A avó Rose, como todos lhe chamavam, conhecia todas as ervas e remédios que curavam, por isso, quando Helen entrara com o pequeno ao colo, soubera exactamente o que devia fazer.

Durante aqueles dois dias, Helen e a sua avó tinham cuidado do pequeno, administrando-lhe remédios, refrescando-o com panos frios e obrigando-o a beber pequenos goles de água.

– Vai...? – perguntou ela. A criança estava tão imóvel e tão pálida.

– Não – respondeu a avó, com um sorriso nos lábios. – Penso que superou esta etapa. A febre começou a baixar.

– A sério? – perguntou Helen, pondo uma mão na testa do pequeno. Efectivamente, não estava tão quente como há minutos.

– O que vais fazer com ele? É de boa família, sabias?

Helen assentiu. Aquilo era evidente porque, durante os desvarios da febre, a criança falara no tom culto da classe alta. Tal como as roupas que vestia que, apesar de estarem sujas e suadas, eram de bom corte e dos mais ricos tecidos.

– Eu sei, mas é meu. Nós salvámo-lo e agora pertence-me. Não deixarei que o levem e, além disso...

Ela hesitou. Não sabia se queria revelar à sua ardilosa avó o que mais suspeitava sobre a criança. Pensava que sabia quem era e, se as suas suspeitas se confirmassem, isso podia custar a vida do menino. Isto se se soubesse que sobrevivera.

– Além disso, o quê?

– Não sei quem é. Para onde poderíamos levá-lo? E... penso que eles não queriam que sobrevivesse.

– E o que vais dizer se alguém te perguntar o que aconteceu à criança?

– Digo que morreu, é claro, tal como tinham pensado e que eu o enterrei no bosque onde ninguém poderá encontrá-lo.

A idosa ficou em silêncio. Depois, assentiu e não voltou a dizer nada sobre a possível devolução do pequeno. Ela também começara a gostar da criança.

Depois de a febre baixar, o rapaz foi melhorando a pouco e pouco até que, finalmente, abriu as pálpebras e olhou para Helen com uns bonitos olhos escuros.

– Quem és?

– Sou a tua nova mãe, Gil – respondeu ela, pegando-lhe na mão.

– A minha mãe? – repetiu ele, vagamente, com o olhar perdido.

– Sim, a tua mãe.

– Oh, eu não... – murmurou, enquanto os seus olhos se enchiam de lágrimas. – Não me lembro! Tenho medo!

– Tem calma. Estiveste muito doente, mas eu estou aqui, tal como a avó Rose, e vamos cuidar de ti.

– Mamã... – murmurou a criança, agarrando-se a ela enquanto as lágrimas lhe caíam pelas faces.

– Sim, querido. Estou aqui. Estarei sempre aqui.

Um

 

1815

 

A carruagem estava a aproximar-se da casa Exmoor. Aquele pensamento enchia Nicola de receio. Porque acedera aos desejos da sua irmã? À medida que iam avançando, Nicola desejava mais fervorosamente não o ter feito. Teria preferido ficar em Londres a ajudar Marianne e Penelope com os preparativos do casamento. No entanto Deborah parecera tão frágil e infeliz, até mesmo assustada, que Nicola não fora capaz de lhe negar a sua súplica. Afinal de contas, Deborah era a sua irmã mais nova e Nicola adorava-a. A única coisa que causara amargura e distanciamento entre elas fora o casamento da sua irmã com o conde de Exmoor.

Nicola suspirou e recuperou. Odiava pensar nas discussões que tinham acontecido quando Deborah anunciara que ia casar-se com Richard. Nicola fizera tudo para a dissuadir, mas Deborah mostrara uma cegueira desesperante e não quisera ver os defeitos de Richard. Quando Nicola lhe assinalara que, há apenas alguns meses, Richard a cortejara a ela, Deborah gritara que Nicola estava ciumenta e que era incapaz de aceitar que um homem pudesse preferir a sua irmã mais nova em vez dela.

Depois disso, Nicola rendera-se e, durante os últimos nove anos, a sua irmã e ela só se tinham visto muito raramente. Nicola recusara-se a ir a casa do conde e Deborah tornara-se cada vez mais solitária e raramente viajava para Londres. Praticamente, não saía de sua casa.

No entanto, quando Nicola vira Deborah no mês anterior, na festa do seu primo Bucky, Deborah suplicara-lhe que fosse passar algum tempo com ela durante a sua quarta gravidez. Já tivera três abortos e estava aterrorizada com a hipótese de perder também aquele bebé. Ao olhar para ela nos olhos, fora impossível recusar, por muito que odiasse viver debaixo do mesmo tecto de Richard Montford.

Deborah, é claro, não conseguia entender o ódio que a sua irmã sentia pelo seu marido, mas Nicola não podia esquecer o facto de que, cada vez que olhava para Richard Montford, se lembrar de que ele lhe arruinara a vida. Matara o único homem por quem ela estivera apaixonada.

