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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2008 Shirley Kawa-Jump LLC.

© 2015 Harlequin Ibérica, S.A.

Companheiros e amantes, n.º 1144 - Maio 2015

Título original: Boardroom Bride and Groom

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2009

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Bianca e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-6940-0

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Capítulo 1

 

Carolyn Duff tinha cometido um erro grave na sua vida: o típico casamento rápido numa capela de Las Vegas... Um erro que a seguira até ali e que estava a trabalhar a alguns quarteirões dela. Com o seu metro e oitenta e sete.

Geralmente, conseguia esquecer Nicholas Gilbert e concentrar-se no seu trabalho como assistente do promotor público. Bom, na verdade quase não tinha tempo para saber se o sol já se tinha posto porque os seus dias eram passados num redemoinho de chamadas, precedentes legais, certificados, alegações escritas, estudos sobre as leis do Indiana e cartas urgentes. O seu calendário podia dizer que era sexta-feira e o seu relógio, que passava das cinco horas, mas Carolyn continuava à sua secretária, embora o dia seguinte fosse o feriado de Quatro de Julho e os tribunais estivessem fechados até terça-feira.

Para ela, isso não importava. Uma bomba relógio interior obrigava-a a trabalhar, a perseguir mais um caso, para ver as grades da prisão a fecharem-se mais uma vez para algum criminoso.

Ou seja, tinha colaborado outra vez com a justiça.

E, no entanto, não era suficiente.

Carolyn passou os dedos pelas têmporas, tentando controlar o princípio de uma enxaqueca antes que se tornasse demasiado intensa. Depois, começou a trabalhar numa negociação com um advogado para quem o seu cliente, um ladrão de pouca monta, só merecia noventa dias de prisão e uma pequena multa.

Carolyn, que conseguia imaginar aquele ladrão a transformar-se num criminoso perigoso, queria colocá-lo atrás das grades. O juiz, no entanto, queria uma resolução rápida do caso e tinha dado aos dois advogados o fim-de-semana comprido para chegarem a um acordo.

Mary Hudson, a sua assistente, espreitou para o escritório, com o seu cabelo castanho a emoldurar-lhe uns olhos castanhos enormes e um sorriso amistoso.

– Toda a gente já foi para casa. Diz-me que também vais aproveitar a ponte.

– Mais cedo ou mais tarde.

Mary suspirou.

– Carolyn, é uma ponte! É para te divertires, não para trabalhares. Vem beber um copo comigo. Combinei com as raparigas no pub lá em baixo.

– Desculpa, Mary. Tenho muito trabalho.

– Sabes do que precisas? De um vestido novo e de um homem bonito... Uma coisa atrai sempre a outra.

A sua assistente era muito insistente. Tinha tentado todas as tácticas, incluindo a súplica. Para ela, uma mulher sem um homem era como um cão sem cauda, uma criatura que merecia compaixão.

– Não preciso de um homem – suspirou Carolyn.

Embora a última vez que tinha saído com um...

Muito bem, não se lembrava da última vez que tinha saído com um homem.

Falando de encontros e de homens... A imagem de Nick apareceu na sua cabeça, despertando uma onda de algo quente que Carolyn se recusava a chamar «desejo». O que tinha aquele homem? Só fora um minuto da sua vida e, no entanto, estava sempre ali, como se fosse o capítulo mais importante. Um capítulo que gostaria de não ter escrito, mas que não era capaz de deixar de ler. Bom, não pensava voltar a tirar aquele livro da biblioteca. Já se sabia o fim.

Um fim-de-semana louco. Uma decisão impetuosa. Quatro dias e tinha acabado tudo.

Mary apoiou-se na mesa, olhando para ela nos olhos.

– Muito bem, posso não conseguir que pares de trabalhar, mas irás ao lanche do projecto de beneficência, não irás? Aquelas crianças precisam de ajuda, Carolyn. São crianças órfãs, crianças que vivem abaixo do limiar da pobreza... Há de tudo. E não terás de fazer nada. Organizámos um monte de actividades para os mantermos ocupados durante o dia todo, por um lado, para que se esqueçam dos seus problemas e, por outro, para que os pais adoptivos possam descansar. Deve ser muito angustiante receber um estranho em casa.

