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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1998 Beverly Beaver

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Uma mulher sozinha, n.º 43 - Maio 2014

Título original: Emily and the Stranger

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2003

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Internacional e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5183-2

Editor responsable: Luis Pugni

 

Conversión ebook: MT Color & Diseño

Índice

 

Portadilla

Créditos

Índice

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Treze

Catorze

Quinze

Dezasseis

Dezassete

Dezoito

Dezanove

Epílogo

Volta

Um

 

Zed Banning conferiu a morada mais uma vez. Como é que Mitchell tinha ido parar a um lugar daqueles, um albergue para desalojados em Claypool, no Arkansas?

Zed endireitou o nó da gravata antes de abrir a porta da frente e entrar no velho prédio quase em ruínas, a poucos metros dos carris do caminho-de-ferro.

Um rosto marcado pelo tempo voltou-se para Zed.

– O senhor está aqui para fazer alguma doação? – perguntou o senhor, com uma respiração ofegante. – Se for isso, vou chamar o reverendo.

– Não, não estou aqui para isso. – Zed sentiu-se culpado. – Bem... quero dizer... Na certa farei uma doação, mas esse não é o motivo principal de eu aqui estar.

Mas por que é que tentava explicar àquele pobre homem o motivo de ter voado até Little Rock, alugado um carro e ter vindo até Claypool?

– Veio falar com o reverendo Wilkes?

– Sim. O senhor pode dizer-me onde é que ele está?

– Na cozinha, a ajudar a fazer o almoço – com uma respiração difícil, o homem, no meio de um acesso de tosse, fazia um esforço para falar. – Eu mostro-lhe o caminho.

Zed seguiu-o para fora do vestíbulo até um corredor estreito. De cada lado havia quartos grandes, cheios de camas de ferro, todas feitas com lençóis cinzentos, gastos pelo uso, e cobertores de lã. Dois dos leitos ainda estavam ocupados. Ele, então, parou, olhou bem para o dormitório à sua direita e viu os ombros largos e as longas pernas de um indivíduo que tinha o tamanho exacto de Mitchell Hayden.

– Passa-se alguma coisa, senhor? – perguntou o ancião.

Zed entrou no aposento, parando a alguns passos do corpo imóvel daquele que julgara que pudesse ser o seu velho amigo. O homem era grande e tinha os cabelos loiros, naquele momento sujos e duros.

– Mitch?

O rapaz, que estava curvado, virou-se, e os seus olhos vermelhos pareciam não conseguir focalizar Zed.

– O quê?

O cheiro a álcool que exalava deixou Zed tonto.

«Que droga, Mitchell Hayden, em que inferno de vida te afundaste?!» Zed olhava para o amigo, que parecia ter envelhecido dez anos em cinco. Já não tinha a bonita aparência de outrora e as suas faces mostravam as marcas dos anos de dificuldade que tinha vivido.

Zed deu a volta à cama, baixou-se e agarrou Mitchell pelos ombros, sacudindo-o.

– O que é que fizeste a ti mesmo?!

– Zed?! – Mitchell ergueu a cabeça. – O que é que estás aqui a fazer? Vieste tomar uma bebida comigo ou apanhar aquela loirinha que me roubou os últimos dólares?

Zed sentou-se na beira da cama.

– Cheguei a pensar que tivesses morrido, Mitch. Agora, vejo que estás pior do que se estivesses morto.

– Pior que morto... – repetiu Mitchell. – Lembras-te daquele prédio que ardeu? Todas aquelas pessoas a olhar para mim, no tribunal... Aquela camisola cor-de-rosa...

– O que é que estás a tentar fazer? Matar-te? – Zed ergueu Mitchell e sentou-o, encostando-o à parede. – Tu transformaste—te num bêbado vagabundo!

– Acertaste. E estou muito bem assim.

– Porquê, Mitch? Achas que destruindo a tua vida podes trazer de volta o homem que morreu na tragédia do Brisa do Oceano? Pensas que assim apagarás a dor e o sofrimento daquelas pessoas? Imaginas que se sofreres o suficiente podes de algum modo mudar o que aconteceu a Emily Jordan?