A carruagem deu um salto brusco por causa de um buraco. Nicola cambaleou de um lado para o outro sobre o banco. Ergueu-se. Tudo aquilo graças à sua teimosia por não ter querido parar para passar a noite numa estalagem. Insistira em continuar a viagem em plena escuridão. Por pouco que gostasse da ideia de chegar a Tidings, quisera acabar a viagem o mais depressa possível.

Naquele momento, ouviu-se um disparo no ar, perigosamente próximo da carruagem. Nicola assustou-se, sentindo que o seu coração acelerava.

– Alto! – gritou alguém. A carruagem parou imediatamente. – Se eu estivesse no teu lugar, não faria isso – acrescentou. O sotaque do homem que falava era, curiosamente, muito refinado. – Tu, meu caro amigo, só tens uma pistola, enquanto eu tenho seis armas de fogo apontadas ao teu coração.

Nicola apercebeu-se de que a carruagem fora detida por um salteador de caminhos. Vários, na verdade, de acordo com o que o homem dissera. Aquele facto era muito frequente nos subúrbios de Londres, mas tinha vindo a diminuir nos últimos anos e era ainda menos comum tão longe da grande cidade. Nicola nunca pensara nisso.

– Excelente decisão. És um homem sábio. Agora, sugiro-te que entregues a tua arma ao meu homem, muito lentamente e, é claro, virada para cima.

Com muito cuidado, Nicola levantou a cortina e espreitou. A noite estava muito escura, com a lua em quarto crescente. Viu que o rapaz que estava sentado ao lado do cocheiro entregava a sua arma e que um homem a cavalo estendia a mão para a apanhar.

Vários homens rodearam a carruagem. Estavam todos a cavalo e empunhavam pistolas. Vestiam roupas escuras e montavam cavalos escuros que pareciam fundir-se na noite. O mais sinistro de tudo era que os homens usavam uma máscara preta que lhes cobria a parte superior da cara. Ao ver aquela cena assustadora, Nicola conteve um grito.

Um dos homens ouviu o som leve e virou a cabeça bruscamente para ela. Rapidamente, Nicola deixou cair a cortina, sentindo que o seu coração acelerava.

– Olha, olha – disse, alegremente, a voz culta. – Um passageiro curioso. Além disso, vejo que é o brasão do conde. Terei sido suficientemente sortudo para apanhar o conde de Exmoor? Saia, senhor, para que possamos vê-lo melhor.

O homem, que parecia ser o líder do grupo, estava contente por ter apanhado alguém que pensava que era rico. Depois de respirar fundo para se acalmar, Nicola fez rodar a maçaneta da porta e preparou-se para sair. Pôs o pé no degrau e olhou directamente para o cabecilha do grupo. Estava decidida a não parecer acovardada. O homem, ainda a cavalo, ergueu-se sobre a sela e praguejou.

– Bem feito – disse Nicola, com frio sarcasmo na voz. – Capturou uma mulher desarmada.

– Nenhuma mulher está desarmada – replicou o homem, com um ligeiro sorriso nos lábios. Depois, desmontou habilmente do cavalo e aproximou-se dela para lhe fazer uma reverência.

O homem era alto e bem formado. Vestido com as suas roupas escuras, parecia emanar poder e graciosidade. Depois de o observar, Nicola sentiu que um calafrio a percorria de cima a baixo. A maior parte da cara do bandido estava coberta pela máscara. Apenas o queixo e a barba estavam visíveis, embora uma pêra e um bigode escondessem ainda mais estes traços. Uma boca firme e ampla, cujos dentes reluziam na escuridão, curvava-se num sorriso brincalhão. Então, o desconhecido avançou para Nicola e ajudou-a a sair, estendendo uma mão enluvada.

– Solte-me.

– Assim farei, senhora. Assim farei.

Na escuridão da noite, os olhos pareciam ser completamente pretos. Nicola pensou que eram uns olhos sem alma e, no entanto, não conseguia parar de olhar para eles. Apertou-lhe a mão um pouco mais e depois soltou-a.

– Antes de se ir embora deve pagar um imposto por passar pelas minhas terras – acrescentou.

– As suas terras? E eu que achava que estávamos nas terras do conde de Exmoor – replicou ela, num certo tom de gozo.

– Isso é do ponto de vista legal.

– E que outro ponto de vista pode haver?

– O do direito. A terra não pertence aos que trabalham nela?

– É um conceito um pouco radical. E o senhor, suponho, é o representante do povo.

– E quem pode haver melhor? – perguntou ele.

– A maioria das pessoas que eu conheço e que vive nesta terra não consideraria que um ladrão é a pessoa que os representa.

– Insulta-me, senhora. E eu que tinha esperado que pudéssemos ser... civilizados.

– É difícil ser civilizada quando me sinto ameaçada.

– Ameaçada? – repetiu ele, levantando as mãos num gesto de inocência espantada. – Senhora, surpreende-me. Eu não a ameacei.

