hc3501.jpg

 

Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

Irmãs

Título original: Sister Sister

© 2017, Sue Fortin

© 2018, para esta edição HarperCollins Ibérica, S.A.

Publicado originalmente pela HarperCollins Publishers Limited, UK.

Tradutor: Ana Filipa Velosa

 

Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

Esta edição foi publicada com a autorização da HarperCollins Publishers Limited, UK.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, acontecimentos ou situações são pura coincidência.

 

Desenho da capa: Diseño Gráfico

Imagem da capa: Arcangel Imágenes S.L.

 

1ª edição: Novembro 2018

ISBN: 978-84-9139-288-0

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Dedicatória

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Nota da autora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não poderia escrever um livro sobre irmãs sem o dedicar à minha própria irmã, Jacqueline.

 

Porém, devo esclarecer que esta história dista muito dos nossos laços fraternais.

1

 

 

 

 

 

Às vezes, o frio mais intenso não se sente em pleno inverno, quando o bafo é uma nuvem branca, os pés ficam dormentes e os dedos hirtos e enregelados; às vezes, o frio mais intenso sente-se no aconchego do próprio lar, no seio da própria família.

Há uma coisa que sei com certeza, e é que estou deitada numa cama que não é minha; em primeiro lugar, porque o colchão é mais rijo e não noto a suavidade familiar a que estou habituada. Estico os dedos com cautela e ouço o ténue farfalhar do algodão contra o plástico. Decido que é um colchão impermeável.

Noto o peso da roupa de cama que me tapa; outra coisa de que sinto falta é da reconfortante suavidade do edredão de penas. Este é mais pesado, menos flexível. Levanto um dedo e deslizo-o pelo tecido… parece algodão engomado, calculo que o peso a mais se deva a uma manta em cima do lençol. Aposto comigo própria que é azul, mas penso melhor e jogo pelo seguro. É azul ou verde, quem sabe branca. Para dizer a verdade, ultimamente tenho apostado muito pelo seguro. Mas é uma manta de croché, disso não há dúvida.

Até agora fiz um esforço para não abrir os olhos. Ouço vozes longínquas de pessoas que passam do outro lado de uma porta fechada, o som vai ganhando e perdendo intensidade como o murmúrio de uma onda a rebentar na praia.

No ar percebe-se um ligeiro cheiro a antisséptico misturado com o ambiente penetrante e adocicado de um meio esterilizado, o que confirma as minhas suspeitas de que estou num hospital.

Há outro cheiro, muito mais familiar. É o cheiro da loção aftershave que ele usa, uma loção que tem um toque limpo e fresco, e que eu própria lhe comprei no ano passado no nosso aniversário de casamento; fizemos oito anos de casados. É de uma marca cara, mas não me importei com o preço porque com o Luke sempre fui uma mãos-largas. Chama-se Forever e, tendo em conta que isso significa «Para sempre», o nome é muito irónico, porque não sei se lhe vou comprar mais algum presente de aniversário, nem este ano nem em nenhum outro.

— Clare? Estás a ouvir, Clare? — É a suave voz do Luke, perto do meu ouvido. — Estás acordada?

Não quero falar com ele, não estou preparada para o fazer. Não sei porquê, mas alguma coisa dentro de mim me diz para não lhe responder. Os dedos dele rodeiam os meus e noto a pressão quando mos aperta; sinto o estranho impulso de me livrar da mão dele. Não o faço, permaneço completamente imóvel.

Ouço o som da porta a abrir-se, uns sapatos com sola de cortiça rangem contra o chão de linóleo à medida que alguém se aproxima e diz baixinho.

— Desculpe, senhor Tennison, mas está lá fora um polícia que quer falar consigo.

— O que é que foi agora?

— Também quer falar com a senhora Tennison, mas disse-lhe que ainda não é possível.

A mão do Luke larga a minha e ouço o arrastar de uma cadeira pelo chão.

— Obrigado — diz ele.

Aguço o ouvido quando sai do quarto acompanhado pela enfermeira. Ele não deve ter fechado bem a porta, porque ouço a conversa com clareza.

— Sou o inspetor Phillips. Lamento incomodá-lo, senhor Tennison. Esperávamos poder falar com a sua mulher, mas a enfermeira diz que ainda não recobrou inteiramente a consciência.

— Pois não, é verdade.

Noto a atitude protetora que se reflete no tom de voz do Luke e imagino-o a exibir toda a sua altura e a endireitar os ombros. É aquilo que costuma fazer quando quer impor autoridade, é aquilo que costuma fazer quando discutimos.

— Nesse caso, talvez o senhor nos possa ajudar.

— Vou tentar.

Uma ligeira irritação está patente nas suas palavras. Para quem não o conhece, deve ser impercetível, mas ultimamente tenho ouvido esse tom com frequência, com demasiada frequência.