E devia ser angustiante para as crianças viver com estranhos, pensou Carolyn. Mas não disse nada. Ela nunca falava do seu passado. Quando partira de Boston quatro anos antes, também deixara para trás as lembranças.

– Prometo que irei ao lanche no sábado. Mas não preciso de um vestido novo. Posso usar o que levei à festa do escritório no Verão passado. E posso ir sozinha, porque sou perfeitamente capaz...

– De cuidares de ti mesma – acabou Mary por ela. – Sim, eu sei. Também o são os caranguejos ermitões, mas nunca os vês a sorrir, pois não?

– São crustáceos, Mary! Acho que não são capazes de sorrir.

– Exactamente! – a sua assistente assentiu, como se tivesse provado alguma coisa.

Nos dois anos que trabalhavam juntas, Carolyn sempre tinha tentado decifrar em que estratosfera vivia Mary, que escrevia no computador à velocidade de um raio e arquivava com uma habilidade quase desumana. Quanto ao resto...

Enfim, ela tinha vinte e oito anos e não aceitava que ninguém lhe dissesse como tinha de viver. Ou que precisava de um homem. Porque havia coisas mais importantes em cima da sua secretária.

Carolyn abriu a pasta que tinha diante de si e começou a rever as provas do caso. Se se distraísse durante um único segundo, poderia escapar-lhe alguma coisa. Um criminoso perigoso para a sociedade, por exemplo.

Daquela vez, chamava-se Liam Pendant, um tipo que a polícia tinha apanhado com uma arma não registada no porta-luvas do camião. O seu advogado queria que fosse indulgente com ele, mas Carolyn não concordava. E se tivesse entrado na casa em vez de roubar o cortador de relva da garagem? E se tivesse entrado de arma em punho? E se tivesse disparado contra o proprietário?

Em vez de um simples caso de roubo, poderia ter diante de si outra tragédia absurda, o resultado de uma pessoa anti-social com uma arma na mão.

E ela sabia muito bem onde poderia levar isso. Como uma família podia ser destruída num segundo. Não, decidiu, revendo a longa lista de antecedentes penais de Liam Pendant, antes de fechar a pasta. Não haveria acordo.

Mas quando tentou abrir outro relatório para continuar a trabalhar, Mary pôs uma mão sobre os papéis.

– Querida, um verme tem mais vida social do que tu.

– Mary, pago-te para...

– Ajudar, não para te dizer o que tens de fazer, eu sei.

A rir-se, Carolyn recostou-se na poltrona.

– Parece que disse essa frase com muita frequência.

– Sim, mas eu não te faço caso. Depois de dois anos juntas, considero que somos amigas e, como amiga, devo dizer-te que trabalhas demasiado – Mary aproximou-se da janela para levantar as persianas, mostrando a cidade alegre do outro lado. – Caso não te tenhas dado conta, estamos no Verão. As pessoas saem para apanhar sol, não ficam dentro de casa com as persianas descidas como se fossem vampiros.

Carolyn virou-se para admirar a paisagem. O brilho do sol sobre a praça, o trânsito dos carros a saírem de Lawford para procurarem a tranquilidade dos lagos que enchiam a paisagem do Indiana...

– Está um dia maravilhoso! – continuou Mary. – E será um fim-de-semana perfeito para o lanche com as crianças. Vão adorar os presentes e...

– Os presentes! Ainda não comprei nenhum – Carolyn voltou a passar os dedos pelas têmporas. – Prometi apadrinhar uma das crianças e esqueci-me de comprar alguma coisa. Desculpa, Mary. Estes casos consomem-me o tempo todo.

– Há sempre casos novos, todos os dias do ano, infelizmente. Podes sair e aproveitar o sol por uma vez? Eu acho que o ar condicionado está a fritar-te o cérebro.

Carolyn levantou-se para se aproximar da janela e, durante um segundo, sentiu o calor do sol através dos vidros, sentiu aquela magia especial que tinham os dias de Verão...