– O facto de parar a minha carruagem e pedir dinheiro não é uma ameaça? Por que outra razão é que estes homens estão a apontar as armas para nós? – acrescentou, olhando para o resto dos cavaleiros.

– Receio que te tenha encurralado, meu amigo – comentou um dos bandidos, também com um sotaque muito culto.

– O que é isto? – perguntou. – Um grupo de cidadãos ricos que gostam de se divertir?

– Não, senhora – disse o que a ajudara a sair, – não é nenhuma brincadeira. É o nosso negócio, portanto vamos acabar com isto. O seu porta-moedas, por favor.

– É claro – replicou Nicola, puxando os cordões da sua mala para a abrir.

Rapidamente, ele pôs a mão lá dentro e tirou o pequeno porta-moedas de pele. Depois, fê-lo saltar sobre a mão, como se quisesse medir o conteúdo pelo peso.

– Ena! Vejo que veio precavida. Isto é um extra para mim.

– Suponho que também deseja as minhas jóias – replicou Nicola, tirando as luvas para revelar os dois aros de prata simples que lhe enfeitavam os dedos.

Achava que, se lhe mostrasse algumas das suas jóias, o bandido não começaria a procurar noutro lado. Assim, evitaria que lhe tirasse a lembrança que tinha pendurado ao pescoço por uma corrente. É claro, não valia quase nada, excepto para ela, mas aquele delinquente provavelmente seria capaz de lha tirar só para a magoar.

– Receio que não tenha pulseiras nem colares. Quase nunca viajo com jóias.

– Parece-me que pode ter as jóias guardadas – replicou ele, fazendo um gesto a dois dos seus homens.

Eles desmontaram rapidamente e subiram para o tejadilho da carruagem, onde estava a bagagem. Um momento mais tarde, desceram com a caixa de jóias de viagem de Nicola e um pequeno cofre, que começaram a carregar sobre os seus cavalos.

Nicola escondeu o seu alívio por o ladrão ter acreditado nas suas palavras. Então, ele tirou as luvas e voltou a pegar numa das mãos de Nicola, que se assustou ao sentir o contacto. Era uma mão dura e quente. Enquanto ia tirando os anéis com a outra, Nicola sentiu falta de ar.

Ao levantar o olhar, viu que ele olhava para ela de um modo muito enigmático. Nicola afastou bruscamente a mão.

– Agora, se já acabaram, eu gostaria de seguir o meu caminho.

– Não, ainda não acabámos. Há ainda mais uma coisa que vou roubar-lhe, senhora.

Nicola levantou as sobrancelhas, sem entender a que se referia. Então, o bandido agarrou-a pelos ombros e apertou-a contra o seu corpo, depositando a sua boca sobre a dela.

Nicola ficou rígida devido àquele ultraje. Os lábios daquele homem mexiam-se sobre os dela de um modo suave e sedutor, abrasando-a com o seu calor. Involuntariamente, sentiu-se sem forças e pareceu-lhe que o seu corpo se tornava quente e líquido. Umas sensações turbulentas e selvagens percorreram-lhe o corpo, surpreendendo-a e perturbando-a tanto como aquela acção insolente. Nicola era uma mulher bonita, com um corpo pequeno, mas bem dotado, de cabelo loiro dourado e com enormes olhos de pestanas escuras. Sabia que os homens se sentiam atraídos por ela e costumavam insinuar-se de um modo um pouco inadequado. No entanto o seu próprio corpo não costumava experimentar aquela reacção.

Ele soltou-a tão bruscamente como a agarrara. Os olhos daquele desconhecido reluziam na escuridão, por isso Nicola teve a certeza de que se apercebera do modo como ela se derretera por dentro. Uma fúria ardente surgiu dentro dela e, sem pensar, levantou a mão e esbofeteou-o.

Todos ficaram quietos e em silêncio à sua volta. Nicola tinha a certeza de que o bandido a castigaria pelo que acabara de fazer, mas estava demasiado zangada para se importar. O homem olhou para ela durante um longo momento, com uma expressão ininterpretável no rosto.

– Senhora – disse finalmente, fazendo uma reverência.

Então, virou-se e montou agilmente no seu cavalo. Rapidamente, desapareceu na escuridão, seguido pelos seus homens.

Nicola observou como se afastavam. Os lábios ardiam-lhe e cada nervo do seu corpo parecia estar prestes a rebentar. A raiva acumulava-se dentro dela, fazendo-a tremer. O pior de tudo aquilo era que não sabia se estava mais furiosa com o bandido por ter tido a ousadia de a beijar ou consigo própria, pelas sensações que experimentara durante aquele beijo.

 

 

– Maldito seja por tal atrevimento!

O conde de Exmoor bateu com o punho contra uma pequena mesa coberta de enfeites, que tremeram ao receber o golpe. Era um homem alto, como todos os Montford e parecia muito mais jovem do que os quase cinquenta anos que já tinha. Tinha o cabelo castanho, embora os cabelos brancos já lhe cobrissem as têmporas e era considerado um homem bonito.