— Como descreveria a atitude da sua esposa antes de… eh… do incidente de ontem? — pergunta Phillips.

Incidente? Que incidente? As suas palavras desconcertam-me, de que incidente é que estará a falar? Tento relembrar, mas não me lembro de nada e a resposta do Luke desvia a minha atenção.

— A sua atitude?

— O seu estado de espírito. Se estava contente, triste, preocupada, nervosa…

O Luke interrompe-o com brusquidão.

— Sim, conheço o significado do termo «atitude».

Agora a irritação que se reflete na sua voz é óbvia e estou a imaginá-lo a olhar para o inspetor, carrancudo, como quem diz: Mas achas que sou idiota ou quê?

Puxo pela cabeça tentando recordar como me tenho sentido ultimamente. As ondas que rebentam na praia da minha consciência estão tingidas de tristeza, zanga e medo, mas não consigo compreender porquê.

O Luke demora a responder, de modo que deve estar a dar voltas à pergunta que o inspetor lhe fez. Decerto que lhe quer dar a resposta adequada. Se as lembranças ténues que flutuam na minha mente não me enganam, é uma resposta que provavelmente terei de rebater mais à frente.

Estou a começar a recordar, mas o que me vem à cabeça ainda não são lembranças concretas. Trata-se de sensações que não chegam aos poucos, mas em ondas. Sinto o ressurgir da ira e pergunto-me se o Luke estará a pensar em como tenho andado zangada, em como me tornei numa casmurra. O que é que ele me disse durante aquela discussão que tivemos? Ah, sim, já me lembro, disse-me que me andava a portar como uma doida varrida. Será que vai contar isso ao detetive? Se o fizer, será que vai confessar porque é que eu me tenho portado como uma doida varrida?

— A Clare tem andado sob muita tensão ultimamente, tem muitas questões com as quais lidar — responde por fim.

— Em que sentido? — insiste o inspetor.

— Está a ser difícil acostumar-se a certas mudanças na sua vida pessoal. — De certeza que por dentro está a pensar: O que é que tens a ver com isso?

Faço um esforço para entender o que se passa, não sei a que mudanças na minha vida pessoal se refere. Que raio será que aconteceu para ter acabado no hospital?

Não encontro a resposta de imediato, mas nesse curto lapso de tempo um mau pressentimento esgueira-se de fininho para dentro do quarto, avança lentamente para mim e envolve o meu corpo. Uma sensação gélida inunda-me, fico arrepiada e percebo que algo horrível se passou. Fiz uma coisa tão terrível que a minha mente a está a tentar bloquear, algo que vai contra tudo aquilo que sou.

Eu, Clare Tennison, sou boa pessoa. Sou uma mulher com uma carreira profissional bem-sucedida, já que sou sócia no escritório de advogados Carr, Tennison & Eggar; sou uma ótima filha para a minha mãe, Marion; sou a abnegada mãe de duas filhas, Chloe e Hannah; o Luke tem em mim uma esposa que o ama e apoia. Por amor da santa, até sou membro do conselho escolar!

A Clare Tennison não comete maldades, portanto, a que é que se deve este medo impregnado de culpabilidade? O que é que eu fiz?

Não quero que o segundo seguinte chegue. Tento bloqueá-lo, fazer com que o tempo se detenha, permanecer alheia a essa realidade. Viver com temor, por muito horrível que seja, é preferível à alternativa, a viver com a consciência do que fiz.

Zás!

Recuperei a memória. Lembro-me exatamente do que fiz, com tanta clareza como se estivesse a olhar através de um vidro polido com esmero.

Vejo as minhas mãos no volante, a conduzir o carro, enquanto circulo a toda a velocidade rumo a casa. O ponteiro do conta-quilómetros sobe e desce, o do conta-rotações ascende e cai conforme vou metendo as mudanças e conduzo o carro por estradas estreitas. As sebes esbatem-se no meu campo de visão periférico e as árvores passam velozes numa névoa que me recorda uma aguarela esborratada.

Demoro um instante a perceber que ela está mesmo ali, à minha frente, e que uma tonelada de metal vai passá-la a ferro. Como é possível não a ter visto? Estamos em plena luz do dia, o céu está limpo; não tenho o sol de frente, logo, não estou encadeada, e não há chuva alguma que me esteja a dificultar a visibilidade. Tenho o campo de visão completamente desimpedido. Ela aparece do nada, aparece mesmo à minha frente. Grito e piso o travão a fundo, ouço o chiar da borracha contra o alcatrão enquanto os pneus se agarram ao chão. Dou uma guinada para a esquerda para tentar esquivá-la, mas é demasiado tarde.