Então, recordou a sua infância, aqueles primeiros dias, quando a escola tinha acabado, correndo para receber o seu pai que voltava do trabalho, os passeios intermináveis de bicicleta, as vezes que tinha empurrado o baloiço do jardim... «Mais um bocadinho, papá, por favor, só mais um bocadinho.» O esconderijo, os jogos que só acabavam à hora de jantar. Às vezes, o seu pai deixava-a ficar acordada até tarde, a ver as estrelas cadentes ou a apanhar libélulas...

Sentiu um nó na garganta, um nó tão grande que não conseguia respirar. «Oh, papá!» Sentia tanto a falta dele...

Cada Verão com o seu pai fora... memorável. Sozinhos, porque a sua mãe tinha morrido num acidente de carro pouco depois de ela nascer. Por isso, Carolyn e o seu pai partilhavam uma ligação profunda. Uma ligação da qual tinha tantas saudades que havia dias em que quase podia jurar que a dor era tangível.

Depois da morte do seu pai, quando ela tinha nove anos, tinha perdido a alegria de viver. Começara a ficar em casa, evitando os dias de sol porque já não tinham magia. Tentando esquecer aquela estação que tinha aproveitado tanto com ele...

Então, aparecera Nick e recordara-lhe como costumava divertir-se em menina. Recordara-lhe que a magia continuava a existir.

Durante algum tempo, Carolyn soltara o cabelo e fizera algo absolutamente absurdo, tanto que a tinha levado a um casamento desastroso.

Felizmente, tinha notado esse erro quase imediatamente e agora tudo estava no caminho certo. Tinha um emprego óptimo, invejável. Sim, custara-lhe o que as outras pessoas tinham: um lar, filhos, um marido. Mas para uma mulher como ela, sem muita experiência na vida familiar tradicional, estava bem. Além disso, nem Nick nem ela tinham levado o casamento a sério.

E quando aquele rosto do seu passado aparecera na televisão, quando aquele monstro lhe recordara o momento mais amargo da sua vida, soubera que tinha de fazer alguma coisa e tomara a decisão de deixar Nick para sempre.

Tentando afastar as lembranças, Carolyn voltou para a sua secretária.

– Vou-me já embora. Prometo, Mary.

A sua assistente suspirou.

– Muito bem. Vemo-nos amanhã, então. Vais ao lanche, não vais?

– Lá estarei, prometo.

– Se não apareceres, sabes que virei buscar-te e que te levarei para o parque, nem que seja arrastada – avisou-a Mary, apontando-lhe o dedo.

Enquanto saía do escritório, a sua assistente ia tirando os sapatos e calçando uns chinelos que trazia na mala.

Carolyn perguntou-se quando fora a última vez que ela tinha feito algo tão espontâneo. E não se lembrava. Tornara-se mais fácil passar os fins-de-semana e as férias no seu escritório, a trabalhar. Era mais fácil rejeitar os convites para jantar que eram, evidentemente, uma tentativa de a juntar com alguém.

Mas Mary tinha razão. Quase podia sentir o seu pai a olhar para ela do céu, repreendendo-a por todos os dias de Verão que perdera, por todos os pores-do-sol que tinham tido lugar atrás das suas costas enquanto trabalhava.

Enfim, tinha de ir às compras antes do lanche!, pensou. E que melhor desculpa para sair do escritório antes do habitual?

De modo que acabou a toda a pressa o que estava a fazer, telefonou ao advogado de Liam para lhe dizer que não haveria acordo e desligou o computador.

Enquanto se dirigia para o elevador, abriu o envelope que Mary lhe dera com a informação do apadrinhamento e tirou a fotografia de um menino, presa com um clipe.

E sentiu um aperto no estômago. Era um menino de cinco anos, muito bonito, embora um pouco magro, que precisava desesperadamente, dizia o relatório, de quase tudo: cadernos, lápis, roupa de Verão, lençóis. A sua lista de sonhos era tão simples que Carolyn sentiu um aperto no coração: livros de histórias e um camião de brincar.

Por um segundo, viu o seu futuro nos olhos do menino. Se tivesse continuado casada com Nick, se um dos dois tivesse transformado aquele casamento numa coisa real...

Carolyn passou o dedo pela fotografia. E se...?