Previsivelmente, ficara furioso quando Nicola chegara e lhe contara o que lhe acontecera pelo caminho. Durante os últimos minutos, não parara de andar de um lado para o outro na sala, com o rosto congestionado e os punhos cerrados. Deborah, muito pálida, observava-o com ansiedade e Nicola, com uma antipatia que lhe custava muito disfarçar.

– Atacar a minha própria carruagem! – prosseguiu Richard, incrédulo. – Que ousadia!

– Eu diria que ousadia é uma coisa de que não carece – replicou Nicola, num tom um pouco jocoso.

– Pedirei a cabeça desse cocheiro por isto – acrescentou Richard, sem lhe prestar atenção.

– A culpa não foi dele – afirmou Nicola. – Tinham posto um tronco de uma árvore atravessado na estrada. Não teria conseguido passar com os cavalos, mesmo que eles não se encabritassem.

– E o rapaz? – perguntou-lhe Richard. – Disse-lhe para ir com o cocheiro, armado, para evitar um ataque de tais características. Mas não só não disparou, como também lhes entregou a arma!

– Não sei que outra coisa poderia fazer. Havia pelo menos seis homens à volta da carruagem. Se tivesse disparado, tanto ele como o cocheiro teriam morrido e, então, o que teria sido de mim? Não penso que tivessem cumprido com o seu dever se me tivessem deixado sozinha e desprotegida naquela estrada, não te parece?

– Que bela protecção te deram.

– Bom, pelo menos estou aqui, sã e salva, sem ter perdido outra coisa senão algumas jóias e umas moedas.

– Devo dizer que pareces bastante indiferente.

– Alegra-me estar viva. Durante alguns segundos, naquela estrada, estive certa de que me matariam.

– Sim. Graças a Deus, chegaste aqui sã e salva – interveio Deborah, puxando a mão da sua irmã.

– Bom, alegro-me por não se preocuparem – disse Richard, com uma certa amargura no rosto. – No entanto é uma coisa que eu não posso ignorar. Para mim, este facto é um insulto descarado.

– Oh, Richard! Recordo-te que fui eu que fui assaltada!

– Estavas a viajar sob a minha protecção e, para mim, esse acto de vilania é como se tivessem dito que a minha protecção não vale nada. Evidentemente, esse canalha fê-lo para me humilhar. Bom – acrescentou, com um sorriso nos lábios, – desta vez esse infeliz descobrirá que foi demasiado longe. Não descansarei enquanto não tiver a sua cabeça sobre uma lança. Graças a Deus, já mandei vir um comissário de Londres e, assim que chegar, pô-lo-ei ao corrente do assunto. Então, esse criminoso aprenderá que está a enfrentar quem não devia.

– Bom, já chega de falar – disse Nicola, olhando para a sua irmã. – Evidentemente, Deborah está cansada e precisa de ir para a cama.

– Não, estou bem, a sério.

– Tolices! Está muito claro que estás cansada. Anda, eu acompanhar-te-ei ao teu quarto. Richard, se nos desculpares...

– É claro – respondeu Richard, quase sem olhar para a sua mulher na cara. – Tenho de sair para interrogar o cocheiro. Boa noite, Deborah! Nicola... Alegra-nos muito a tua visita. Aceita as minhas desculpas por este incidente.

Com aquelas palavras, saiu. Então, Nicola agarrou a sua irmã pelo braço e ajudou-a a levantar-se da cadeira. Começaram a dirigir-se para as escadas, mas Deborah não parava de olhar com ansiedade para a porta principal, através da qual Richard desaparecera.

– Espero de todo o coração que Richard não seja duro com o cocheiro. Eu... Normalmente, não seria brusco com ninguém, é claro. Mas esse bandido alterou-o muito...

– Estou a ver que sim.

– Esse homem não pára de perseguir Richard. Sei que parece um pouco estranho, mas parece desfrutar especialmente de o roubar. Os pagamentos dos homens que têm as nossas terras arrendadas, os carregamentos que vão e vêm das minas... Já não saberia contar o número de vezes que essas carruagens tiveram contratempos. Mesmo em plena luz do dia. É como se estivesse a gozar com Richard.

– Faz sentido. Richard é o maior latifundiário daqui. É normal que a maior parte do dinheiro que esse homem rouba seja dele.

– Oh! Também pára outras carruagens e, às vezes, até o transporte do correio, mas Richard é o mais afectado. Os seus lucros das minas de estanho viram-se drasticamente reduzidos. Richard quase ficou louco. Penso que o que mais o incomoda é que o Cavalheiro, como todos lhe chamam, seja um homem tão escorregadio. Sai do nada e depois funde-se com a escuridão da noite. Richard enviou homens para procurar a sua guarida, mas não encontraram nada. Pôs mais vigilância nas suas carroças e na sua carruagem, mas isso não o pára, tal como não o fez esta noite. Além disso, ninguém tem nenhuma informação sobre ele. Nem sequer os mineiros nem os agricultores que trabalham para nós admitem saber alguma coisa sobre ele. Parece-te que é possível?