– Tenho de fazer alguma coisa para tentar esquecer, para parar de sonhar com todas aquelas pessoas, parar de sonhar com ela, com aquela camisola de seda cor-de-rosa e aqueles cabelos castanho escuros e longos.

«O que é que eu posso fazer?» Zed conhecia Mitchell há quase doze anos. Ele tinha-o contratado como operário braçal para a construção de um motel em Tampa, logo depois de Mitchell ter deixado a marinha.

Mitchell era esperto, trabalhador e muito ambicioso. E Zed nunca duvidara de que, se ele não se tivesse apaixonado por Loni Prentice e permitido que ela o envolvesse numa sociedade com Randy Styles, Mitchell seria agora sócio de Zed na sua firma de construção.

– Posso ajudá-lo? – a voz profunda e autoritária veio da porta, que estava aberta.

Zed virou-se e viu um homem baixo e magro, vestido com umas velhas calças de ganga e uma camisa branca, aproximar-se dele.

– Sou Zed Banning. O senhor é o reverendo Wilkes?

– Sim, e estou satisfeito por ter vindo visitar o Sr. Hayden. Tivemos sorte pelo facto do seu amigo ainda ter a carteira – o reverendo dirigiu-se ao porteiro do albergue: – Vai até ao meu escritório e traz-me a carteira do Sr. Hayden, Homer.

Zed esticou a mão para cumprimentar o reverendo, que retribuiu a gentileza.

– Quando o senhor me telefonou, disse-me que o único nome e endereço que estavam na carteira de Mitch, ao lado da sua carta de condução vencida, era o cartão da minha firma.

– Pois foi, Sr. Banning. E estou muito aliviado pelo facto do senhor querer ajudar o Sr. Hayden. Nós conseguimos dar a estes homens um lugar para dormir durante algum tempo, algum alimento e, de vez em quando, alguma roupa, mas é só o que podemos fazer.

– Entendo. Pretendo levá-lo de volta a Mobile assim que Mitch tomar um bom banho e estiver sóbrio. Há quantas noites disse que ele está aqui, reverendo?

– Três. O Sr. Hayden chegou por volta da meia-noite, batendo à porta e acordando toda a gente.

– Obrigado por tê-lo deixado ficar. Eu mando-lhe um cheque pelo correio.

– Qualquer quantia é bem-vinda e nós agradecemos – o reverendo sorriu, suavizando, assim, os traços do rosto de expressão severa.

– Vou tirar Mitch da sua responsabilidade. Alugarei um quarto nalgum hotel de Little Rock para que o meu amigo se possa recompor antes de apanhar um avião para casa. Tenho um carro alugado ali fora – Zed olhou para Mitchell, que tinha fechado os olhos e estava com a cabeça tombada sobre o ombro esquerdo. – Vamos, homem, tenta ficar de pé.

O porteiro aproximou-se, entregando um objecto ao sacerdote.

– Aqui está a carteira, reverendo.

– Por favor, Homer, entrega-a ao Sr. Banning.

Zed pegou na carteira e virou-a diversas vezes, até que a abriu. Estaria vazia, se não fosse pela carta de condução vencida de Mitchell, o cartão da firma de Zed e um pedaço de tecido rosa.

– Meu Deus! – Zed reconheceu o bocado de seda que Mitchell lhe tinha mostrado, há quase cinco anos atrás, um pouco depois do incêndio que destruíra o Brisa do Oceano.

Zed tornou a guardar o pano depressa, sentindo ter invadido a privacidade do seu amigo.

– O que é que o senhor pretende fazer com a mota dele, Sr. Banning?

– Com o quê, reverendo?

– O Sr. Hayden doou-nos a mota, na noite em que aqui chegou, mas estou certo de que não sabia o que estava a fazer, por se encontrar muito alcoolizado.

Zed ficou de pé, passou os dedos pela testa e resmungou, olhando para Mitchell:

– O Mitch está embriagado, num estado deplorável, a cheirar a cerveja, sem um níquel, mas por alguma razão conseguiu não perder esta velha carteira. E a Harley, que comprou há doze anos, quando deixou a marinha.