A lembrança nítida e inegável do choque revolve-me o estômago e acho que vou vomitar, mas o que emerge de mim é um som que sai das profundezas, que ascende do fundo do meu estômago e me arranca o coração. Quando me escapa da garganta já se converteu num grito de dor descarnado, uma dor muito intensa, para além das lágrimas. O meu corpo enrosca-se de forma involuntária em posição fetal. O gesso impede-me de mexer o braço esquerdo, mas a minha outra mão cobre a cabeça vendada como se me estivesse a preparar para a aterragem forçada de um voo condenado ao desastre. Noto que um tubo me puxa o braço, alguma coisa se arranca da minha mão.

A próxima coisa que sei é que há um alvoroço de gente à minha volta… Enfermeiras. A primeira delas, com palavras simultaneamente apaziguadoras e firmes, está a pedir para me acalmar, diz-me que vai correr tudo bem; a segunda, com palavras mais severas, está a dizer para não fazer força, que estou a tirar a via intravenosa e que me vou magoar. E também ouço a voz do Luke, uma voz forte e suave ao mesmo tempo.

— Chiu… Tem calma, coração… — Usa o termo ternurento ultimamente tão pouco habitual.

O seu tom de voz é parecido ao que utiliza com as meninas quando estão alteradas, como quando a Chloe caiu e fez um arranhão no joelho ou a Hannah descobriu que a fada dos dentes afinal não existia.

— Tem calma, está tudo bem. Vais ficar boa, prometo.

Quero acreditar, quero mesmo, mas é impossível, sendo eu a responsável por um crime tão terrível… O meu corpo sacode-se com uma náusea e um novo soluço emerge.

A última coisa de que me lembro é da fria sensação de um líquido a penetrar pelas costas da minha mão, a dor a ascender pelo braço. Noto como o meu corpo se vai descontraindo, e então o mundo que me rodeia desvanece-se enquanto a minha mente viaja de volta ao ponto de partida deste pesadelo.

2

 

 

 

 

 

Seis semanas antes…

 

Julgo por um instante que não tenho de me levantar para ir trabalhar, tenho a sensação de que deve ser um pacato domingo de verão. O sol do fim de setembro ainda se está a agarrar a dias mais quentes, e uma brisa suave e refrescante agita de vez em quando a cortina de gaze. Gosto de dormir de janela aberta, de certo modo faz-me sentir livre.

Mas o esmagador peso da realidade envolve-me conforme me vou assomando cada vez mais ao mundo consciente. Não me sinto livre, e muito menos nesta época do ano, quando a cada dia que passa se vai aproximando o dia de anos da minha irmã.

Viro-me para um lado e aconchego-me contra o Luke, que ainda está a dormir, à procura de consolo no mero contacto com outro ser humano. Espreito para o relógio e gemo, queixosa, ao constatar que é segunda-feira; estico o braço e apago o despertador. Não sei porque me dei ao trabalho de o pôr, nestes últimos dias não tem sido preciso porque o sono parece não querer nada comigo.

Penso na minha mãe e em como, agora que estamos em setembro, o tempo que passa a olhar para o calendário se vai prolongando um bocadinho mais com o correr dos dias. Vai marcando em silêncio a passagem do tempo e os níveis de ansiedade vão crescendo conforme se avizinha, implacável, o dia vinte e oito, que vai chegar em questão de quarenta e oito horas. A esta altura já devia estar acostumada a este esquema, já que os derradeiros vinte anos foram praticamente uma vida inteira para mim, mas nunca consigo estar inteiramente preparada para a intensidade das emoções que esta data evoca. É como se, à medida que tenho ido envelhecendo, a ausência da minha irmã tivesse ido em crescendo, uma dor cada vez mais profunda e aguda, ainda mais dilacerante. A dor da minha mãe e a minha própria dor.

Ao longo dos anos, tenho desejado em imensas ocasiões que a Alice cá estivesse. Não só pela angústia da minha mãe, mas sim porque, egoistamente, sempre almejei que as nuvens negras que se abatiam sobre nós desaparecessem. Em pequena não queria ser conhecida como a irmã da menina que tinha sido levada pelo seu pai para a América para nunca mais voltar, nem como a filha da mãe com o coração partido. Queria ser a Clare Kennedy, só queria ser normal.

De facto, continuo a querer a mesma coisa.

Ainda me resta uma hora e meia antes de dar início à operação militar que implica acordar e preparar as meninas para irem para a escola e para a creche, por isso aninho-me um pouco mais contra o Luke; às vezes tenho a impressão de que tem a capacidade de absorver a minha tristeza e preocupações, de que pode sugá-las para que os meus sentimentos possam mover-se com liberdade e deixem de estar reprimidos.