– Não sei. Efectivamente, parece improvável que ninguém saiba nada sobre ele.

– Normalmente, as pessoas da vila parecem saber tudo. Richard diz que estão a enganá-lo, que lhe escondem o paradeiro desse homem. Por alguma razão, esse bandido parece ser um herói para todos os habitantes desta zona.

– O que sabes sobre esse bandido? – perguntou Nicola. – Parece um delinquente um pouco estranho. Falava tão bem como tu ou como eu, tal como um dos outros homens.

– É por isso que lhe chamam o Cavalheiro – respondeu a sua irmã. Já tinham chegado ao topo das escadas e Deborah parou por um instante para respirar fundo. – Por isso e pelas suas boas maneiras. Tem reputação de ser muito cortês, especialmente com as damas, e diz-se que nunca magoou ninguém. Uma vez, mandou parar o vigário de noite quando ia assistir um moribundo e não lhe roubou um tostão. Ao ver quem era, limitou-se a desculpar-se e disse-lhe que prosseguisse com o seu caminho.

– Ena...

Nicola não lhe disse que o comportamento que o bandido tivera com ela não poderia ser considerado atencioso e cortês. Não era que a tivesse magoado, mas aquele beijo... Bom, também fora um insulto.

– Ninguém sabe de onde procede – acrescentou Deborah. – Só começou há alguns meses.

– Parece que escolheu um lugar um pouco estranho. Os ladrões habitualmente operam mais perto de Londres ou de uma cidade importante, não no meio do campo. Como é que terá chegado a este local? Achas que pode ser de bom berço, algo parecido com um filho que desonrou a sua família e foi deserdado?

– Ou um esbanjador que perdeu toda a sua fortuna – concluiu Deborah. – Essa é a teoria que a esposa do vigário propõe. Talvez seja simplesmente alguém que recebeu uma boa educação, mas que é pobre, algo parecido com um tutor ou um professor de esgrima.

– Um tutor? – perguntou Nicola, contendo uma gargalhada. – Um erudito de História que se transformou em salteador de caminhos?

– Isso parece um pouco absurdo. Richard diz simplesmente que é um «maldito actor» que aprendeu a imitar os que são melhores do que ele. E talvez seja. Sem dúvida, nós fazemo-lo parecer uma figura mais romântica do que é.

– Sem dúvida – disse Nicola, recordando como lhe tocara na mão, a pressão suave dos seus lábios... Um tremor percorreu-a de cima a baixo.

– Lamento – sussurrou Deborah, ao sentir o tremor. – Não devia falar desse homem quando tu acabaste de passar por uma experiência tão horrível. Deve ter sido terrível.

– Estou bem. Sem dúvida, recordarás que não sou uma mulher muito sensível. Há coisas que quase nunca me afectam.

– No entanto encontrar um delinquente sem piedade deve ter-te causado um pouco de apreensão – disse a sua irmã. Deborah parou em frente de uma porta e começou a rodar a maçaneta. – Este é o teu quarto. O meu é ao lado. Espero que gostes. Se houver alguma coisa de que precises, só tens de me fazer saber.

O quarto era espaçoso e estava bem mobilado. Tinha dois pares de janelas na parede oposta, embora as cortinas já estivessem corridas por causa da escuridão da noite. Havia fogo na lareira e um candeeiro a óleo, que estava aceso sobre a mesa-de-cabeceira. Quando entraram, uma aia estava a passar um aquecedor entre os lençóis. Ao vê-las, fez uma reverência e saiu do quarto.

– É lindo – disse Nicola, olhando à sua volta.

– Alegro-me por gostares. Durante o dia, tem uma vista muito bonita do jardim. Vem ver o meu quarto – sugeriu Deborah, segurando na sua mão e levando-a novamente para o corredor.

O quarto de Deborah era bastante parecido com o de Nicola. Era um quarto muito espaçoso e feminino, cheio de rendas e de folhos. Não havia detalhes que evidenciassem que aquele era também o quarto de um homem. Nem botas contra a parede nem utensílios de barbear. Nicola não se surpreendeu por o conde e a condessa dormirem em quartos separados, dado que aquilo era bastante comum entre a aristocracia. No entanto surpreendeu-se por não haver nada que mostrasse a presença de Richard naquele quarto, mesmo que fosse ocasionalmente.

Nicola olhou para a sua irmã, que estava a falar alegremente sobre os seus planos de pôr o berço do bebé ao lado da cama e um cama de armar para a aia no seu quarto de vestir assim que o bebé nascesse. Questionou-se se Deborah continuava a amar Richard como quando se casara com ele ou se, com os anos, começara a vê-lo tal qual era. Então, Deborah suspirou, sem deixar de olhar para o lugar onde poria o berço do seu filho. Nicola viu o receio que havia no seu rosto. Sem dúvida, estava a recordar as outras crianças que tivera a esperança de pôr ali.