– O seu amigo parece estar a ser perseguido por demónios – observou o reverendo, pondo a mão no bolso, tirando um chaveiro sujo e gasto e entregando-o a Zed. – Talvez o senhor o possa ajudar a exorcizá-los.

– Arranjarei uma maneira de mandar a Harley para Mobile. Quando Mitchell estiver sóbrio e consciente, há-de querer essa lata velha.

Zed ergueu Mitchell, que arrastou os pés quando Zed deu os primeiros passos.

– Deixe-me ajudá-lo, Sr. Banning – ofereceu o reverendo.

Juntos, conduziram Mitchell para fora, onde o vento frio de Janeiro lhe atingiu a face. Mitchell gemeu e reclamou quando Zed e o pastor o colocaram no assento da frente do automóvel:

– Aonde vamos, Zed?

– Estou a levar-te de volta para Mobile, Mitch. Está na hora de enterrares o passado.

– Não quero voltar para Mobile.

– Eu nem sequer vou dar a mínima importância à tua teimosia. Voltarás, quer queiras quer não. Vou arranjar-te um lugar para morares e um emprego. O resto fica por tua conta.

– Eu não posso voltar para lá!

– Podes e vais – Zed fechou a porta do carro e deu a volta ao Lincoln. – E nem penses em sair daí!

– Tu não entendes, Zed... Sonho com aquele prédio a cair, com aquelas pessoas feridas e aquele homem a morrer. Sonho com ela. E é só nisso que penso, onde quer que esteja, aonde quer que vá e o que quer que faça.

– Então, tanto faz se fores para Hong Kong ou para Mobile, não achas? – Zed ligou o carro e afastou-se do albergue.

– Por que é que vieste até aqui buscar-me?

– Porque acho que todas as pessoas têm direito a uma segunda oportunidade. E tu já te puniste mais do que o suficiente por algo que na realidade não foi culpa tua.

– Foi! Se eu não tivesse sido tão tolo, se não tivesse...

– Pára de sentires pena de ti mesmo! Eu dou-te duas semanas para te recompores e depois começas a trabalhar na minha firma em Gulf Shores. Terás um serviço de operário, do tipo do primeiro emprego que te arranjei quando nos conhecemos. Usa um pseudónimo, se achares que é mais fácil para ti. Acredita, Mitch, estás tão mudado que só os teus amigos mais íntimos te poderiam reconhecer agora.

– Estou a precisar de uma bebida.

– Precisas é de um bom banho, isso sim.

– O que é que se passa, amigo? Estou a cheirar mal? – Mitchell riu.

– Tu parece que caíste dentro de uma mistura de rum e esterco de vaca.

Zed olhou para Mitchell e os dois desataram a rir.

Que aspecto triste o de Mitchell! Os anos que correram após o desastre do prédio tinham-no modificado muito, envelhecido e tornado duro e amargo. Zed gostaria de saber há quanto tempo Mitchell não dava uma boa gargalhada.

Estava determinado a ajudá-lo. Dar-lhe-ia um emprego e o amigo poderia morar sem pagar num dos apartamentos que Zed possuía nos vários prédios que eram seus. No entanto, dependeria de Mitchell endireitar a sua vida e deixar o passado para trás.

 

 

– Tu fizeste o quê?! – Fowler Jordan franziu o sobrolho ao olhar para a viúva do seu sobrinho.

– Tornei-me sócia de uma loja de arte em Fairhope. Enquanto o meu sócio toma conta dos detalhes do negócio, eu vou dar aulas de arte.

– Minha querida, eu sei que tu mencionaste que já estava na hora de começares a reconstruir a tua vida, mas eu não fazia ideia de que te apressarias a fazer um investimento tão tolo como numa lojinha – Fowler pôs o Jornal de Mobile em cima da mesa, empurrou os óculos que estavam a escorregar pelo nariz e lançou um olhar de desaprovação a Emily.

– Tio, eu deixei que me tratasses e mimasses durante anos. Agora, chega. Não posso passar o resto dos meus dias a esconder-me atrás de ti.