Ao notar que se mexe ligeiramente, aperto-o com mais força contra mim com o braço com que lhe rodeio o corpo, abraço-o com suavidade. Depois de oito anos de casamento e duas filhas, nunca nos cansámos um do outro. Ele vira-se e dá-me um beijo.

— Bom dia, coração — diz-me, sem abrir os olhos, antes de me virar as costas de novo. — Boa noite, coração.

— Ouve lá, querido, nem te passe pela cabeça adormeceres outra vez! — sussurro-lhe ao ouvido, enquanto deslizo a mão pelo seu corpo e o atraio de novo contra mim.

Ele abre um olho e dá uma espreitadela ao despertador.

— Meu Deus, Clare, são só cinco e meia da madrugada!

— O que é que tem?

Beijo-o para acalmar os seus protestos e noto como a sua boca se curva num sorriso. Abre o outro olho e diz-me, sorridente:

— Estás a fazer batota!

Cobre-me com o seu corpo, envolve-me entre os seus braços e, por um instante, dou-me ao luxo de esquecer os desafios da vida real.

 

 

— Como é que estamos hoje? — diz a minha mãe, ao entrar na cozinha.

O Luke e eu andamos de um lado para o outro a preparar o pequeno-almoço e a revezarmo-nos para indicar às meninas o que têm de fazer a seguir. É verdade que a Hannah, que já tem sete anos, se desenrasca bastante bem por si própria e só há que guiá-la, mas a Chloe só tem três anos e precisa de atenção constante.

Vivemos com a minha mãe, Marion, na casa onde cresci. Ao princípio, quando viemos viver com ela, o Luke era um artista batalhador e eu tinha acabado de sair da faculdade e tinha arranjado o meu primeiro trabalho num escritório de advogados. Há quem pense que o Luke ainda carrega a hashtag de artista batalhador. Refiro-me mais especificamente à minha mãe, embora deva admitir, em sua defesa, que é uma mulher muito tolerante.

Nestes últimos anos, a família aumentou. As meninas chegaram às nossas vidas e agora somos cinco a viver cá em casa, mas por sorte este lugar é uma velha casa paroquial suficientemente grande para a minha mãe dispor de uma sala de estar própria e o Luke de um ateliê no anexo da casa.

É um disparate que eu viva sozinha nesta casa enorme, e os preços das casas em Brighton são exorbitantes, disse a minha mãe naquele tempo. E assim fazem-me companhia. Posso estar perto das meninas enquanto as vejo crescer, e vocês passam a ter uma ama em casa.

Embora tivesse toda a razão, e fossem argumentos de peso e muito pragmáticos, no fundo nós as duas sabíamos qual era a verdadeira razão pela qual eu jamais iria viver noutro lado qualquer.

Depois do que tinha acontecido, eu nunca me teria mudado para outro sítio; para dizer a verdade, nem sequer tinha a certeza de ser capaz de fazê-lo, por muito que o meu coração me suplicasse para escolher a proposta do Luke: que comprássemos uma casa própria onde criarmos as nossas próprias lembranças. A minha consciência não mo permitia, não podia deixar a minha mãe sozinha.

Não podes continuar cativa de uma coisa que aconteceu na tua infância, disse-me ele uma noite, enquanto estávamos deitados na cama, numa última tentativa de me fazer mudar de opinião.

Mas a verdade era que podia continuar cativa, e que sempre soube que as coisas seriam assim. Só poderia sair de casa se a Alice regressasse.

— Vá lá, Chloe, vamos para a mesa — digo à minha filha, antes de levantá-la da manta de jogos. — Bom dia, mãe.

Sento a menina na cadeirinha e chego-a um pouco mais para a mesa. O Luke, que está a assobiar enquanto faz o chá, passa-me uma tigela de cereais.

— Alguém se levantou muito contente esta manhã — comenta a minha mãe, enquanto se serve de uma torrada. Apesar do sorriso, o tom apagado da sua voz delata-a.

O Luke e eu trocamos um olhar.

— Está uma manhã fantástica, o sol brilha e estou rodeado pela minha família, incluindo-te a ti — diz ele com entusiasmo, antes de lhe dedicar o mais brilhante dos seus sorrisos numa tentativa de a animar.

Ela desvia o olhar, os seus olhos procuram de forma automática o calendário que está pendurado na parede e fixam-se na data de depois de amanhã.

— Hoje tenho de ir ao centro buscar uma coisa à ourivesaria.

Não é preciso que nos diga que se trata da prenda de anos da Alice, nós sabemos bem disso. Todos os anos sem falta lhe compra um presente de anos e outro de Natal, para quando voltar para casa. Nunca é «para o caso de a Alice voltar», é sempre «para quando voltar».

— Posso levar-te se quiseres — oferece-se o Luke. — Deixamos a Chloe na creche e depois vamos à ourivesaria.