– Tenho a certeza de que o que pensaste funcionará às mil maravilhas – disse Nicola, com rapidez, rodeando os ombros da sua irmã com o braço. – E o bebé adorará.

– A sério?

– Claro. Vais ver. Agora, não deves preocupar-te, já que isso não beneficiará a criança.

– Eu sei. Isso é o que todos dizem, mas é tão difícil quando...

– É natural, mas agora que estou aqui, podes sentir-te segura. Eu ajudar-te-ei em tudo e, se houver problemas com a casa ou com qualquer outra coisa, ocupar-me-ei deles. Sabes que sou mandona.

Deborah sorriu e relaxou um pouco.

– É tão maravilhoso ter-te aqui. Sei... Sei que tu e eu tivemos os nossos desacordos... em algumas coisas, mas agora podemos esquecer tudo isso, não é?

– Claro que podemos – respondeu Nicola, embora soubesse que as diferenças entre elas nunca tinham sido por causa da sua irmã, mas por causa de Richard e por tudo o que ele fizera há dez anos. – Agora, não nos preocupemos com isso. A única coisa que importa é a tua saúde.

– Estou cansada. Estes dias, parece que tenho muito pouca energia. E as náuseas matinais são muito piores desta vez, embora o médico diga que isso é bom sinal, que significa que esta criança é muito mais forte do que as anteriores.

– Sem dúvida, tens razão. Além disso, tenho a certeza de que te disse para descansares muito, não foi assim?

– Sim.

– Então, deixa-me chamar a tua aia para te ajudar a despir e para poderes deitar-te na cama.

– Mas quero tanto que me contes tudo sobre o noivado do primo Bucky!

– Teremos muito tempo para isso amanhã. Prometo-te que te contarei tudo. E também te falarei de lorde Lambeth.

– Como? Também vai casar-se? – perguntou Deborah, com os olhos esbugalhados devido ao interesse da notícia. – Com quem? E eu que pensava que era um solteiro empedernido.

– Suponho que só é preciso a mulher adequada, mas é uma história demasiado longa para ta contar agora. Ouvirás tudo amanhã.

Com um sorriso cansado, Deborah assentiu. Nicola deu-lhe um beijo na face e saiu do quarto para se dirigir para o que estava preparado para ela. Depois de fechar a porta do quarto, Nicola olhou à sua volta. A luz suave da lâmpada era muito acolhedora, mas não pôde dissipar o frio que sentia no coração.

Odiava estar ali. Desejou estar longe, em Londres, na vida que construíra lá. Em Londres era feliz. Tinha as suas obras de beneficência com as mulheres empobrecidas de East End, a sala de jantar que distribuía refeições e roupas para os mais necessitados... Tinha o seu círculo de amizades com que se reunia quando tinha vontade, as seduções sem importância que ninguém levava a sério, os jantares íntimos... Sentia-se útil e ocupada e, além disso, havia os prazeres da ópera e do teatro...

No entanto ali... Ali, sentia-se estranha. Odiava estar naquela casa com Richard. Além disso, acontecera aquele terrível encontro com o bandido... O beijo...

Nicola abanou a cabeça para afastar aquela lembrança. Sentia que era uma estupidez estar a pensar naquele beijo e não o faria. Por isso, dirigiu-se para a janela e afastou as cortinas pesadas para olhar para a escuridão da noite. As árvores e os arbustos do jardim eram simples sombras. Então, fechou os olhos e apoiou a cabeça sobre o vidro frio da janela. Um desejo terrível atravessou-a por dentro, tão feroz que esteve quase prestes a gritar: «Oh, Gil...»

Já lhe acontecera aquilo antes, uma dor aguda e inesperada no peito, como se as feridas voltassem a abrir-se. Quando aquilo acontecia, a dor que sentia por Gil era tão profunda que ameaçava asfixiá-la. Tudo aquilo acontecera há muito tempo, há dez anos. Habitualmente, pensava em Gil com doçura, recordando com tristeza como se ria, como andava, como a fazia sorrir ou suspirar. No entanto aquela dor que a dominava era amarga e dolorosa, cortando-a por dentro quase como acontecera há dez anos.

Não deixara de pensar nele em toda a tarde. Quando a carruagem parou no pátio, de repente recordou a primeira vez que o vira ali, em Tidings, quando ela regressava com outros convidados de um dia de caça. Ele aproximara-se do seu cavalo, estendendo as mãos para a ajudar a desmontar. Ela baixara o olhar, sentindo-se perturbada ao ver o seu bonito rosto, os seus olhos pretos e alegres e a madeixa preta de cabelo que lhe cobria a testa. Nicola entregara-lhe o seu coração naquele mesmo instante.

Sozinha no seu quarto, era-lhe impossível conter a avalanche de lembranças. Supunha que era por estar ali, em Tidings, o lugar onde o conhecera, ou talvez por estar com Richard, coisa que tentara evitar durante dez anos. Fosse o que fosse, sentia o coração cheio de uma dor e de uma ansiedade que sabia que nunca desapareceriam.