– É isso o que pensas que andaste a fazer, Emily? A esconderes-te?

Fowler não podia suportar a ideia de ter a sua preciosa e pequena Emily a viver fora da sua casa, o santuário da sua protecção. Desde a trágica morte de Stuart, que Fowler dedicara a sua vida a Emily, com alegria e devoção. Ela era tão querida quanto uma filha... como uma irmã. O mais leve pensamento de que alguém pudesse magoá-la outra vez despertava nele uma raiva e uma revolta que o queimavam por dentro. Mas como poderia mantê-la a salvo se Emily voltasse ao mundo cruel que a sua frágil sensibilidade não estava preparada para enfrentar?

Afastando a cadeira, Emily levantou-se da mesa de jantar e foi para perto de Fowler. Colocou a mão sobre o seu ombro magro e respondeu à pergunta:

– Sim, tio, estive escondida desde que Stuart morreu, e tu sabes disso. Usei as cirurgias às minhas costas como desculpa para me manter reclusa. Impus-te a minha presença durante todos estes anos. Tu desististe de muitas coisas para ficares ao meu lado, a proteger-me. E agora está na hora de eu te dar sossego e tentar esquecer o que se passou.

Fowler inclinou a cabeça para olhar com muita afeição para o lindo rosto da sobrinha. Será que Emily não percebera que ele não desistira de nada, que antes de ela vir viver na sua companhia na grande casa em estilo vitoriano, Fowler estava sozinho e muito solitário? É claro que sabia como o tio a amava.

– Bem, minha querida, se é isso que queres, é claro que não vou tentar impedir-te. Acho que uma pequena viagem de quarenta e cinco minutos de carro até Fairhope, todos os dias, não será assim tão mau. Tu vais precisar de um automóvel, claro. Vou chamar o Harry para trazer o Mercedes.

– Não vais fazer nada disso. O meu carro só tem seis anos. O Stuart e eu comprámo-lo novo e, além disso, não viajarei todos os dias.

– O que é que queres dizer com isso, Emily?

– Por favor, não fiques zangado, mas decidi mudar-me para o chalé da avó na praia de Point Clear. Tu sabes que o redecorei.

– Sim, mas... – Fowler não sabia o que dizer diante do que Emily estava a anunciar.

Ela pretendia mudar-se da sua casa. Ia ficar longe dele, viver sozinha. Como suportaria ficar sem o doce sorriso de Emily e a sua adorável presença? Hannah tinha construído o chalé para as temporadas e não como residência.

– Muitas famílias resolveram morar nos seus chalés, nas praias do Leste, tio. Eu adoro a casa da avó. Passei ao lado dela alguns dos dias mais felizes da minha infância. Acho que foi esse o motivo da avó me ter deixado o chalé como herança.

– Mas ficarás muito sozinha, querida. Os dois chalés mais próximos não estão para arrendar?

– Oh, tio Fowler, tu estás sempre tão preocupado!

Emily sorriu e Fowler sentiu o seu coração a partir-se. Ela era a criatura mais linda da terra. Achara isso desde a primeira vez que a vira, quando o seu sobrinho, Stuart, a trouxera lá a casa para a apresentar à família como namorada. Ficara tão feliz quando Stuart se casara com ela e a tornara parte das suas vidas... A morte de Stuart e o aborto de Emily destruíram a felicidade da família. Mas Fowler tinha movido céus e terras para ajudar a sobrinha. Emily fora forçada a viver quando desejara morrer. Fowler segurara-lhe a mão e enxugara-lhe as lágrimas durante as incontáveis cirurgias, que não tinham sido suficientes para apagar as cicatrizes horríveis das suas costas. Queria que a sua menina fosse feliz de novo, que vivesse outra vez, mas...

– Tu disseste a Charles que te vais mudar, Emily?

– Não, é claro que não. Por que é que deveria?

– O Charles gosta muito de ti. E eu aprovaria, sem dúvida, uma união entre os dois.