— A sério? Ficava-te muito agradecida! — O sorriso da minha mãe é mais caloroso agora.

Gosto que exista uma boa relação entre os dois, é algo que facilita muito a convivência. Quase todos os nossos conhecidos costumam aproveitar o jantar para usufruírem de algum tempo em família, mas em casa dos Tennison a refeição que se partilha em família é o pequeno-almoço. Eu chego do trabalho muitas vezes depois de anoitecer, e já é muito tarde para as meninas jantarem. Tenho consciência de que o Luke preferia que as coisas fossem diferentes, mas faz sempre um esforço pelo bem de todos.

— Hannah, hoje tens aula de flauta — lembro à minha filha, enquanto enfio colheradas de cereais na boca da Chloe, umas atrás das outras. — Não te esqueças, Luke. Acho que o caderno de música ainda continua em cima do piano, na sala de estar.

— Eh… sim, está tudo controlado — responde-me ele, antes de se inclinar para a Hannah e sussurrar com teatralidade. — Tens o livro?

A menina lança-me um olhar antes de lhe responder baixinho.

— Não, achava que eras tu que o tinhas.

Finjo não ver que o Luke leva um dedo aos lábios e sussurra:

— Deixa esta missão nas minhas mãos, eu trato disso.

A Hannah dá uma gargalhada e, quando olho para o Luke, ele pisca-me o olho e finge com teatralidade estar muito centrado em servir o chá.

— Meu Deus, é tardíssimo! — exclamo, antes de me despachar a dar outra colherada de cereais à Chloe. — Tenho a reunião ou, melhor dito, o combate das segundas-feiras, às nove com o Tom e o Leonard. Vá, Chloe, come lá isto!

O Luke tira-me a colher da mão e diz-me com calma:

— Vai já andando. Não deves deixar o chefe à espera.

— O Leonard já não é o meu chefe — relembro-lhe. Tomo a correr a chávena de chá que me acaba de servir, está quente e queima-me a garganta. — Lembra-te de que agora sou uma sócia igualitária.

— Pois, mas ainda te portas como se o fosse. E não é só com ele, com o Tom também. Que sejam eles a esperar por ti desta vez.

Ignoro o comentário e despeço-me das meninas com dois beijos.

— Tenham um grande dia, minhas lindas. Hannah, não te esqueças de entregar a autorização para a competição de natação à tua professora. Chloe, porta-te bem na creche. A mãe adora-vos muitíssimo às duas.

— Eu também te adoro! — exclama a Hannah, atirando-me beijos, enquanto contorno a mesa.

Ou dambén de oro! — repete a Chloe, com a boca cheia de cereais com leite.

— Não te esqueças de que ao saíres da escola vais para casa da Daisy — digo à Hannah, antes de me assegurar de que o Luke se lembra do que combinámos. — A Pippa vai buscar a Hannah e dá-lhe o lanche, depois trá-la para casa.

A Pippa é uma das poucas amigas que tenho na terra, embora muito provavelmente não a tivesse chegado a conhecer se as nossas filhas não se tivessem tornado amigas na escola.

— Até logo, mãe. — Despeço-me dela com um beijo na cara e depois inclino-me para a frente para beijar o Luke, que me agarra pela cintura e prolonga o beijo um pouco mais do que o necessário.

— Vai-te a eles, coração! Tu podes com esse combate na selva! — Larga-me e dá uns socos ao ar, imitando um pugilista. — Flutua como uma borboleta, usa o teu ferrão como uma abelha!

Sou percorrida por uma onda de amor por este homem. É o meu melhor amigo, o meu amante, o meu marido, o meu mais-que-tudo. Dou-lhe mais-cinco antes de agarrar no casaco, que está nas costas de uma cadeira, e depois de sair da cozinha atravesso o hall, onde a minha pasta e a minha mala com rodinhas me esperam, carregada com um monte de processos que trouxe para casa para ler durante o fim de semana. Paro à porta, viro-me e olho por cima do ombro e digo em voz alta:

— Não se esqueçam…!

Antes de terminar a frase, o Luke e a Hannah dizem em uníssono:

— A flauta!

 

 

O trajeto da povoação onde vivemos até Brighton dura uma meia hora num bom dia, e hoje é um deles. Tenho o rádio ligado e tento não pensar na Alice; desato a cantar a canção que está a tocar e quando os últimos acordes ficam para trás o locutor anuncia que a seguinte pertence ao disco retro da semana. Basta-me ouvir as primeiras notas para saber que se trata de «Slipping Through My Fingers», dos Abba, e de repente sinto um baque no coração e as lágrimas inundam os meus olhos com tal força que durante uns segundos a estrada à minha frente se converte num borrão desmaiado. Quando ouço esta canção lembro-me sempre tanto da minha mãe como do vazio que a Alice deixou nas nossas vidas. A buzina de outro carro consegue que a minha mente se centre inesperadamente na estrada e sinto outro baque no coração, mas desta vez é uma reação provocada pela adrenalina ao perceber que acabo de passar um semáforo vermelho.