Mas não. Não havia nada disso. Ela tinha tomado a sua decisão por razões de peso... e eram as razões que a faziam feliz.

Quando se abriram as portas do elevador, Carolyn tinha voltado a ser ela mesma. Lidaria com aquele projecto de apadrinhamento à sua maneira. Apertando o envelope, fez uma lista mental de tarefas, pondo cada coisa no seu sítio, tratando-o como mais uma tarefa. Distanciando-se, mantendo as suas emoções fora da equação.

Era a melhor maneira de proteger o seu bem mais prezado... O que tinha jurado não voltar a deixar exposto outra vez.

O seu coração.

 

 

O último sítio onde Nick Gilbert esperava estar numa sexta-feira à noite era numa loja de brinquedos.

Mas ali estava, a tentar decidir-se entre uma boneca que chorava e uma que arrotava. Na sua opinião, nenhuma das duas era realmente interessante. Arrotar podia ser uma opção divertida... mas só se fosse um adolescente e quisesse fazer rir os seus colegas na aula de matemática. Embora, a julgar pela quantidade de caixas que faltavam na prateleira, as duas fossem muito populares.

A que chorava... Ou a que arrotava?

Ele tinha crescido no seio de uma família numerosa, mas não sabia nada sobre crianças. Porque aceitara apadrinhar uma? No que estava a pensar?

Tinha-o convencido uma fotografia. E a lista de desejos e necessidades que havia no relatório. Tinha pensado, com a sua atitude típica de «eu consigo fazer tudo», que conseguiria lidar com aquilo sem nenhum problema.

Pois, pois! Teria conseguido juntar mais facilmente uma manada de elefantes.

E, na verdade, também tinha pensado que encher um carrinho de brinquedos e ir ao lanche de beneficência encheria um pouco aquele vazio que ultimamente tinha no peito. Um sentimento absurdo, porque deveria estar contente. Tinha tudo o que precisava: uma boa carreira, bons amigos, uma família que o amava. Um estilo de vida fácil que exigia muito pouco.

E, mesmo assim...

Sem se dar conta, carregou nos botões das bonecas, que deixaram escapar um risinho e um arroto ao mesmo tempo. Duas senhoras viraram-se, com expressão divertida e caridosa ao mesmo tempo. Um homem na prateleira das bonecas. Aparentemente, estava a transformar-se num objecto de compaixão.

– É uma experiência antes de ter um filho – brincou. – Acho que gosto mais da que arrota. É mais divertida.

As senhoras abanaram a cabeça, rindo-se, enquanto se afastavam.

Nick guardou as duas caixas no carrinho e virou à direita, com intenção de sair da loja de brinquedos o mais depressa possível. Aquilo não era para ele. Mas, ao contornar a esquina para se dirigir para a caixa, o seu carrinho chocou com outro, sacudindo as bonecas, que se queixaram com outro choro e arroto.

Nick quase não se deu conta. Porque, de repente, se encontrou a olhar para a única mulher que não fora capaz de esquecer.

Carolyn Duff.

Tinha uns olhos verdes, profundos, tão grandes que pareciam dois lagos convidativos à luz da lua. Usava um fato cinzento que escondia as suas curvas e uns sapatos de salto raso que não destacavam as suas pernas, mas que lhe recordavam como eram bonitas. E o cabelo loiro preso num coque severo. Embora Nick soubesse que, quando o deixava solto, era suficientemente comprido para roçar as suas maçãs do rosto e o seu queixo.

Por fora, tudo em Carolyn era delicado. E, no entanto, por dentro era forte.

Ela fora a única rapariga que o tinha intrigado na universidade. O seu estilo seco tinha-lhe parecido um desafio. Porque, quando se tinham conhecido e a fizera rir-se, tinha visto a verdadeira Carolyn. E depois a única coisa que tinha desejado fora tirar-lhe todas aquelas camadas de seriedade, para que relaxasse, para que deixasse de ser a rapariga concentrada só nos seus estudos.

E depois de o conseguir, fizera uma coisa absolutamente espontânea: casara-se com ela. O maior erro da sua vida.

E agora esse erro estava ali, diante dele.