Charles Tolbert era um jovem contabilista da firma de Fowler, um homem que o tio tinha sob sua protecção. Fowler escolhera Charles como protegido depois da morte de Stuart e acalentava a ideia de que algum dia Emily concordaria em casar-se com o rapaz. No ano anterior, eles tinham namorado e Charles apaixonara-se, mas Emily permanecia indiferente.

– Podes contar a Charles, hoje, tio. Não há motivo para que não continuemos amigos. Afinal de contas, estou apenas a mudar-me para o outro lado da baía.

– Gostaria que tivesses discutido isso comigo, antes de te decidires, mas é tarde de mais para te tentar fazer mudar de ideias.

– Está tudo acordado. Assinei os papéis, e agora sou uma das proprietárias da Paint Box. Começarei a trabalhar na próxima segunda-feira, portanto mudo-me para o chalé este fim-de-semana.

– Já?! Vou sentir tantas saudades, minha querida – Fowler suspirou e grossas lágrimas afloraram-lhe os olhos. – Mas é claro, tu sabes o que é melhor para ti e eu só quero a tua felicidade. Se achas que entrar nesse negócio e dar aulas de arte te fará bem, estou do teu lado a cem por cento. No entanto, pensei que estivesses contente a trabalhar no teu livro. Aquele sobre as histórias de Hannah.

– Eu não vou parar de escrevê-lo. Viver no chalé tornará mais fácil a descrição dos factos e lugares. Não terei de recorrer à memória.

– Está bem. Então, vejo que já tens tudo acertado...

Fowler poderia até tentar convencê-la a desistir da ideia, mas conhecia Emily o suficiente para saber que, quando ela se decidia por alguma coisa, nada era capaz de a convencer do contrário. Fowler não tinha alternativa a não ser concordar com a sobrinha, mesmo achando que era um erro Emily deixar de viver com ele.

– Se estás determinada a mudar-te, ajudo-te. E não me venhas dizer que não há nada nesta casa que gostarias de levar.

Emily baixou-se e abraçou o tio, com força.

– Tu és maravilhoso! Sabes disso, não sabes? Eu amo-te muito, tio Fowler.

– E eu amo-te a ti, minha querida. Do fundo do coração.

 

 

– Então, o que é que ele disse, Emily? – perguntou Nikki Griffin enquanto empilhava caixas no chão da loja. – O Fowler sabe que sou eu a pessoa de quem tu ficaste sócia?

Emily olhou directamente para os olhos castanhos e expressivos de Nikki, de quem ela não conseguia esconder nada do que estivesse a sentir.

– Não, o tio não sabe, porque não vi nenhuma razão para lhe contar ainda. O pobrezinho já está a ter dificuldades suficientes para aceitar a minha mudança, depois de eu ter vivido com ele nos últimos cinco anos.

– Então, o Fowler não vai gostar nada quando souber que somos sócias na Paint Box. Ele não me aprova, porque acha que sou uma desavergonhada.

– Ora, Nikki, tens de admitir que não causaste uma boa impressão na primeira vez que o tio te viu.

– Ah, sim! – Nikki suspirou dramaticamente, mandou a cabeça para trás e riu, balançando os cabelos vermelhos, curtos e encaracolados. – Isso foi há oito meses. Eu acabara de me mudar para o Alabama e fui àquela festa beneficente com Chip Walters.

Mordendo o lábio inferior, Nikki sorriu com malícia.

– Emily, a culpa não foi minha se Chip e Lance Dunham discutiram por minha causa!

Emily não conseguiu deixar de rir.

– Eu pensei que o tio fosse morrer quando lhe disse que a mulher que estava no meio daquela contenda tinha sido a minha melhor amiga na faculdade.

– Não me fales disso – Nikki empilhou mais uma caixa. – Parece que se passaram milénios desde que estudámos juntas. Não gosto de pensar no passado. É doloroso de mais.

Emily e Nikki sabiam pouco a respeito uma da outra. Fazia oito anos que as duas não se viam quando se reencontraram na festa de caridade. Desde então, renovaram os laços de amizade, e há algumas semanas atrás decidiram tornar-se sócias.