— Merda!

Puxo subitamente o travão para evitar bater num carro que vem de frente. Se o meu veículo tivesse cabelo tinha ficado arrepiado; agradeço ao sistema antibloqueio do meu BMW. Faço um gesto de desculpa com a mão ao outro condutor, que, felizmente, também teve a sensatez de travar.

Não sei ler nos lábios, mas tenho quase a certeza de que está a utilizar todos os epítetos pouco lisonjeiros que aparecem no dicionário para me descrever a mim e à minha forma de conduzir. Articulo «desculpe» com os lábios, e ele faz marcha-atrás com o seu carro e desaparece a grande velocidade com um estridente ranger de pneus e um irado gesto final.

Vários minutos depois entro no estacionamento do escritório de advogados Carr, Tennison & Eggar sem ter sofrido nenhum outro incidente, e demoro um instante a olhar-me pelo retrovisor e a comprovar como tenho a maquilhagem. Não quero ir trabalhar com rios negros de rímel a escorrer pela cara.

Depois de recuperada a compostura, pego nas minhas coisas e abro a porta do escritório, que se encontra numa casa unifamiliar dos anos trinta restaurada.

— Bom dia, Nina — cumprimento a rececionista, enquanto mantenho a porta aberta com a anca e puxo a mala.

— Bom dia, Clare. — A julgar pela forma como olha para mim, é óbvio que não consegui disfarçar as lágrimas, mas não faz nenhum comentário a esse respeito. — O Tom e o Leonard já estão na sala de reuniões. — Indica com um gesto da cabeça as portas duplas de vidro fosco situadas no outro lado do hall.

Olho para o relógio para ver que horas são e, ao ver que são dez para as nove, decido que podem esperar enquanto levo os processos para o meu gabinete e retoco a maquilhagem.

A Sandy, a minha secretária, está sentada à mesa, na pequena sala de espera que precede o meu gabinete.

— Bom dia, Sandy. Como correu o fim de semana?

— Bom dia! Bem, obrigada. E o seu?

— Bem também, obrigada.

Evito o seu olhar para tentar que não veja a maquilhagem borrada. Tenho um espelho no interior da porta do armário alto com arquivadores do meu gabinete, estou a limpar à pressa as manchas de rímel com um lenço de papel quando o Leonard entra sem bater.

— Ah, finalmente encontro-te! — Detém-se e o seu olhar astuto avalia a situação com rapidez. — Estás bem?

— Sim. Bom, agora estou. — Olho-o através do espelho enquanto continuo a aplicar o rímel.

— De certeza?

— Sim, de certeza. Tive um percalço na estrada, é segunda-feira de manhã e as pessoas estão mal-humoradas.

— Foi por tua culpa?

A minha hesitação delata-me enquanto me debato entre ser sincera ou não, e ele fecha a porta e chega-se a mim.

— De certeza que estás bem? Sei aquilo que esta semana significa para ti.

Baixo a cabeça, sinto-me envergonhada. Não só pela minha falta de concentração, mas porque tenho os sentimentos mais à flor da pele do que gostaria de admitir. Olho-o através do espelho tentando mostrar-me segura de mim própria, passo a escova do rímel pelas pestanas uma última vez e afirmo sorridente:

— Estou ótima, garanto-te. De qualquer forma, obrigada por perguntares.

Ele dá-me umas pancadinhas fraternais no braço antes de adotar de novo uma atitude sóbria e profissional.

— Vamos, estamos à tua espera. Não posso prolongar demasiado a reunião, a maldita senhora Freeman vem ver-me.

— A senhora Freeman? — Tento recordar se o nome foi mencionado na anterior reunião das segundas-feiras enquanto guardo o rímel no bolso do casaco e saio do gabinete atrás dele.

— Sim. Aquela velha rabugenta… é incrível como o marido a aguentou durante tanto tempo. Queres que te diga uma coisa? Devia ser ótima na cama… Embora antes devesse ter de lhe tapar a cabeça para não a ver, e a dele também, não fosse o saco dela cair.

— Leonard, não podes dizer esse tipo de coisas!

Não consigo evitar sorrir perante o seu comentário apesar da minha tentativa de o repreender. É um homem extremamente sincero e pode chegar a ser grosseiro, mas isso é algo que tem dado azo a uma série de episódios divertidos ao longo dos anos.