Com um soluço, afastou-se da janela e deixou-se cair sobre a cama. Depois de se deitar de costas, observou as brasas incandescentes da lareira e aninhou-se como uma menina para se entregar por completo aos seus pensamentos...

Dois

 

1805

 

Nicola tinha dezassete anos quando se mudara para Dartmoor com a mãe e a irmã mais nova, Deborah. O pai morrera e, apesar de deixar todas as suas necessidades bem cobertas, a propriedade em que tinham vivido até então passara automaticamente, juntamente com o título, para um primo, tal como estabeleciam as disposições familiares. O primo, cortesmente, tinha-lhes proposto que continuassem a viver na casa juntamente com ele, a sua esposa e o seu filho, embora fosse apenas para manter as aparências e não por afecto por elas. Lady Falcourt, que sentia o mesmo apreço por ele que o novo herdeiro sentia por ela, rejeitara a oferta e decidira ir viver com a irmã, lady Buckminster.

Lorde Buckminster, o seu sobrinho, que todos conheciam como Bucky, dera-lhes as boas-vindas e convidara-as para ficar o tempo que quisessem. Na verdade, Nicola fora mais feliz em Buckminster do que na sua própria casa. Apesar de lamentar a perda do pai, sempre o vira como uma figura distante que passava a maior parte do tempo em Londres. Como lady Falcourt tinha uma saúde muito delicada, desde uma idade muito precoce, Nicola tivera de tomar as rédeas da casa. No entanto, ali, em Buckminster, a governanta era uma mulher muito competente que se ocupava de tudo e bastava que lady Buckminster fizesse pouco mais do que assentir às decisões que ela tomava. Livre da responsabilidade de gerir uma casa, Nicola pudera fazer mais ou menos o que quisera, embora sempre sob o olhar atento de lady Buckminster.

Portanto, Nicola passava a maior parte do tempo a montar a cavalo pelas terras próximas e a conhecer as pessoas que ali viviam. Desde a infância, sempre se sentira muito confortável entre serventes e arrendatários, já que a sua mãe estivera sempre demasiado indisposta e Nicola recebera a maior parte do carinho da sua ama. Ao longo dos anos, a sua «família» começara a incluir a maioria dos empregados, desde o rapaz de menor importância até à figura imponente da cozinheira.

Fora Cook, a cozinheira, que lhe inspirara o interesse pelas ervas e pelas especiarias, cujas propriedades lhe explicara enquanto Nicola a ouvia atentamente. O que mais lhe interessara tinham sido as propriedades curativas das plantas. Cook ensinara-lhe como criar as ervas no jardim e identificá-las quando as apanhava no campo. Nicola aprendera também a secá-las, a misturá-las e a fazer chás e bálsamos. Além disso, ampliara tanto os seus conhecimentos a ler e a experimentar sozinha que, quando tinha apenas catorze anos, a chamavam tanto a ela para curar alguma doença como à própria Cook.

O único problema da sua nova residência era o conde de Exmoor. Como era o único membro da aristocracia na zona, estava presente em todas as reuniões sociais a que Nicola, apesar de ter apenas dezassete anos, costumava ir também. Indubitavelmente, ela era a mais bela jovem da comarca, a que todos os rapazes preferiam sem excepção. Nicola não costumava prestar atenção às suas tentativas trôpegas, mas o conde era um caso completamente diferente. Era maduro e sofisticado, embora a cortejasse com pouca delicadeza. Sem parecer descarado aos olhos da sua mãe ou de lady Buckminster, conseguia encontrar numerosas oportunidades para tocar nela e lançava-lhe olhares apaixonados que alarmavam e incomodavam Nicola. Não estava interessada no conde, apesar de a sua mãe pensar que era uma oportunidade que não devia ignorar.

– Santo Deus, Nicola – dizia, quando ela protestava por ter sido convidada para qualquer acontecimento social pelo conde. – Qualquer um diria que não te sentes lisonjeada com os seus cuidados. É um bom partido. Os Montford são uma família esplêndida, com riqueza e títulos. Até és amiga da sua prima... Como se chama essa rapariga tão tímida?

– Penelope. E não é tímida, mas simplesmente um pouco calada. Sim, gosto de Penelope e também da sua avó, mas isso não tem nada a ver com o que sinto por Exmoor. Eu não gosto dele, tal como detesto o modo como olha para mim ou fala comigo.

– Minha querida, o que se passa é que estás habituada a esses jovenzinhos muito imaturos.

– Prefiro os jovenzinhos imaturos a um velho!

– Nicola, o modo como falas... O conde não é velho. Está na flor da vida.

– Mas deve ter perto de quarenta anos! E eu, para o caso de te teres esquecido, só tenho dezassete.

– Por favor, querida, não há necessidade de seres indelicada. Tem trinta e tantos, mas não é demasiado velho para se casar. Muitos homens são bastante mais velhos do que as suas esposas. O teu pai, por exemplo, era dezasseis anos mais velho do que eu.