– Eu trouxe uma garrafa de champanhe, Nikki. Por que é que não abrimos a garrafa para comemorar? Temos de fazer um brinde ao início do nosso negócio: boa sorte para ti e para mim!

– Não posso dizer que é a primeira vez que bebo champanhe antes do meio-dia – Nikki aproximou-se de Emily e abraçou-a. – Mas é a primeira que faço isto com uma mulher.

– Nikki, tu és terrível! É por esse motivo que o tio Fowler acha que és desavergonhada. E as outras pessoas ficam a pensar que tu és uma...

–... rapariga fácil?

– Que expressão! Digamos que és uma rapariga liberal.

Nikki acompanhou Emily até ao pequeno frigorífico, na cozinha, que ficava nos fundos da loja.

– Formamos um par e tanto, não achas, Emily?

Emily pegou numa garrafa de Dom Perignon e tirou-lhe a rolha.

Nikki assobiou.

– Ah, isto é coisa muito boa!

– O que é que querias? Somo importantes, não somos?

– Nós as duas estivemos a esconder-nos da dor e a protegermo-nos para não sermos magoadas outra vez. Tu, ao teu modo, a viver naquele mausoléu vitoriano com o tio do teu falecido marido e a recusares-te a namorar qualquer um que não fosse do tipo de Charles: inofensivo e inexpressivo. E eu, a viajar pelo país, a envolver-me com qualquer homem que estivesse disponível.

– Um relacionamento sério não é uma opção para mim, Nikki. Namorar, ainda que com alguém como Charles, iria levar a um romance, que levaria ao sexo e...

– O homem certo não se importará com as cicatrizes das tuas costas, Emily.

– Eu não acredito que tu creias na existência do príncipe encantado.

– Para mim, não. Mas para uma princesa como tu deve haver a pessoa certa, logo ali, ao virar da esquina.

– Gostaria de fazer um brinde – Emily ergueu o copo. – Que os nossos sonhos se realizem. E que eu encontre a minha alma gémea, que não reparará nas minhas cicatrizes. E que tu encontres o homem ideal que não acreditas que existe.

– Ah, que brinde mais tolo e romântico!

 

Dois

 

– Tu perdeste o juízo, Mitch?! – os olhos escuros de Zed Banning brilhavam. – Arrendaste um chalé ao lado do de Emily Jordan!

Mitchell olhou em redor, no restaurante, e sorriu quando percebeu que algumas pessoas os observavam.

– Calma, Zed! Estás a reagir como se eu tivesse dito que estava a dormir com ela! Tudo o que fiz foi mudar-me para perto de Emily, para poder vigiá-la. E é tudo. Por enquanto...

– Por enquanto?! A Emily sobreviveu durante cinco anos sem a tua ajuda e, se conseguiu, acho que não precisa de ti para nada.

– Tu disseste-me que ela morou com um tio do marido até alguns meses atrás. Tudo o que quero é ter a certeza de que ela está bem, de verdade. E, se houver alguma coisa que eu possa fazer para a ajudar, para a compensar pelo... Tu sabes a que é que me estou a referir, Zed.

– Tu queres o perdão de Emily Jordan. Estás a brincar com fogo, companheiro. Desejas uma coisa que Emily não te pode dar. E depois?

– Eu não sei, Zed. Ainda não pensei em tudo.

Zed terminou o seu café e olhou bem para os olhos de Mitchell.

– Mitch, tu transformaste a tua vida nos últimos meses. Estás sóbrio e limpo. E tens um emprego. Não estragues as coisas ao envolveres-te com Emily Jordan. Imagino como te sentes em relação a ela, mas...

– Tu não tens a menor ideia. Passei anos enlouquecido, sem parar de pensar naquela rapariga desfalecida nos braços do bombeiro. Quando eu saía do estupor da bebida, esses pensamentos eram os primeiros que me povoavam o cérebro.

– Estás obcecado por Emily Jordan e queres redimir-te perante ela. Tenho medo de que estejas a entrar numa encrenca, Mitch. Se continuares com esses planos, vais magoar-te. E a Emily também.