Quando chegamos à sala de reuniões, encontramos o Tom parado à porta envidraçada que dá para os jardins privados da casa. Vira-se ao ouvir-nos entrar e diz sorridente:

— Ótimo, encontraste-a! — Ocupa o seu lugar à mesa. — Já te fiz um café, Clare. Tiveste um bom fim de semana?

— Sim, obrigada — respondo-lhe, antes de me sentar também.

Na realidade gostava de lhe responder que não, que a verdade é que foi um fim de semana de merda, que dá a sensação de que a minha mãe está a ter mais dificuldades do que nunca em lidar com a situação à medida que se avizinha outro aniversário, mas abstenho-me. O Tom sabe como as coisas estão, tem passado pelo leque inteiro de emoções durante todos estes anos. De modo que opto por desviar a conversa.

— É uma pena que não tenhas vindo ao churrasco. As coisas afinal resolveram-se?

— Sim, desculpa não ter podido ir — responde ele. — A Isabella decidiu que queria a Lottie de volta para não sei que festa em honra da sua avó.

— A Isabella continua a fazer das suas? — pergunta-lhe o Leonard, enquanto ocupa o lugar à cabeceira da mesa.

— De vez em quando. O típico, pede-me dinheiro. A última dela é que quer levar a Lottie à neve a Nova Iorque, a brincadeira vai custar uma fortuna e sou eu que tenho de a bancar. Já não se fazem viagens de uma semana à praia?

— Isso acontece por não teres um acordo pré-nupcial — afirma o Leonard antes de abrir o seu caderno, colocá-lo à sua frente na mesa e tirar a caneta Mont Blanc do bolso de dentro do casaco. — Como é que achas que sobrevivi a três divórcios?

Troco um sorriso de solidariedade com o Tom. O Leonard está sempre a massacrá-lo com a questão dos acordos pré-nupciais e a importância que têm.

— Lição aprendida — assegura-lhe o Tom.

— E tu ainda podes conseguir um pós-nupcial. — O Leonard faz o comentário sem tirar os olhos do caderno, mas dá uns toquezinhos na mesa com a caneta à minha frente.

— Comigo e com o Luke a coisa tem corrido muito bem até agora, por isso não acho que tenhamos problemas. — As suas palavras caíram-me um pouco mal.

— Pois. O orgulho precede a queda, lembra-te disso.

Não lhe respondo, é uma conversa que não nos vai levar a lado nenhum. Jamais vamos concordar nisto. Ao ver que o Tom levanta a cabeça e me pergunta com o olhar se estou bem, respondo com um breve assentimento de cabeça, e a partir daí debruçamo-nos sobre o trabalho.

O combate das segundas-feiras de manhã (é assim que chamamos na brincadeira à reunião semanal) é a oportunidade perfeita para cada um manter os outros dois informados sobre os casos em que está a trabalhar. O Leonard é muito meticuloso no que se refere ao trabalho e, para ele, esta reunião é um elemento crucial para estarmos bem organizados. Assim, se algum dos três estiver fora, os outros dois podem assumir os seus casos. E também é uma forma muito agradável de começar a semana de trabalho e de manter o ambiente familiar que impera no escritório, que é uma coisa que valorizamos muitíssimo os três.

 

 

Uma vez terminado o combate e concluída a minha reunião da manhã, vou ver se o Tom está disponível. A sua secretária, que está a escrever a toda a velocidade, levanta os olhos do computador e esboça um breve sorriso, mas prossegue com o trabalho. O Tom tem a porta aberta, o que indica que não está ocupado. Nenhum dos três é pretensioso ao ponto de exigirmos que nos anunciem.

— Toc, toc! — digo-lhe ao entrar — Apetece-te um café? — Ergo as duas chávenas que trago.

— As minhas palavras preferidas! — responde ele.

O Tom e eu andámos juntos na universidade e acabámos o curso ao mesmo tempo. Tivemos uma breve relação amorosa durante a nossa época estudantil, mas depois de acabarmos o curso decidimos que era melhor deixar a dita cuja relação às portas de Oxford, já que éramos os dois ambiciosos e queríamos batalhar por uma carreira profissional; ainda assim, depois de nos separarmos, continuámos em contacto e fui eu que, um ano após ter começado a trabalhar no escritório, o avisei de que havia uma vaga. Foi-nos proposta a ambos, ao mesmo tempo, a oportunidade de nos convertermos em sócios.

Fecho a porta com o calcanhar, levo-lhe a chávena de café e deixo-a em cima da secretária.

— Bom, agora que estamos sozinhos, queres contar-me o que é que se passou realmente ontem? — digo-lhe, enquanto me sento numa cadeira em frente dele.

— É disso que gosto em ti, nada de preâmbulos. Não andas com rodeios para chegares ao motivo real da tua visita, vais direita à jugular.