– Isso não importa. Além disso, eu não tenho desejo algum de me casar com ninguém. Na verdade, só tenciono fazê-lo dentro de muitos anos e, é claro, não o farei se não for com alguém que ame. A avó deixou-me uma boa fortuna para que não tivesse de me casar a menos que quisesse.

– Não sei de onde tiraste essas ideias tão radicais...

– Sabes, sim. Da avó.

Efectivamente, a idosa fora uma mulher independente que sempre olhara com desdém para a mulher insossa em que a sua filha se transformara. A avó vira-se pressionada pela sua família para se casar sem amor e certificara-se de que nenhuma das suas três filhas se visse obrigada a fazer o mesmo. Depois de morrer, deixara a Deborah e a ela uma herança avultada para que pudessem ser independentes, se assim o desejassem.

– Sim e da tua tia Drusilla – acrescentou a mãe. Drusilla nunca se casara e vivia em Londres. Lady Falcourt entendia-a menos do que a Adelaide, lady Buckminster, uma apaixonada por cavalos. – Que rico exemplo! Uma solteirona, sem filhos para lhe alegrarem os dias, um marido para cuidar ou uma casa para gerir.

– Não é que não tenha intenção de me casar, mãe. Fá-lo-ei quando e com quem eu quiser, embora possa garantir-te que não será com lorde Exmoor.

No entanto não havia maneira de poder esquivar o conde a menos que Nicola quisesse isolar-se socialmente. Estava em todas as festas a que iam e, o pior de tudo, era que a sua mãe insistia em aceitar todos os convites que ele lhes enviava.

Fora assim que Nicola fora à caçada em Tidings, a bonita propriedade dos Exmoor, e entrara a trotar no pátio, corada devido à actividade e com madeixas de cabelo soltas à volta da cara. Quando os rapazes se tinham aproximado para se ocuparem dos cavalos, Nicola baixara o olhar e encontrara um dos rostos mais bonitos que alguma vez vira.

Era mais forte do que o resto dos rapazes, mais alto e robusto. Uns olhos escuros e cheios de atrevimento destacavam-se num rosto profundamente bronzeado, emoldurado por um cabelo preto e espesso. Ao olhar para Nicola, esboçara um sorriso. Ela olhara para ele, sentindo-se como se o mundo tivesse parado e ela estivesse a flutuar, livre, embora com o coração acelerado.

– Quer que a ajude a desmontar, menina? – perguntou a rapaz, levantando as mãos.

Nicola não conseguiu responder. Limitou-se a tirar o pé do estribo e a deslizar da sela para se apoiar sobre ele. O rapaz rodeou-lhe a cintura com as mãos e ajudou-a sem esforço. Ao pôr-lhe as mãos sobre os ombros, Nicola sentiu o calor que emanava do seu corpo e que atravessava a tosca camisa de lã, a sua força e os seus músculos. Durante um instante, estiveram muito juntos, com o rosto dele tão perto do dela que Nicola conseguiu ver as pestanas espessas que lhe escureciam os olhos. Assim que tocou no chão, o conde apareceu ao seu lado e segurou-a pelo braço para a acompanhar à casa.

Durante o almoço que se celebrou depois da caçada, Nicola não conseguiu ouvir nenhuma das palavras que o conde lhe disse, como também não ouviu o resto das conversas. Só conseguia pensar naquele rapaz. Desejava saber o seu nome, mas não lhe ocorria nenhum modo de o descobrir sem que fosse estranho. Teve de sair de Tidings sem poder descobrir mais nada.

Depois daquele dia, a sua mãe não teve dificuldade alguma para a persuadir a ir a qualquer acto na casa do conde de Exmoor. No entanto, apesar de todos os seus esforços para estar em Tidings, o que lhe provocara um forte conflito interior, não voltou a ver o suposto rapaz das cavalariças. Supôs que não era suficientemente importante dentro do estábulo para se relacionar habitualmente com os convidados, a menos que houvesse um grande número deles, tal como acontecera no dia da caçada.

Disse-se que era uma insensatez sentir-se tão interessada por aquele homem. Afinal de contas, só o vira durante um momento e só porque ela experimentara aquela sensação física tão estranha não significava que fosse especial. Nem sequer teria sabido dizer o que esperava conseguir ao voltar a vê-lo. A única coisa que sabia era que se sentia inquieta e perturbada. No entanto não foi em Tidings que se encontrou cara a cara com ele duas semanas depois. Foi em casa da avó Rose.

Pouco depois de se mudar para Buckminster, as pessoas tinham começado a falar sobre uma idosa da comarca. Todos lhe chamavam a avó Rose, embora ninguém tivesse aquele parentesco com ela, e era famosa pelos seus remédios. Até havia pessoas que a consideravam uma bruxa. Dizia-se que sabia mais de plantas e das suas propriedades medicinais do que qualquer outra pessoa e que pessoas de zonas muito afastadas iam visitá-la.