– Eu sei que tu achas que estou louco, mas não estou. Preciso de fazer isto. Não tenho outra escolha.

– Existem sempre outras escolhas, Mitch.

– Para mim não. Não a este respeito. Sem o perdão de Emily Jordan, não conseguirei ter uma vida normal.

 

Emily atendeu o telefone:

– Paint Box. Fala Emily Jordan. Em que posso servi-lo?

– Emily? – uma forte voz masculina fez-se ouvir.

Ela sentiu cada nervo do seu corpo a gelar. Era o mesmo homem que andava constantemente a ligar nos últimos dias. Se ele persistisse, Emily teria de avisar a polícia. O indivíduo não fazia ameaças, nem propostas, mas perturbava-a.

– O que é que quer?

– Ouvir a tua voz, Emily.

– Por favor, páre de me incomodar! – e desligou o aparelho.

– Oh, Deus, era aquele homem outra vez? – Nikki aproximou-se. – O que é que ele disse?

– Que queria ouvir a minha voz.

– Eu não sei por que é que ainda não avisaste a polícia.

– Na verdade, ele não está a infringir nenhuma lei. Nunca me fez ameaças.

– Está bem, por enquanto só te está a perturbar, mas e se te começar a perseguir?

– Ando a rezar para que isso não aconteça, mas, se ele aparecesse em pessoa, eu ao menos saberia quem é.

– Eu acho que é Charles Tolbert – Nikki torceu o nariz. – Tu contaste-me que ele ficou muito nervoso quando lhe disseste que não podiam namorar mais porque o vosso relacionamento não tinha futuro.

– O Charles não é do tipo que disfarça a voz ao telefone. Ele é um bom rapaz. Às vezes até me lembra Stuart.

E os pensamentos de Emily voltaram sete anos atrás, quando se apaixonara por Stuart. Tinham sido dias felizes, cheios de promessas de um futuro perfeito, que findaram com a tragédia do incêndio do Brisa do Oceano.

– Então, por que é que acabaste com Charles, Emily?

– Não sei. Talvez por isso mesmo, por me fazer lembrar Stuart. Para ser honesta, Nikki, não me sinto atraída por Charles. Nem para namorar nem para vir a ter um relacionamento mais sério. Tu sabes do que estou a falar.

– O Charles não te faz ferver, não é? Entendo. Mas ele não é o único homem interessado em ti. O que me dizes de Rod Simmons?

– O Rod tem vinte anos! E é um dos meus alunos de arte – Emily sorriu.

– E depois? É óbvio que te acha bonita.

– Sim, eu sei. As efusivas demonstrações de afecto dele convenceram o tio Fowler de que Rod é o homem secreto que me telefona.

Nikki tamborilava os dedos no balcão, pensativa.

– Pode ser que seja Rod, mas o meu palpite ainda é Charles. Ou...

– Ou?

– O que é que achas do teu novo vizinho, aquele Deus loiro sobre o qual me falaste? Quem sabe se não é esse o método dele se apresentar... Ei, é esse o motivo de tu já não quereres namorar com Charles? Estás atraída pelo vizinho?

– Esse rapaz nem sequer sabe o meu nome e o meu número de telefone não está na lista. Além disso, acho que nem sequer reparou em mim. O facto de eu ter reparado nele não significa que ele também tenha reparado em mim.

– Nunca pensaste em ir até ao chalé dele e apresentares-te? – Nikki encarou-a, com malícia. – Nós as duas sabemos que aquele homem lindo e maravilhoso te fez ter sonhos eróticos mais de uma vez.

Emily corou.

– Ele é um homem muito intrigante, viril e atraente, mas alguma coisa me diz que não é do tipo que se interessaria por mim.

– Emily, tu precisas de superar esse teu complexo. Tu és uma rapariga muito bonita e o homem que te merecer não vai perder o entusiasmo por causa das marcas.

– Gostaria de acreditar que estás certa, Nikki, que tudo isso não importa. No entanto, tenho medo de correr o risco. Acho que morreria se me interessasse por alguém que sentisse repulsa ao ver-me nua.