— Se andasse com rodeios, ias ser tu a pedir-me para ir direita ao assunto.

— Nisso tens razão. Enfim, não há nada para contar. A Isabella armou-se em megera ciumenta quando viu que eu ia levar a Lottie a tua casa. Já sabes, o costume.

— É bastante patético que ainda se porte assim — comento, carrancuda. — Há quanto tempo é que são divorciados? Três anos?

— Sabes como ela é…

Infelizmente, sabia. Aqui entre nós, o Tom diz sempre que a culpa de a sua ex-mulher ser tão temperamental e ciumenta é o facto de ter sangue italiano; pela minha parte, dou graças aos céus por o Luke encarar com muito mais naturalidade o meu passado com o Tom.

— Bom, já chega de falar de mim. Como é que tu estás? — pergunta-me ele.

Demoro um instante a decidir se devo armar-me em parva e fingir que não sei a que é que se está a referir, mas descarto a ideia. O Tom é mais do que consciente da importância que tem a data que se avizinha, qual ameaçadora nuvem negra no horizonte. Suspiro antes de admitir:

— É uma semana difícil e a disposição da minha mãe vai de mal a pior a cada dia que passa. Eu esperava que se animasse um pouco ao juntarmo-nos todos este fim de semana e a verdade é que a coitada bem que tentou, mas vi logo que, na verdade, estava a fingir. O Leonard tratou-a lindamente, passou grande parte da tarde de volta dela e deu-me a impressão de que ela agradeceu.

— Perguntei por ti. Já sei como é a tua mãe, para ela não há alívio algum. — Toma um pouco de café antes de acrescentar: — Quero é saber como é que tu estás, Clare. Andas a dormir bem? Acho-te bastante cansada.

Dou uma gargalhada cheia de ironia ao ouvir as suas palavras.

— É essa a tua forma de me dizeres que estou com um ar horrível?

— São palavras tuas, não minhas.

— Para tua informação, a verdade é que ultimamente não tenho dormido muito bem. Esta época do ano destabiliza-me sempre, nunca sei como me sinto nem como devia sentir-me. Não sei se estou triste por causa da minha mãe, por causa da Alice ou por mim. Ontem à noite dei por mim a pensar: tenho mesmo saudades da Alice, ou o facto de ela não estar converteu-se em algo normal? Desapareceu há tanto tempo que essa ausência faz parte da minha vida. — Olho pela janela e faço uma pequena pausa. — Como sabes, no início do ano contratámos outra agência de detetives para tentar localizá-la, mas, como sempre, não encontraram nenhum rasto dela.

— É incrível que seja tão difícil localizar alguém hoje em dia, não como quando nós andámos à procura dela.

— Deve ter outro apelido. Tem vinte e poucos anos, talvez até tenha casado. Quem sabe, talvez não queira ser encontrada.

— Sim, é verdade. Propuseste essa possibilidade à tua mãe?

— Falou-se disso uma vez ou outra. A minha mãe não é parva, mas não se sente capaz de abrir mão do assunto até saber a verdade, seja ela qual for. O que se passa é que acho muito difícil lidar com este turbilhão de emoções exacerbadas que se agiganta nesta época do ano e tenho medo, não sei como o canalizar.

O telefone do Tom começa a tocar, é um telefonema interno.

— Olá, Nina. Sim, está aqui. — Olha para mim enquanto ouve a rececionista, fica sério. — Sim, obrigado… Olá, Luke, é o Tom. Vou passar. — Dá-me o telefone.

O Luke nunca me liga para o trabalho, combinámos que só o faria em caso de emergência, por isso pego no telefone com urgência.

— O que foi? Aconteceu alguma coisa às meninas?

— Não, elas estão bem. — Apesar das suas palavras deteto certa tensão na sua voz, de modo que me preparo para receber uma má notícia, mas ele antecipa-se à pergunta que estou prestes a fazer. — E a tua mãe também. Não aconteceu nada de mal…

— Então, o que é que se passa?

— A tua mãe está em choque, tens de vir para casa.

— Choque? De que tipo? O que é que isso quer dizer?

Olho para o Tom como se ele pudesse ser de alguma ajuda, e indica-me o telefone com um gesto.

— Queres que eu fale com ele?

Digo-lhe que não com a cabeça, o Luke está a falar.

— Clare, coração, a tua mãe recebeu uma carta. — O meu marido cala-se e imagino-o a remexer-se nervoso, sinto a tensão através da linha telefónica. — Uma carta da… da Alice.

As suas palavras deixam-me sem ar.

— Da Alice?

— Sim, da Alice.

— Da minha irmã Alice?

— É o que parece.

— Merda! — Já me estou a pôr em pé. As pernas fraquejam e apoio uma mão nas costas da cadeira para me segurar. — Vou já para aí!