Antes que Nikki pudesse responder, Emily pegou num maço de envelopes que estava sobre o balcão e entregou-lhos, dizendo:

– Continua a verificar as novas contas que chegaram hoje, que eu cuido da loja até à minha próxima aula.

 

 

Mitchell Hayden bebeu um último gole de café enquanto olhava para a linda vista da baía. Já estava a trabalhar há quatro meses no golfo, de manhã até à noite, no projecto de pousadas a serem construídas em Gulf Shores, e há um que morava no chalé. Desdobrava-se até à exaustão, para conseguir dormir sem sonhar. Jurara que jamais voltaria para o Sul do Alabama e que escaparia do passado, mantendo-se sempre ocupado. Mas tentara fugir do passado durante os últimos anos e procurara encontrar a paz e o esquecimento. No entanto, independentemente do lugar em que estivesse ou do que fizesse, não tinha conseguido nada, a não ser solidão, tristeza e um sentimento de culpa que não tinha fim e do qual ele não podia escapar.

Zed Banning trouxera-o para o golfo, para encarar o passado e recomeçar a vida. Mitchell sempre achara Zed optimista de mais. Como é que um homem se podia reerguer sobre as cinzas da existência de outras pessoas?

Mitchell já tentara de tudo, viajando pelo país, andando a esmo, embriagando-se até um estado de estupor que lhe proporcionava algumas horas de sono sem sonhos medonhos. Nada funcionara. Nada poderia mudar o passado. Nada poderia trazer os mortos de volta à vida ou desfazer o dano que ele causara.

E nenhuma firma de construção no Sul lhe daria um emprego depois do que tinha acontecido. Todos sabiam o seu nome, embora muitos já não o reconhecessem. Zed dissera-lhe que ele envelhecera dez anos em cinco. Mitchell concordara com o amigo, pois aquele homem magro, atraente, com um bigode de astro de cinema, vestido com fatos caros, já não existia. Tinha sido substituído por um homem de mãos ásperas, músculos desenvolvidos pelo trabalho braçal numa firma de construção, com um rosto marcado pelo sofrimento e pelo longo tempo entregue à bebida.

No período que antecedeu o desastre, Zed tentara dizer-lhe que ele estava a fazer um pacto com o diabo, e nada de bom poderia advir de uma sociedade com Randall Styles. Mas Mitchell não o ouvira. Tinha sido ambicioso e determinado de mais, queria provar o seu valor ao mundo e... a Loni. Zed também o tinha prevenido a respeito de Loni. Deus do céu, se tivesse ouvido os avisos do amigo!

Mas Mitchell ignorara Zed. Tinha dado ouvidos aos planos mirabolantes de Randall e às promessas de riqueza e poder. E deixara o seu amor por Loni obscurecer o seu bom senso. Loni fazia dele o que queria e fê-lo de tolo. Pagou caro pela tolice da juventude e agora aceitava o preço que tinha de arcar por tudo o que fizera. O que não conseguia aceitar era que pobres pessoas inocentes foram envolvidas e morreram por isso.

Mitchell soltou uma gargalhada amarga e cruel. Quisera que as coisas acontecessem depressa de mais, e tinha sido relapso ao não dar atenção aos sinais do que estava a acontecer. E, quando percebeu, já era tarde. O Brisa do Oceano desabara como uma casa de cartas de baralho, matando Stuart Jordan, ferindo muitas outras pessoas, e destruindo os sonhos de Mitchell, pois a sua consciência acusá-lo-ia por toda a existência e a consciência consumi-lo-ia, atormentando-o.

Mitchell tinha estado perto da morte mais do que uma vez nos últimos anos. Bebera muito, conduzira a alta velocidade, entrara num número sem fim de lutas, ficara muitas e muitas noites sem dormir e praticara sexo desenfreadamente e sem nenhum critério. Não se tentara suicidar, mas não se importava de continuar vivo.

Agora estava sóbrio. Não bebera mais que uma cerveja em quatro meses. E, pela primeira vez em tanto tempo, tinha um emprego fixo, comia três refeições decentes por dia e não procurava mulheres desde que voltara para Kentucky.